sexta-feira, 18 de setembro de 2015

UMA OUTRA FORMA DE RESOLVER OS CONFLITOS

''Chegará o dia em que os seres humanos assumirão a inteligência cordial e espiritual, teremos inaugurado o reino da paz e da concórdia. O lobo seguirá lobo mas não ameaçará mais ninguém.''

A humanidade, especialmente, sob o patriarcado, conheceu conflitos de toda ordem. A forma predominante de resolvê-los foi e é a utilização da violência, para dobrar o outro e enquadrá-lo numa determinada ordem. Esse é o pior dos caminhos, pois deixa nos vencidos um rastro de amargura, humilhação e de vontade de vingança. Estes sentimentos suscitam uma espiral da violência que hoje ganha especialmente a forma de terrorismo, expressão da vingança dos humilhados. Será esta o única forma de os seres humanos resolverem suas contendas?

Houve alguém que se considerava “um louco de Deus”(pazzus Dei), Francisco de Assis que poderia ser também o atual Francisco de Roma que perseguiu outro caminho. O anterior era o de ganha-perde. Este último, o ganha-ganha, esvaziando as bases para o espírito belicoso. Tomemos exemplos da prática de Francisco de Assis. Sua saudação usual era desejar a todos: “paz e bem”. Pedia aos seguidores:”Todo aquele que se aproximar, seja amigo ou inimigo, ladrão ou bandido, recebam-no com bondade”(Regra não bulada,7).

Consideremos a estratégia de Francisco face à violência. Tomemos duas legendas, que, como legendas, guardam o espírito melhor que a letra dos fatos: os ladrões do Borgo San Sepolcro e o lobo de Gubbio (Fioretti, c. 21).

Um bando de ladrões se escondiam nos bosques e saqueavam a redondeza e os transeuntes. Movidos pela fome foram ao eremitério dos frades para pedir comida. São atendidos mas não sem remorsos destes: ”Não é justo que demos esmola à esta casta de ladrões que tanto mal faz neste mundo”. Apresentam a questão a Francisco. Este sugeriu a seguinte estratégia: levar ao bosque pão e vinho e gritar-lhes:”Irmãos ladrões, vinde cá; somos irmãos e lhes trouxemos pão e vinho. Felizes, comem e bebem. Em seguida falem-lhe de Deus; mas não lhes peçam que abandonem a vida que levam porque seria pedir demais; apenas peçam que ao assaltar, não façam mal às pessoas. Numa outra vez, aconselha Francisco, levem coisa melhor: queijo e ovos. Mais felizes ainda os ladrões se refestelam. Mas ouvem a exortação dos frades: “larguem esta vida de fome e sofrimento; deixem de roubar; convertam-se ao trabalho que o bom Deus vai providenciar o necessário para o corpo e para a alma”. Os ladrões, comovidos por tanta bondade, deixam aquela vida e alguns até se fizeram frades.

Aqui se renuncia ao dedo em riste acusando e condenando em nome da aproximação calorosa e da confiança na energia escondida neles de ser outra coisa que ladrões. Supera-se todo maniqueísmo que distribui a bondade de um lado e a maldade do outro. Na verdade, em cada um se esconde um possível ladrão e um possível frade. Com terno afeto se pode resgatar o frade escondido dentro do ladrão. E ocorreu.

Claramente aparece esta estratégia da renúncia da violência na legenda do lobo de Gubbio que atacava a população da pequena cidade. Supera-se de novo a esquematização: de um lado o “lobo grandíssimo, terrível e feroz” e do outro o povo bom, cheio de medo e armado. Dois atores se enfrentam cuja única relação é a violência e a destruição mútua. A estratégia de Francisco não é buscar uma trégua ou um equilíbrio de forças sob a égide do medo. Nem toma partido de um lado ou de outro, num falso farisaísmo: “mau é o outro, não eu, e por isso deve ser destruído”. 'Ninguém se pergunta se dentro de cada um não pode se esconder um lobo mau e e ao mesmo tempo um bom cidadão?'

