segunda-feira, 29 de março de 2010

De verdades e da História

Eduardo Bomfim *
   
Muito se tem falado e escrito sobre grande parte da mídia hegemônica de abrangência nacional. A maioria das opiniões não são nada positivas, pelo contrário, há uma generalizada queixa sobre a parcialidade da “imparcialidade” das informações veiculadas rotineiramente, sistematicamente.


Sob a proteção de uma inquestionável e absoluta liberdade de expressão e informação, o que comumente tem sido divulgado, em geral e com honrosas exceções, é a superficialidade dos fenômenos, sejam eles de caráter político, científico, histórico ou relativos ao cotidiano das pessoas ou das cidades.

Há uma nítida sensação que essa dita mídia hegemônica nacional, que determina a pauta informativa dos brasileiros, transformou-se em uma máquina de moer informações aleatórias e de preferência os assuntos secundários quando não bizarros.

Talvez por total ignorância de muitos não seja possível compreender a importância em se divulgar a imagem de uma árvore que desabou sob forte chuva em uma rua de uma cidade qualquer em algum lugar do País.

Em contrapartida nada ou pouco se sabe sobre a realidade dessa mesma cidade. A sua condição econômica, as esperanças da sua população, as suas queixas e as suas expectativas como cidadãos brasileiros.

Vários dos âncoras das mais prestigiadas emissoras de televisão de abrangência nacional visitam-nos quase que diariamente, quando não todos os dias, com os seus semblantes lúgubres, atolados em tragédias e notícias escatológicas como se fossem essas as preocupações e as essencialidades dos brasileiros e da humanidade.

Tudo isso me faz lembrar um episódio acontecido há vários anos quando, ao lado do ilustre professor Florestan Fernandes, de saudosa memória, visitávamos com um guia, as ruas de Madri.

Ao fim do périplo, o grande cientista político reclamou do guia porque ele havia nos mostrado lugares cuja referência dizia respeito só e unicamente ao período fascista, do governo de Franco, de trágica lembrança.

Então o referido guia respondeu-nos secamente e de maneira abusada: há gosto para tudo senhores. No que Florestan Fernandes retrucou imediatamente: não meu senhor, não se trata de gosto, mas de respeito à História e à verdade.

De certa maneira a nossa atual mídia hegemônica nacional tem agido assim. Empanturra-nos de fatos, menos da verdade e da História.
* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
http://www.vermelho.org.br/coluna

Os rumos da pós-graduação no Brasil

Luciano Rezende *

Em um período recente, tempos em que as leis de mercado prevaleciam hegemônicas sobre qualquer tentativa de fortalecimento do Estado Nacional, o governo brasileiro se omitiu de apontar os rumos de várias políticas públicas estratégicas e outros assuntos de interesse do país. Vivíamos a lógica de que o deus-mercado regularia tudo, inclusive a demanda por profissionais egressos da pós-graduação brasileira. Ledo engano.

Esse paradigma custou caro ao país e, mesmo que parcialmente, demorou a ser desconstituído. Hoje, a realização das conferências nacionais temáticas, dentre elas a de C&T, resultam em documentos e resoluções elaborados de forma democrática que sinalizam os caminhos da política científica e tecnológica a ser seguido pelo país. Outra importante ação nesse sentido foi a retomada do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG), reivindicado pelo Movimento Nacional de Pós-graduandos, através da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).

O PNPG, elaborado pela Capes, é um dos grandes responsáveis pela institucionalização da pós-graduação e deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional a cada quatro anos. Entretanto, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, o MEC, sem o menor interesse em comprometer-se com a expansão do sistema público de pós-graduação, decidiu abandonar a elaboração e aprovação do IV PNPG, que já vinha sendo postergado há uma década. A partir da constatação de que a pós-graduação brasileira já estaria “madura” e acabada, o MEC havia decidido substituir o Plano por um conjunto genérico de diretrizes – sem quaisquer indicações de mecanismos, meios, metas e prazos para suas consecuções.

