segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

AS ROSAS PEDEM ÁGUA, MAS MORREM AFOGADAS EM SANGUE

''Em qualquer relação onde houver agressão física, não há mais espaço para o amor, para a paixão, para a reconciliação.''
É triste a gente ler as notícias da cidade onde fixamos nossas raízes e saber que mais uma mulher é assassinada covardemente – sim, covardemente por aquele que dizia ser seu companheiro. A tristeza não vem do fato da morte em si, mas saber que ela é apenas mais um número da estatística e que neste momento dezenas, centenas, milhares estão sendo agredidas em suas casas, por telefone, em seu trabalho e vão ter a vida ceifada em breve por pilantras que sabem da impunidade, da lentidão da justiça e o descaso com a vida.

A gente não precisa ir longe para ver os trastes má intencionados que tem por aí, psicopatas a procura de um corpo para seus desejos e não uma companheira para sonharem juntos. Basta passar em alguns bares, frequentar essas casas de dança urbana ou escutar o papo dos machões caçadores. Eles não estão em busca de uma companheira, mas de uma mercadoria para manipulação, domínio e agressão. E para isso basta apenas um olhar de consentimento, de carência, de submissão da vítima após uma dança, um apertão, uma pegada, um olhar malicioso, pretensioso ou uma passagem por esses ambientes.

Não quero com isso jogar nas mulheres a culpa pela violência sofrida até porque vejo a negligência do Estado como ferramenta do terror. Quero sim dizer que as mulheres merecem mais que o tempo de espera em solidão, merecem mais que um corpo conhecido numa dança de domingo à tarde no forró da esquina, de uma piada galanteadora de um Dom Juan da violência. As mulheres merecem desfrutar dos critérios da boa escolha, tempo para conhecer e direito de decidir sem pressão qualquer para início de relacionamento e fim do mesmo se assim for necessário como direito constituído a liberdade de escolha.

Nenhuma mulher morrerá de fome alimentar, fome afetiva, fome social e qualquer tipo de solidão neste mundo, ou será menos sofrido enfrentar essa realidade do que ser agredida por um bandido. Essa autonomia tem que prevalecer, ser critério primeiro para livrarem-se dos milhares de tranqueiras que circulam por aí a procura de seu objeto sexual. Há um universo de interrogações colocadas a sombra do terror em vigência, perguntas que saltam a indignação, que pedem passagem, respostas concretas, ações apontando mudanças – são como gritos coletivos:

- Até quando as agressões físicas, verbais, e ameaças cotidianas serão entendidas apenas como briga de casal?

- Até quando a justiça entenderá a necessidade de intervenção somente por reincidência e sangue?

- Até quando as mulheres se submeteram a conquistas de papo fajuto de pilantras cachaceiros, zoneiros e pé de cana, metidos a pé de valsa nesses lugares de dança onde caçam suas vítimas?

- Até quando as agressões serão entendidas como briga de casal sem intervenção ou denúncias por parte de vizinhos, amigos, familiares, que sabem das agressões sofridas pela vítima?

- Até quando será permitido que pilantras façam de suas companheiras produtos de suas perversões, posse e direito de bater e matar?

- Até quando a estatística servirá apenas para escrever livros, balizar seminários de debates e fóruns pelo fim da violência doméstica?

- Até quando os filhos serão telespectadores deste cinema de terror gravado dentro da própria casa?

- Até quando a punição permanecerá apenas com prisão e não por pena de morte?

Basta executar alguns covardes em praça pública, aos olhos de todos e veremos que as estatísticas perdem o rumo que hoje seguem a passos largos, sem qualquer instrumento que as possam frear.

Enquanto as mulheres permaneceram reticentes a primeira agressão verbal, a segunda agressão será para afirmar covardia e a terceira para matar.

Enquanto as mulheres se deixarem levar pelo papo fajuto de pilantras que andam por aí como Dom Juan na pele de bichos pouca coisa mudará.

Enquanto as mulheres se deixarem levar pelo olhar do bandido que cobiça, agindo como caçador voraz que vai para cima com pinta de pegador, não estará apenas abrindo porta para suprir humanas carências afetivas, mas abrindo a porta do inferno para o demônio entrar - está cheio deste tipo por aí.

Enquanto no Brasil o crime desse nível de crueldade for punido apenas com cadeia para vagabundo jogar baralho e dar despesas ao Estado não podemos esperar resultados eficientes. Talvez agora somente a abertura da temporada de caça a todos os covardes pode surtir efeitos - faça sua lista. Ou continuaremos com estes relacionamentos afetivo regados com terror e regidos pela dura promessa: ‘até que a morte nos separe’!

Em qualquer relação onde houver agressão física, não há mais espaço para o amor, para a paixão, para a reconciliação. Isso não é determinismo pois os número da violência doméstica retratam essa dura realidade. Nestas relações a morte se torna a irmã gêmea do perdão (perdoar para morrer), não há perdão onde há dor latente – os números dizem isso até como retrato de uma justiça de Estado falida e inoperante.

Não há como chorar pela morte de todas as mulheres porque elas morrem as centenas, milhares neste momento em que escrevo, ...não há como gritar por cada uma, somente por todas, mas os gritos se calam, as vozes ficam roucas e aí é preciso a voz do Estado. Mas onde é o Estado? - é um campo de violência sobre os instrumentos de combate a violência. A negligência é por excelência a ferramenta da morte, fazendo de estatísticas o nosso doloroso jardim de espinhos, onde as rosas pedem água e então: Sangram, Sangram e
 Sangram.


Prof.Ms.Neuri Adílio Alves – Filosofia PUC/PR, Ms. Antropologia Filosófica/PUCCamp, Assessor de Educação e Formação Popular Fetraf/SC.