O caminho de Francisco é desocultar esta união dos opostos e aproximar a ambos para que possam fazer um pacto de paz. Vai ao lobo e lhe diz:  ”irmão lobo, és homicida péssimo e mereces a forca; mas também reconheço que é pela fome que fazes tanto mal. Vamos fazer um pacto: a população vai te alimentar e tu deixarás de ameaçá-la”. Em seguida se dirige à população e lhes prega:”voltem-se para Deus, deixem de pecar.

Garantam alimento suficiente ao lobo e assim Deus os livrará dos castigos eternos e do lobo mau”. Diz a legenda que a cidadezinha mudou de hábitos, decidiu alimentar o lobo e este passeava entre todos, como se fosse um manso cidadão.

Houve intérpretes que leram essa legenda como uma metáfora da luta de classes. Pode ser. O fato é que a paz conseguida não foi a vitória de um dos lados, mas a superação dos lados e dos partidos. Cada um cedeu, verificou-se o ganha-ganha e irrompeu a paz que não existe em si, mas que é fruto de uma construção coletiva entre os cidadãos e o lobo.

Conclusão: Francisco não acirrou as contradições nem remexeu a dimensão sombria onde se acoitam os ódios. Confiou na capacidade humanizadora da bondade, do diálogo e da mutua confiança. Não foi um ingênuo. Sabia que vivemos na “regio dissimilitudinis”, no mundo das desigualdades (Fioretti c. 37). Mas não se resignou a está situação decadente. Intuía que para além da amargura, vigora no fundo de cada criatura uma bondade ignorada a ser resgatada. E o foi.

Chegará o dia em que os seres humanos assumirão a inteligência cordial e espiritual, cuja base biológica, os novos neurólogos identificaram e que completa a razão intelectual que divide e atomiza. Então teremos inaugurado o reino da paz e da concórdia. O lobo seguirá lobo mas não ameaçará mais ninguém.

Leonardo Boff escreveu Francisco de Assis: ternura e vigor, Vozes 2000.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

EDUCAÇÃO: NOVO MODELO PEDAGÓGICO PARA UM NOVO TEMPO

Escolas jesuítas da Catalunha apostam na renovação do modelo pedagógico para se adaptar aos novos tempos. Experiências espanholas mostram como pensam os jesuítas do século 21.

''O modelo escolhido para substituir o antigo foi o das escolas democráticas, onde os alunos estão no centro de um aprendizado ativo.''

Espaços aconchegantes e motivadores: a mudança no ambiente
esteve entre as principais medidas adotadas.
Repensar a escola não é um desafio qualquer. Pelo contrário, requer daqueles que o propõem uma postura flexível, autocrítica e aberta às possibilidades de entender a educação a partir de diferentes pontos de vista. Imbuídos desse espírito, diretores da Fundação Jesuítas Educação da Catalunha, na Espanha, lideraram nos últimos anos um processo de reformulação do modelo pedagógico até então adotado. O que motivou a iniciativa foi o reconhecimento da defasagem do sistema, incompatível com as novas maneiras de ter acesso ao conhecimento e de transmiti-lo, com as novas necessidades profissionais e com a complexidade da realidade atual. Adaptar as escolas não seria suficiente; era preciso transformá-las.

O modelo escolhido para substituir o antigo foi o das escolas democráticas, onde os alunos estão no centro de um aprendizado ativo. De saída, a Fundação iniciou em 2009 um processo participativo chamado Horizonte 2020 (em catalão, Horitzó 2020) com o objetivo de propor debates sobre como deveria ser a escola ideal para enfrentar os desafios do século 21. Mais de 13 mil pessoas relacionadas direta ou indiretamente à rede de escolas jesuítas foram convidadas a participar, entre elas alunos, pais, professores, diretores, gestores, empresários, funcionários de instituições, políticos e membros da Igreja. Nas atividades propostas, o grupo foi incitado a refletir sobre três questões fundamentais: que escola queremos? Que futuro desejamos? Como deve ser a escola em 2020?