Já no governo Lula, a Capes, através da Portaria nº 46 de 19 de maio de 2004, instituiu a Comissão responsável pela retomada do PNPG relativo ao período 2005-2010. Nela, pela primeira vez, se deu a participação dos pós-graduandos, além de representantes de outros setores da comunidade acadêmica e científica como a SBPC. O resultado foi um conjunto de políticas e metas progressistas, sintonizadas com as necessidades dos pós-graduandos – a exemplo da que recomenda a reposição gradual do valor das bolsas, defasada em dez anos, corrigindo seu valor em 50% entre 2005 e 2010 (10% ao ano), ou a que propôs a isonomia entre os montantes das taxas de bancada da Capes e do CNPq (embora até hoje não tenha sido efetivada).

De fato, muita coisa precisa avançar. A pós-graduação brasileira apresenta muitos problemas e limitações que necessitam ser superados. Ainda é grande a falta de democracia interna na pós-graduação onde muitos estudantes sofrem com o assédio-moral de vários orientadores que concentram enorme poder de decisão, em departamentos cada vez mais separados da universidade e que impõem suas próprias leis de distribuição de bolsas e seleção de candidatos. É fundamental continuar o debate sobre a pós-graduação para continuar avançando em sua melhoria.

Por isso mesmo é confortável saber que o atual governo mantém seu compromisso de privilegiar fóruns que são capazes de envolver todos os agentes que constituem a pós-graduação para debater suas limitações e encontrar soluções.

O V PNPG, ou PNPG (2010 – 2020), apesar de englobar um período demasiado longo, merece ser saudado, ainda mais por manter seu caráter democrático e contemplar a participação dos pós-graduandos, ainda que em proporção não condizente com a sua importância na produção científica nacional. Todavia, serão muitos os desafios que deverão ser tratados pela comissão recentemente instituída. Dentre eles temas sensíveis à vida dos pós-graduandos, como a continuidade da valorização permanente das bolsas, a democratização na tomada de decisão interna dos departamentos e programas, a universalização da taxa de bancada, a definição de outros critérios de avaliação da pós-graduação capaz de superar a visão meramente quantitativa de publicação de artigos, entre outros assuntos.

Por sua vez, o Movimento Nacional de Pós-graduandos, instituído em suas dezenas de Associações de Pós-graduandos (APGs) espalhadas pelo Brasil, deve pautar a elaboração do PNPG (2010 – 2020) como máxima prioridade. As propostas dos pós-graduandos nesse Plano devem contar com a sabedoria coletiva através de consultas, pesquisas e seminários no meio estudantil. O que pensa o pós-graduando brasileiro e quais suas principais aflições. Esse sentimento precisa ser registrado pela entidade máxima representativa dos pós-graduandos, como fez no PNPG passado, para que seja contemplado na íntegra nesse novo documento.

Esses são os principais desafios que não podemos deixar passar em branco, com o risco de esperar mais dez longos anos. Um tempo extenso demais, como foram os malfadados anos dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. Mais que nunca é preciso superar esse atraso.

O Congresso da ANPG (marcado para os dias 15, 16, 17 e 18 de abril, na UFRJ) vem em boa hora e saberá dar uma justa resposta aos anseios dos milhares de pós-graduandos brasileiros.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

A quem interessa uma UNE porra-louca?

Vejam essa manchete do Jornal do Commercio (do Recife): ‘O “protesto chapa-branca” da UNE’. Em boa técnica jornalística, “protesto” e “chapa-branca” aí estão como convite ao leitor, pelo contraditório, a formar antecipadamente um juízo de valor depreciativo sobre a União Nacional dos Estudantes e o evento ocorrido na tarde da última terça-feira na capital pernambucana. 

 

Na verdade, a passeata de cerca de dois mil estudantes, sob a liderança da UNE e também da UEP (União dos Estudantes de Pernambuco), UBES e UMES (União Metropolitana de Estudantes Secundaristas) teve motivos nobres: a reivindicação de que 50% dos recursos advindos da exploração do petróleo e do gás da camada do pré-sal sejam destinados à educação pública universal e de qualidade; e a exaltação de uma grande conquista recém-obtida, a gratuidade do ensino na Universidade de Pernambuco (UPE), ato do governador Eduardo Campos.


A luta pela gratuidade na universidade estadual vem de longe, daí as homenagens prestadas, ao final da passeata, ao próprio governador e aos secretários de Estado Luciana Santos e Humberto Costa que, quando deputados, pelejaram por esse objetivo ao lado dos estudantes. Aliás, Humberto, Luciana e Eduardo também defendem a posição do movimento estudantil quanto ao uso dos recursos do pré-sal.


