terça-feira, 5 de março de 2019

A ARTE SERVE PARA IMPACTAR


Quando não basta o falar, escrever e desenhar, que ao menos a arte nos provoque a refletir. E que bom se o desfile temático da escola Gaviões da Fiel tenha sido ponto impactante nesta era gélida do sapiens pensante. Principalmente sobre aqueles fervorosos que dizem não assistir, frequentar, curtir espaços de profanação e que ao seu modo entendem como vilipêndio ao sagrado, pois em certa medida a escola faz um retrato da sociedade atual. Geralmente, a negação mais ampla é feita por aqueles que veem seus negócios da fé ameaçados, ou por aqueles que falta a luz da compreensão mais ampla. Esta, muitas vezes aprisionada por estúpidas pregações em espaços doutrinários por aqueles que fazem da mentira a arte do convencimento através do medo, fracassos da vida cotidiana, ignorância assumida ou circunstancial, e mesmo na/por fragilidade da fé de outrem – em parte, a alma do lucrativo negócio. 

Um dos horrores deste tempo é a sapiência aprisionada, roubada por coletores de dízimo e suas verdades deturpadas, tão presente no Brasil atual. Realidade desconcertante que destrói estruturas democráticas do Estado e divide classes de miseráveis e miserandos. Enquanto isso, ‘satanás’ imponente brinda champanhe no alto poder político, em altares com cofrinho de donativos e suas segmentadas centopeias bebem o sangue de cativos doutrinados como se fossem seus desiguais. E aí, ao sentirem-se ameaçados pela arte que os desnuda, reagem com o clichê da mera profanação - não é a verdade que dói, mas a resistência e ameaça que ela causa. Isso me faz lembrar de um ponto na história recente, quando o filósofo Nietzsche escandalizou o mundo cristão com o aforismo: 'Deus está morto' – e não era uma questão de petulância, era sim, provocação sobre o mundo real - ou na síntese do coloquial por aí: o filósofo 'lacrou' – mas a grande maioria não o entendeu ou preferiu não entender-lhes, pois seria mais fácil e lucrativo lhes acusar de um arrogante ateu em delírio! 

De igual modo, também o enredo ‘lacrou’ e restando dúvidas, substitua a imagem cênica do personagem ao solo (derrotado) por imagens deste Brasil real: uma vereadora fuzilada ainda sem justiça. Milhares de mulheres assassinadas, agredidas, violentadas diariamente; Negros, índios, homossexuais enxovalhados, exilados e mortos; Milhares de Marias, Josés e Jesus sem teto perambulam pelas ruas; Juízes em apologia pública a injustiças; Socialites, juristas e pequenos instruídos comemorando a morte de uma criança de 7 anos (sem importar-se com o vinde a mim as criancinhas – embora seu mantra ‘Deus acima de todos’) e aplausos ao Barrabás. Some-se a isso, a mentira como patrimônio de verdade aos que negam a justiça e o bem maior, em prol de promíscuos interesses pessoais, grupos, setores, mesmo sem explicação e compreensão a si mesmos - não é o fim, mas chegamos na barbárie! 

É este o mundo que Jesus defendeu e queria aos seus? Se não é, então ao invés de comoções midiáticas com a metáfora do derrotado é preciso ser capaz de defender o seu igual como grande preceito constante na máxima: 'no seu semelhante à minha imagem'. – Ou seja, atacar seu semelhante é atacar o seu ente sagrado e superior. Por fim, que ao menos o profano nos devolva a capacidade de refletir, nos impactar e libertar. Pois, se ao filósofo e ao enredo há um ente superior vitimado, é sinal que a sua imagem e semelhança neste mundo está doente - o bem não é este propalado bem maior e muito menos o mal a justa medida servida como bem no Brasil atual. 

Por Neuri Adilio Alves