Em um primeiro momento, os participantes foram orientados a pensar exclusivamente no futuro que desejavam, deixando de lado o "como" fazê-lo. A ênfase estava em explorar o sonho e a imaginação de cada um dos envolvidos para que pudessem surgir ideias sem limitações. De acordo com a Fundação, o objetivo era que, ao final desse processo, fosse construído coletivamente um Ratio Studiorum (veja texto ao lado) do século 21: um conjunto de orientações que, baseadas nos princípios e valores da pedagogia inaciana (inspirada na experiência de Santo Inácio de Loyola, 1491-1556, fundador da Companhia de Jesus), além dos conhecimentos da pedagogia, da psicologia e da neurociência, servisse de orientação para educar as crianças e jovens.

Ao todo, foram apresentadas 56 mil ideias. Dessas, 17 propostas foram selecionadas para servir de base para a formulação do modelo sincrético que começou a ser implementado no ano passado. De setembro de 2014 a junho de 2015, cinco das oito escolas que integram a Fundação adotaram parcialmente as novas bases. As etapas escolhidas para iniciar esse processo foram a educação infantil e um período concreto da educação fundamental: a transição da educação primária à secundária no sistema educativo espanhol.

A eleição dessas etapas não foi ocasional. No caso da etapa infantil, a Fundação considerou fundamental incidir nesse período para construir as bases para o desenvolvimento das inteligências múltiplas, necessárias para transformar informações em conhecimento. Já no caso do ensino fundamental, haviam diagnosticado uma perda de estímulo e interesse entre os alunos de 9 a 12 anos devido à desconexão entre a realidade e o modelo pedagógico aplicado nas escolas.

Mudanças
A aplicação do projeto Horizonte 2020 na educação infantil resultou, na prática, na implementação do Modelo Pedagógico da Etapa Infantil (Mopi), baseado em onze pilares: equipe docente integrada, criativa e inovadora; alunos protagonistas; espaços flexíveis e dinâmicos; participação das famílias; recursos digitais; tempo flexível; avaliação dinâmica; metodologia diversa; estimulação precoce das inteligências; contato com o inglês e integração de valores. De todos os pontos, o de maior destaque foi a necessidade de substituir os espaços antigos por outros, mais acolhedores e motivadores, com a intenção de desenvolver projetos globais e diversos para a estimulação das inteligências múltiplas.

Já na transição dos 9 aos 12 anos, o resultado foi a criação da Nova Etapa Intermediária (NEI). Em vez de estudar por matérias - com exceção de matemática, música e educação física -, os alunos passaram a realizar projetos transversais e coletivos trabalhados semanalmente a partir de materiais elaborados pelos professores; só há livros nas aulas de inglês e francês. Os alunos passaram a ser agrupados em turmas de 60 (e não mais de 30) e a contar com o apoio de três tutores de disciplinas diferentes. Os espaços também foram alterados: ficaram mais amplos, luminosos e coloridos.

O uso do tempo foi igualmente reformulado. Sem horários fixos, os alunos passaram a desenvolver as atividades debatidas no início da manhã, com avaliação ao final da jornada. O recreio tampouco ficou com um horário estabelecido: os estudantes passaram a decidir quando sair, de acordo com o momento em que consideravam necessário. Os deveres de casa também não existem mais, pelo menos da forma habitual. Os alunos passaram a ser estimulados a pesquisar temas relacionados aos projetos que trabalham em sala.

Impactos da primeira experiência

A direção do Horizonte 2020, ciente de que as mudanças nos processos educativos são lentas, optou por fazer uma avaliação do projeto somente ao final do segundo ano de implementação. No entanto, a observação do cotidiano das escolas revelou alguns resultados interessantes. De acordo com o diretor-geral adjunto da Fundação, Josep Menéndez, houve quatro mudanças fundamentais. 