Nessas circunstâncias, pergunto: protestar contra o quê? Claro que não se trata de protesto, mas de uma luta que os estudantes travam em todo o país e da comemoração por uma vitória importante em âmbito local. Demais, mostra-se totalmente equivocada a assertiva – implícita na manchete e no corpo da matéria publicada pelo jornal pernambucano – de que ao movimento estudantil cabe tão somente protestar, sempre.

Ora, o país progride, muitos anseios populares têm sido alcançados sobretudo após a assunção de Lula à presidência da República. Os diversos segmentos do movimento social, o movimento estudantil entre eles, não deixam de reivindicar, pressionar, criticar e protestar quando assim consideram oportuno – como têm feito inúmeras vezes. Porém, por outro lado, exaltam suas próprias conquistas e não se eximem de reconhecer atitudes e decisões corretas de governantes aliados.


Ao contrário de se por o rótulo “chapa-branca”, importa reconhecer nessa conduta uma postura amadurecida, equilibrada e consequente. Do contrário caberia, aí sim, a pecha de “porra-louca” a um movimento que só soubesse dizer não, reclamar e atacar, sem jamais construir. O que certamente não corresponderia aos interesses fundamentais dos estudantes e do povo brasileiro.
Luciano Siqueira *
http://www.vermelho.org.br 



  

O caminho para a revolução brasileira passa pela cultura

Criador do principal programa do Ministério da Cultura – o Pontos de Cultura -, Célio Turino está se despedindo, em grande estilo, de seu cargo de secretário nacional da Cidadania Cultural. Ele deixa a pasta no dia 1, para candidatar-se a deputado federal em São Paulo. Até lá, participa da Teia 2010, em Fortaleza, evento no qual pode ver de perto o resultado de seu trabalho para a cultura e o povo que a produz.

Célio Turino: missão cumprida na popularização da cultura brasileira

 Célio TurinoNa Teia, é difícil conseguir alguns minutos a sós com Turino. Assediado, ele posa para fotos, recebe cumprimentos e presentinhos – mostras do que os grupos culturais estão produzindo com ajuda do MinC. No evento que reúne representantes de 2500 pontos de cultura e no qual as diversas expressões culturais do país se exibem, simultaneamente, é fácil perceber o motivo das reverências.

Em entrevista ao Vermelho, concedida no refúgio da escadaria do Centro Cultural Dragão do Mar, ele falou sobre a experiência à frente da secretaria e das transformações promovidas pelos pontos de cultura. “Mudamos paradigmas. Todas as políticas públicas têm foco na carência e na vulnerabilidade. Com o Ponto de Cultura, partimos do oposto, da potência, da capacidade que o povo tem de transformar sua realidade”, contou.

Turino, comunista desde os 16 anos, avalia que a identidade brasileira se fortalece justamente por meio da diversidade. Em ano eleitoral, ele defende uma “culturalização da política e uma politização da cultura”. E adverte: “não há como pensar num caminho para a revolução brasileira que não seja com a cultura”. Ele será substituído na secretaria pelo poeta e atual diretor do Programa Cultura Viva, TT Catalão. 
 
 Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, onde acontece 
a Teia Cultural 2010

Vernelho: Você está deixando o MinC nos próximos dias. Como foi esta experiência?
Célio Turino: Foram cinco anos e dez meses de trabalho, um mergulho no Brasil. Fiz centenas de viagens, algumas de barco, como para chegar na terra indígena dos axaninca e encontrar um ponto de cultura, com estúdio multimídia e filme premiado em Nova York - feito por índios, falado na língua deles.

Subir morro, descer ladeira, ir a assentamentos rurais... Pude experimentar esse Brasil que se faz pelo povo. E o que percebo hoje é que, até como estratégia do povo brasileiro, por ter vivido numa terra ao mesmo tempo tão dadivosa e tão injusta, foi se formando uma rede de solidariedade popular, de criatividade e capacidade de iniciativa, e que floresce por baixo do tecido social. E quando jogamos foco nessas iniciativas, elas brotam com muita força.

Hoje são mais de 8 milhões de pessoas participando dos pontos de cultura, sendo 750 mil, em atividades regulares. Ou seja, é outro movimento social, outra forma de militância que vai aparecendo. É uma democracia com cara do povo, por isso alegre. E é isso que a gente vê aqui na Teia, que é uma mistura de reflexão, organização e encantamento com as apresentações.

Vermelho: Qual a grande inovação dos Pontos de Cultura?
Turino: Mudamos alguns paradigmas. O primeiro deles foi na política pública de forma geral, não só para a cultura. Todas as políticas públicas têm por foco a carência e a vulnerabilidade. Com o Ponto de Cultura, partimos do oposto, da potência. Não chegamos suprindo uma necessidade do povo, mas identificando a capacidade que o povo tem de agir e transformar sua realidade. Algumas pessoas diziam “Célio, você semeou estes pontos pelo Brasil”. Mas eu não semeei, eles estavam lá. Eu reguei.

Com essa mudança, vem outra, na relação entre Estado e sociedade. O Estado sempre trabalhou com o paradigma da concentração e da imposição. No ponto de cultura, no lugar do controle, trabalhamos com a confiança. Isso cria um Estado mais poroso, um povo que exercita mais seu empoderamento e pode trazer novos padrões de relacionamento entre Estado e sociedade, que extrapola a questão da cultura em si.

A gente exercitou Marx na prática. Colocamos os meios de produção nas mãos de quem produz. Isso se traduz com o estúdio multimídia, que permite que a narrativa seja executada na primeira voz. Mesmo as experiência socialistas do século XX não chegaram a esse grau de radicalidade democrática. Nos pontos de cultura é o índio na voz do índio.

Vermelho: E o que permitiu tamanha radicalidade?
Turino: O guarda chuva do Gilberto Gil permitiu que a gente fizesse isso. E eu diria que a elite dominante não percebeu esse processo, eu até não achei ruim que a imprensa, especialmente do Centro-Sul nem tenha se dado conta do que estava acontecendo, porque a gente pôde prosperar com esse grau de liberdade e radicalidade.

Vermelho: Qual o impacto dessas mudanças na questão da identidade brasileira?
Turino: Fica cada vez mais claro que a identidade do brasileiro se fortalece na diversidade, na troca, no intercâmbio - que não nega as identidade de cada um, mas vai adiante e cria outra coisa. O Mário de Andrade, em Macunaíma, falava do herói sem nenhum caráter, que muita gente interpretou errado. Nenhum caráter significava que o Brasil teria o seu caráter em formação.

E eu diria que o caráter do brasileiro está se definindo melhor e esse caráter é a convivência na diversidade, que nos faz fortes. O ponto de cultura, ao promover uma cartografia da cultura brasileira e feita pelo próprio povo, ele vai revelando isso. E ele transforma, na medida em que você se encontra e se relaciona com o outro. É uma dialética. Criamos um desenvolvimento por aproximação.

Vermelho: O trabalho dos pontos não tem espaço na mídia tradicional. Isso incomoda?
Turino: Hoje não nos afeta, porque em algum momento eles vão se surpreender e contar uma história sem conseguir entender o que levou o Brasil a essa mudança.

Vermelho: Estamos em ano eleitoral e está em discussão na Teia a consolidação dos programas do MinC como política de Estado. Há risco de descontinuidade?
Turino: Risco sempre há. Mas a gente tomou um conjunto de iniciativas, como as redes estaduais, que envolveram outra forma de compromisso prático, independente de partidos políticos. Mas é necessária, sim, a apresentação de leis e esse é o tema do Fórum de Pontos de Cultura, que vai até quarta (01).

Está se trabalhando em cima de duas leis. A Lei Griô, em fase de coleta de assinaturas, para os mestres da cultura oral, e a Lei Cultura Viva, da autonomia e do protagonismo popular. Para que a gente seja coerente com o conceito construtivista do programa, achamos que os projetos devem vir por iniciativa popular, mesmo que leve mais tempo.

Vermelho: Qual a importância dessa Teia, em final do governo, e acontecendo pela primeira vez em uma cidade nordestina?
Turino: É um esforço fazer aqui, pela questão dos custos e tudo mais. Mas esse é nosso papel. A Teia tem um componente simbólico grande. A primeira foi na Bienal de São Paulo, por uma decisão simbólica, porque aquele é o espaço da arte chamada de arte, do cânone da arte. Era preciso que a produção cultural da periferia entrasse naquele espaço.