A primeira delas se refere à retomada da conexão dos alunos com o aprendizado. Segundo ele, quase sempre chegava um momento da escolarização em que os alunos perdiam o interesse. "Agora eles estão permanentemente conectados. Houve uma mudança de atitude. Eles estão alegres e entusiasmados, o que acaba
Reforma educacional procurou motivar e inserir os alunos no
centro do processo educacional
contagiando os pais também", relata.

A segunda foi o ajuste de foco para o processo de aprendizagem, e não para o resultado. O terceiro impacto, mesmo não estando entre os objetivos iniciais do processo, foi o aumento, por parte dos alunos, da consciência e da capacidade de explicar o que fazem na escola. "Como a intenção não é vincular o aprendizado à realização de provas, eles estão mais relaxados e atentos ao que fazem e agora têm a capacidade de explicar como e por que realizam determinadas atividades", explica.

Por último, houve uma evolução significativa no comportamento dos alunos mais tímidos ou daqueles que apresentavam problemas diagnosticados de atenção. Como o trabalho em projetos atribui responsabilidades para cada aluno, eles passaram a participar mais.

Além desses resultados, Josep Menéndez fez questão de destacar que a transformação mais radical foi a mudança cultural dos professores, que tiveram de redefinir o próprio papel na escola e no ensino. Mais importante que dominar técnicas específicas, agora eles têm de aprender a trabalhar em grupo, a confiar no trabalho do outro e a acompanhar alunos de outras matérias. "Eles estão cansados, mas muito satisfeitos e confiantes. Aprenderam a trabalhar em equipe e a controlar o próprio estresse em relação ao conteúdo e às aulas. Além disso, percebem que estão participando de uma mudança importante, então se sentem vitoriosos", explica.

Quanto à opinião das famílias sobre o projeto, Fernando Manzano, pai de uma aluna de 10 anos, relatou sua experiência: "A mudança de atitude da minha filha foi evidente. Às vezes era difícil levá-la para a escola; ela se entediava e não explicava nada do que fazia. A partir da NEI, ficou com mais vontade de ir à aula e passou a demonstrar isso em casa, explicando constantemente o que estava fazendo, como aprendia, do que mais gostava e como trabalhava com os companheiros, apesar da diferença entre eles", contou.

Ao avaliar o novo sistema de ensino, Fernando destaca como uma das mudanças mais relevantes o estabelecimento de trabalhos em equipe. "Ao trabalhar com projetos e em grupos, os alunos adquirem responsabilidade na hora de trabalhar, porque sabem que não podem decepcionar os demais. Isso é motivador. Um dia, tive quase de obrigar minha filha a ficar em casa. Ela estava com 39°C de febre e queria ir de todas as maneiras para a escola para entregar a parte dela de um trabalho feito em grupo. Acabei fazendo isso por ela", conta.

O segundo aspecto mais importante em sua opinião foi a conscientização dos estudantes. "Como fazem uma reflexão no início e no final da jornada, eles não ficam um dia sequer sem pensar no porquê das coisas. Este aspecto de maturidade foi muito importante." Perguntado sobre a preferência entre o modelo anterior e o atual, Fernando não hesitou: "Sem dúvida nenhuma, o modelo atual. Ele fortalece a personalidade de cada aluno e desenvolve o aspecto humano", finaliza.

► Vozes dissonantes

Mas nem todas as opiniões são totalmente favoráveis ao projeto. Apesar de reconhecer a importância da iniciativa, o psicólogo e educador Jaume Funes acredita que existe um conservadorismo ideológico que não permite à FJE inovar verdadeiramente em termos de valores. "O Horizonte 2020 não considera a equidade de oportunidades ou a diversidade como valores. Falam em desenvolver as capacidades das crianças, mas não em melhorar as oportunidades de acesso, com impacto nos bairros onde estão localizados. Inovar com mais impacto social significa adaptar as oportunidades às diferenças e às desigualdades dos alunos", argumenta.