Depois fomos para o Palácio das Artes, em Minas, sempre no sentido de que o povo entra pela porta da frente. Em 2008, foi na Explanada dos Ministérios e, agora, no Nordeste. Comparo a Teia com um movimento de guerrilha simbólica: os pontos, enquanto focos de áreas livres de pensamento; e a Teia é a incursão desses focos. Esse componente da cultura é muito forte. Digo até que não há como pensar num caminho para a revolução brasileira que não seja com a cultura.

Vermelho: Quais os avanços na política cultural da gestão Lula e o que ficou por fazer?
Turino: Cultura não tem fim. Mas houve uma mudança inconteste. O slogan do MinC, até 2002, era “cultura é um bom negócio”. Reduzia cultura a mercadoria. O orçamento era pequeno, 0,2%. Hoje, só com o Cultura Viva, investimos quase isso. A cultura ficava no eixo Leblon-Jardins. Era a mesma coisa do tempo do D. Pedro II.

Hoje é diferente. Há uma política de cultura, uma descentralização, o Estado se estruturou, trabalhamos mais no caminho do fundo público, há diálogo com a diversidade brasileira. E sem deixar de lado essa chamada cultura de mercado.

Vermelho: O que você sugere ao programa de governo do sucessor do presidente Lula?
Turino: Consolidar e avançar esse processo desencadeado na política cultural do governo Lula. Agora é momento de dar um passo adiante. Com essa base toda do pensamento da cultura brasileira, a gente começar a mudar a política, com a culturalização da política e a politização da cultura.

Vermelho: Você falou em avançar em relação ao que já foi feito, mas em que caminho? Qual a principal demanda agora?
Turino: Acho que avançar no entendimento de que quem faz cultura é a sociedade, as pessoas, não o Estado. É preciso aprofundar a radicalização democrática. E a gente vê que há mesmo uma relação da cultura com a política e isso vai ter que ser posto. O país está em uma encruzilhada e tem que se perguntar qual caminho quer assumir: transformamos tudo em mercadoria, em coisa, ou criamos uma plataforma a partir do bem comum.
Essa ideia do comum vai ser recolocada no século XXI, tanto que eu assumo com muito mais convicção a minha condição de comunista, a partir desse sentido. Eu me coloco à serviço da difusão dessas ideias e desse processo.

De Fortaleza,
Por Joana Rozowykwiat

 A demonização de Cuba: uma guerra política e cultural

Em política,a única vitória possível é cultural.O restante pode ser chamado de ocupação, asfixia, imposição...Os ideólogos da direita se lançaram de corpo e alma em uma guerra cultural contra Cuba

Por Enrique Ubieta Gómes *

O principal obstáculo do imperialismo para derrotar a Revolução Cubana não é militar nem econômico, mas sim moral. De alguma forma “inexplicável”, Cuba conserva o prestígio internacional e o consenso interno, apesar do desgaste de meio século sob os efeitos de um implacável bloqueio e de uma contínua campanha midiática, apesar da derrubada – há 20 anos – e do descrédito de um “campo socialista” do qual hoje se enumeram as manchas e se ignora a luz.

Os ideólogos da direita sabem que esse prestígio moral invalidaria qualquer vitória militar ou econômica sobre a ilha. Em política, a única vitória possível é cultural. O restante pode ser chamado de ocupação, asfixia, imposição; todas variações que postergam a vitória do suposto derrotado. Por isso, eles se lançaram de corpo e alma em uma guerra cultural que envolve tudo. Uma guerra que não busca nem pede verdades ou princípios: uma guerra para reverter convicções e sentimentos, que se apoia na força dos meios de comunicação. Ou por acaso a demonização da cultura árabe – povo que vive sobre grandes reservas de petróleo – não antecede e acompanha a guerra de extermínio que sofrem seus estados “desobedientes”? Lançar-se de corpo e alma significa que esses ideólogos devem repetir sem ruborizar e sem piscar, que Che Guevara, o guerrilheiro heróico, foi um assassino: que Batista, o assassino, foi na realidade um bom governante; que Cuba, a nação que mais vidas salvou no mundo – incluindo a de seus inimigos -, desfruta da morte.