Outros criticam ainda o excesso de repercussão do projeto frente às diversas práticas inovadoras já desenvolvidas em outras escolas. O pedagogo e jornalista Jaume Carbonell afirma que as ações que vêm sendo discutidas e realizadas não constituem nenhuma grande novidade. Em seu livro Pedagogias do século XXI (de 2015 e ainda não publicado no Brasil), o autor destaca projetos inovadores desenvolvidos em diversas instituições de ensino. A pouca atenção dada a eles se deve ao fato de que a maioria das escolas enfrenta problemas estruturais e de autonomia, o que acaba restringindo o desejo de transformação a algumas práticas pontuais.

Sobre os próximos passos do trabalho da Fundação, a intenção é incluir mais três escolas ainda este ano e somá-las às outras cinco já participantes. Ao final do segundo ano, espera-se criar um modelo da etapa infantil e intermediária que possa ser aplicado futuramente em todas as escolas da rede. A previsão é que, em 2020, todas as etapas educativas já tenham começado a mudança.


► Ratio Studiorum 

Ordenamento elaborado em 1599 para orientar a atividade dos educadores jesuítas, delimitando suas funções e o modo de realizá-las. Tinha como princípios pedagógicos:

■ Autoridade: a autoridade do educador vem de Deus e deve provocar um temor filial e um amor confiante;

■ Adaptação: as regras devem se adaptar à realidade de cada escola e de cada grupo de alunos;

■ Atividade: os alunos devem participar ativamente de todas as atividades propostas, como recitar, ler, perguntar e responder.

■ Motivação: concebe a existência de elementos motivadores (interesse, entusiasmo, emulação, certame e honra) para conferir um ritmo ordenado e adequado às atividades.



► Alguns desejos das crianças 

"Queremos salas com cores divertidas."

"Silêncio para trabalhar e brincar tranquilos."

"Uma professora bem feliz, dando beijos e abraços."

"Sair para brincar na chuva com botas de borracha."

"Que a sala tenha mesas redondas, iPads e um botão para abrir a porta."

"Ter armário para guardar nossas coisas."

"Um quadro digital para muitas crianças tocarem ao mesmo tempo."

"Uma cama elástica no pátio e um gatinho em cada sala."

Mais informações sobre o projeto em: http://h2020.fje.edu

PROFESSORES E O DESAFIO DE EXPERIMENTAR NOVOS MÉTODOS

Desafio é conseguir que os professores experimentem novos modos de trabalhar. Práticas envolvendo o lúdico, a interdisciplinaridade e a contextualização têm o potencial de melhorar a aprendizagem.

"Professora, hoje não vai ter aula? É só brincadeira?" Perguntas como estas passaram a ser feitas por alunos e pais desde o ano passado para professoras alfabetizadoras de Costa Rica (MS). Isso acontece graças às formações do Pnaic.

No pequeno município, que tem seis escolas na rede e 1.400 alunos de 1º a 3º ano, a adesão dos docentes ao Pacto foi de 100%, mas a mudança de postura frente à sala de aula ainda está em processo, conta Mara Silvia Barbosa, coordenadora do Pnaic na cidade. "Aceitar participar da formação foi tranquilo, mas a mudança de atitude por parte do professor levou cerca de um ano para começar", afirmou. "No começo, essas perguntas incomodavam as professoras."

Segundo Mara, as formações levaram os docentes a sair da zona de conforto, passar do papel de "dono da verdade" para mediador do aprendizado. "Leva um tempo para o convencimento de que aquela "bagunça" pode ser boa, de que com a brincadeira não se está perdendo tempo, mas ganhando", disse. Para ela, contudo, mesmo que esse processo seja uma mudança ainda em curso, as crianças que estão hoje no primeiro ciclo do fundamental encontram uma alfabetização mais "humana" e adequada à idade do que os alunos que estavam na mesma série antes do Pacto.

Para Carolina dos Santos Vera e Silva, professora desde 2002 no município de Frei Miguelinho (PE), as formações foram boas para ela aprender a sistematizar o conhecimento do aluno e ter um olhar individual para cada um. "Sinto que eu ensinava, mas ficava sem amarrar. E, como a turma não é homogênea, tem níveis de conhecimento diferentes, preciso passar atividades diferentes. Não se pode dar uma aula única para todos, cada aluno tem sua necessidade", afirmou.

As práticas de Carolina também passaram a ser mais interdisciplinares e contextualizadas. Ela montou, por exemplo, uma sequência didática de culinária, em que foram abordados conteúdos de ciências (alimentação saudável), matemática (gráficos e tabelas) e língua portuguesa (gênero textual: receita). A experiência foi tão produtiva que acabou integrando um livro de relatos da Universidade Federal de Pernambuco.

Práticas envolvendo o lúdico, a interdisciplinaridade e a contextualização não são exclusividade, porém, dos professores que participam do Pnaic. Professora há 20 anos, Clara Elena Jorquera trabalha atualmente na rede particular, no Colégio Ítaca, em São Paulo, e aproveita as vantagens de contar com uma escola bem equipada e com uma equipe que atua de forma integrada. "Gosto de chamar o professor de artes, de educação física, de música, para fazer um trabalho em conjunto. A gente parte da história de um livro e faz atividades em todas as áreas. Assim as crianças ficam muito envolvidas, dá resultado melhor do que algo fragmentado", relata.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Zygmunt Bauman: "Há uma crise de atenção"

''Uma das tarefas da educação é conferir a todas as pessoas que tenham talento a possibilidade de adquirir conhecimento para que isso acabe tendo um uso criativo para a sociedade.''
Uma busca no Google com os termos “modernidade líquida" rende 187 mil resultados em 0,34 segundo. São, todos eles, “fragmentos de conhecimento", na visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que discursou neste sábado no evento Educação 360.

O pensador defendeu que os educadores precisam estimular determinadas características que ficam prejudicadas com a utilização da tecnologia, "paciência, atenção e a habilidade de ocupar esse local estável, sólido, no mundo que está em constante movimento. É preciso trabalhar a capacidade de se manter focado." Leia mais abaixo:

— A educação é vítima da modernidade líquida, que é um conceito meu. O pensamento está sendo influenciado pela tecnologia. Há uma crise de atenção, por exemplo. Concentrar-se e se dedicar por um longo tempo é uma questão muito importante. Somos cada vez menos capazes de fazer isso da forma correta — disse o pensador. — Isso se aplica aos jovens, em grande parte. Os professores reclamam porque eles não conseguem lidar com isso. Até mesmo um artigo que você peça para a próxima aula eles não conseguem ler. Buscam citações, passagens, pedaços.

Como o próprio Bauman mencionou, a modernidade líquida — definida nos resultados do Google como a época em que vivemos, caracterizada por “volatilidade" , “incerteza" e “insegurança" — norteou as obras do filósofo; ele escreveu cerca de 30 livros apenas em torno dessa maneira de enxergar a contemporaneidade.

— Não há como contestar que a internet nos trouxe grandes vantagens. A facilidade de acesso à informação, a facilidade com que podemos ignorar as distâncias... Lembro-me de que, quando era jovem, passava muito tempo na biblioteca tentando ler cem livros para encontrar um pedacinho de informação de que precisava. Agora, basta pedir para o Google. Em décimos de segundo ele dá milhares de respostas. Um problema foi eliminado: nós não precisamos passar horas na biblioteca. Mas há um novo problema. Como vou compreender essas milhares de respostas? — questionou Bauman, logo recorrendo à Grécia Antiga para para continuar. — Só agora, idoso, consegui entender Sócrates: “Só sei que nada sei".

Há ainda, na visão de Bauman, outras crises que chegam com a internet e precisam ser superadas. O filósofo defende que vivemos com cada vez menos paciência, pela quantidade de informação que recebemos ao mesmo tempo. E, quando não temos isso, o resultado é a irritação.