O governo de Obama é um excelente porta-aviões para bombardeios ideológicos: um rosto negro, um perfil intelectual, um sorriso sedutor. Um enorme e moderno navio de guerra que assume ares de cruzeiro, que finge não atacar: para isso aí estão seus aviões e os pilotos que às vezes decolam à noite, enquanto o capitão dorme. O certo é que a onda de desrespeitos coletivos que Obama encontrou em seu pátio latino americano era tão colossal que a guerra não podia absolutamente ser resolvida unicamente pela via da força. Não digo que sem a força, mas que não só pela força. Era imprescindível um golpe de Estado pedagógico – e para isso escolheu-se o elo mais débil, Honduras -, mas um golpe que fosse acompanhado de justificativas (supostamente) legais, de trâmites burocráticos, de condenações públicas e de apertos de mãos privados.

Um novo conceito para legitimar culturalmente certos golpes de Estado: no futuro a democracia deixará de existir se a maioria do povo expressa eleitoralmente sua inconformidade com uma legislação que garanta os interesses imperialistas. E será legítimo o uso da força, a dos militares claro, não a do povo. Os líderes sindicais que “o governo de fato” – o que deu o golpe e que acaba de auto-eleger-se em estado de sítio – assassina todos os dias parecem não importar a ninguém. Mas os objetivos mais importantes da guerra cultural são dois: Cuba e Venezuela.

Foi talvez em Trinidad Y Tobago onde Obama compreendeu que o prestígio de Cuba era imenso. Ao término daquela Cúpula, na qual estreava seu sorriso, falou da “utilização” do internacionalismo médico da Revolução Cubana com supostos fins propagandísticos. Esse prestígio é algo que atormenta os ideólogos da direita, que sonham com a deserção de todos os médicos cubanos. El país, órgão da transnacional PRISA na Espanha, qualifica a esquerda que apóia Cuba de stalinista e nostálgica. Nossos pequenos ideólogos de Miami, México ou Barcelona, tratam de esclarecer, com pretensões acadêmicas, as razões dessa simpatia internacional e organizam cartas de condenação que levam de porta em porta. Usam todas as armas para dissuadir os solidários com essa experiência, incluindo aí a chantagem política e, se necessário, o fuzilamento midiático. A guerra é à morte. 

Os diplomatas dos EUA e de alguns países europeus servidores de sua política já não se escondem em Cuba; caminham sem pudor entre os dissidentes que constroem e financiam. Usurpam os símbolos da Revolução, da esquerda, e os preenchem de conteúdo contra-revolucionário; plagiam as Mães da Praça de Maio – aquelas que sempre desprezaram e combateram – para construir as Damas de Branco. São ingredientes para um bom coquetel: mulheres debilitadas e acompanhantes, roupa branca (além do símbolo da paz, em Cuba essa cor adquire outros significados religiosos, para nada católicos), gladíolos, missas católicas. O que importa é o enquadramento da câmera. Entre com a moldura, que eu faço a guerra, dizia Hearst em 1898; ou, em termos atuais, construa o set e filme a cena – ou dê uma “tweetada” se preferir – que eu escrevo o roteiro.

Demonizar Cuba. Fazer com que as crianças das escolas espanholas sintam pena das crianças cubanas, escolarizadas, saudáveis, como poucas na América Latina. Fazer com que os cidadãos honestos que só têm tempo para sobreviver em meio a uma crise econômica que ameaça sua tranqüilidade primeiro-mundista, se compadeçam dos cubanos, mais pobres, é certo, e, no entanto, mais protegidos, e, apesar de tudo, mais livres como seres humanos. Que olhem para Cuba e se desinteressem pelo que ocorrem no Iraque, na Palestina ou na América Latina, ou na Espanha. Que convertam a ALBA – esse maravilhoso sistema de solidariedade entre povos – em um empório de obscuros interesses ideológicos. O difícil, porém, é que uma operação cultural de caráter midiático possa superar ou reverter a vivência de centenas de milhares de latinoamericanos, de africanos, asiáticos, norte-americanos e europeus, que já receberam a solidariedade cubana e venezuelana. O difícil é ocultar o sol com um dedo, principalmente quando esse dedo carrega o anel imperial.

(*) Enrique Ubieta Gómez é jornalista e escritor, seu artigo foi publicado pelo Rebelión e traduzido e reproduzido por Carta Maior

Empobrecer o espírito para enriquecer o bolso

Carlos Pompe *

Os meios de expressão da sensibilidade humana estão assaltados por temas místicos, religiosos e pelo irracionalismo. Para garantir a continuidade de seu domínio, a burguesia precisa revitalizar as crendices, fazer aumentar a procura pelo misticismo, inculcar ou revitalizar a influência da religião no seio do povo. Ao mesmo tempo, aproveita a empreitada para aumentar seus lucros.

Recente artigo de Gabriel Priolli, “Assombrosa escalada dos espíritos”, aborda o novo ataque místico perpetrado através de novelas e filmes brasileiros contra a população. Cita a próxima produção da Globo, “Escrito nas Estrelas”; a que vem sendo repetida pela mesma emissora, “Alma Gêmea"; o filme, também produção globaliana, sobre Chico Xavier – aproveitando o centenário do nascimento do mineiro. Refere-se ainda ao filme “Bezerra de Menezes – O Diário de Um Espírito”, que conta a vida do cearense que, no final do século XIX, divulgou as crenças de Allan Kardec no Brasil. Priolli informa que um canal por assinatura vai exibir uma série sobre “mestres espíritas”. Essas obras não são uma abordagem analítica das trajetórias dos biografados, mas produção apologética dos seus ideários.
Os aparelhos de TV brasileiros também podem sintonizar emissoras dedicadas à divulgação de seitas, oferecendo curas e milagres. “Seja como for, entre espíritas, católicos e crentes, a religião se propaga por imagens e busca converter corações aflitos em fiéis telespectadores, contribuindo para a permanência do pensamento mágico tão arraigado na consciência popular e obstruindo o avanço da razão. Na contramão desse processo intenso de doutrinação midiática, não se verifica no Brasil ainda nenhum canal de TV ou web integralmente voltado à ciência e ao culto da racionalidade. Mesmo nas emissoras educativas, ainda é modesto o tempo dedicado aos conteúdos científicos e a produção nacional na área praticamente inexiste. Darwin perde de longe a batalha para Deus, na explicação sobre origem e destino de todas as coisas”, argumenta o articulista.
Ele considera que a mídia religiosa “não facilita a afirmação do pensamento crítico, questionador, investigativo, que forja a verdadeira consciência de si e do mundo, e fundamenta os direitos de cidadania. Elevar preces ao céu e cultivar fantasmas é direito democrático e constitucional, mas não constitui uma democracia mais forte. Até prova em contrário, é a ação solidária entre os homens, sem auxílio divino e neste mundo mesmo, que pode lográ-la”.
Priolli poupou seus leitores do registro da megaofensiva que também o cinema, a literatura, a música e as artes plásticas internacionais realizam na propagação da religiosidade, do misticismo e do irracionalismo. Emissoras de rádio e gravadoras se especializam em músicas de cunho sacro, produção que é transmitida também nas rádios não especializadas. Mesmo frequências destinadas somente a notícias embutem em sua programação “alternativas de vida” sempre embaladas no misticismo e inclusive avessas à ciência. As livrarias e telas de cinema de TV estão infestadas de vampiros. Mesmo ali, de onde o incauto menos espera, salta um espírito, um evento sobrenatural – no planeta Pandora, do filme “Avatar”, os ETs têm seus mantras siberianos e a “mãe-natureza” transpõe a alma de um humano para um Na'vi...
O irracionalismo é uma das tendências importantes da filosofia burguesa. Levado ao extremo, cria a atmosfera espiritual de uma fé cega que possibilita pastorear o rebanho de crentes pelas sendas mais obscuras e levá-los a cometer barbaridades inomináveis. Aliás, Lênin, no “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, já alertava que o idealismo filosófico e o misticismo servem “como disfarce de um estado de espírito contrarrevolucionário”.
Fraternos aos demais donos do capital, os que detêm o monopólio da mídia semeiam a desrazão e colhem a continuidade de seus domínios e de sua dominação. Garantem, a um tempo, o retorno lucrativo do capital investido e a mansidão da plebe explorada e ignara. Seguem o conselho dado por Mefistófeles, o diabólico personagem do “Fausto”, de Goethe:


"Larga do ser humano a razão e a ciência,
São as forças mais altas que lhe dão potência!
Espíritos sutis te enleiam e te dominam
A um mundo de ilusões e cegueira te inclinam..."


 Leia o artigo de Gabriel Priolli clicando no link
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=582FDS012