— Se demoramos mais de um minuto para acessar a internet quando ligamos o computador, ficamos furiosos. Um minuto só! Nosso limiar de paciência diminuiu. As informações mais bem-sucedidas, que têm mais probabilidade de serem consumidas, são apenas pedaços — diz o polonês. — Outra coisa é a persistência. Conseguir algo contém em si um número de fracassos que faz com que você perca tempo e tenha que recomeçar do zero. E isso é muito complicado. Não é fácil manter essa persistência nesse ambiente com tanto ruído e tantas informações que fluem ao mesmo tempo de todos os lados.

Todo esse novo cenário, explicou o pensador à plateia de educadores, desafia e transforma a posição secular do docente. Para Bauman, “não há como voltar à situação em que o professor é o único conhecedor, a única fonte, o único guia". E dá caminhos:

— Não há como conceber a sociedade do futuro sem tecnologia. Então, se não pode vencê-la, una-se a ela. Tente contrabalancear o impacto negativo, como a crise da atenção, da persistência e de paciência. É preciso ter determinadas qualidades se você deseja construir conhecimento e não só agregá-lo: paciência, atenção e a habilidade de ocupar esse local estável, sólido, no mundo que está em constante movimento. É preciso trabalhar a capacidade de se manter focado.

► Educação desigual

Hoje, de acordo com o filósofo, a educação reproduz privilégios em vez de aperfeiçoar a sociedade. Ele lembra que, nos EUA, 70% dos alunos na universidade vêm das classes mais altas, enquanto só 3% são das camadas de renda mais baixa. Segundo Bauman, essa é “uma forma de reafirmar a desigualdade social", tema do livro “A riqueza de poucos favorece a todos nós?", o mais recente lançamento (no mês passado) do escritor no Brasil.

— Uma das tarefas da educação é conferir a todas as pessoas que tenham talento a possibilidade de adquirir conhecimento para que isso acabe tendo um uso criativo para a sociedade. Mas esse objetivo não está sendo perseguido em muitos lugares. Na Grã-Bretanha, os preços, em vez de diminuírem para as pessoas com menos dinheiro, vão subindo. E cada vez menos pais têm a possibilidade de economizar a quantia necessária para seus filhos cursarem a universidade.

O problema, segundo Bauman, é que a educação está pressionada pela política e pelos interesses corporativos. E isso, explica ele, se reflete na mente do estudante. O polonês critica o fato de os alunos escolherem a área de estudos baseados “no fato de se vão conseguir emprego ou não".

— Se você quer conhecimentos especializados, que são as condições para um bom emprego, precisa estudar quatro ou cinco anos, e isso requer muito esforço. Mas, se você está sendo guiado pelo atual estado de coisas, tudo vai mudar nesse tempo de estudo. E você vai perceber que não vai conseguir encontrar um uso rentável para o tipo de qualificação e habilidade que adquiriu nesses anos de trabalho árduo na faculdade — argumenta.

Mesmo após toda essa lista de desafios, a mensagem que o dono de uma das mais influentes mentes no mundo deixou para o auditório na noite de ontem foi de pura esperança:

— Educar, senhoras e senhores, é fazer um investimento nos próximos cem anos.

Charlie Hebdo, o mundo sofre de esquizofrenia

TERRORISMO - domingo, 11 de janeiro, 2015, o mundo vê deslocar mais de três milhões de manifestantes em França, incluindo cerca de cinquenta chefes de Estado e de Governo em Paris e representantes religiosos, inclusive muçulmanos, judeus e cristãos. A origem deste movimento excepcional, a execução de parte do corpo editorial do semanário Charlie Hebdo, seguido pelo assassinato de policiais e de cidadãos franceses de fé judaica em um hide comércio. No dia anterior, 700.000 pessoas participaram de marchas silenciosas, pacífica, nas principais cidades de França, implantando cartazes sóbrio: "Eu sou Charlie", "liberdade", "Contra o fanatismo", "Contra o Terrorismo", " contra o racismo ".

Há nove anos, a publicação de caricaturas de Maomé no jornal dinamarquês JyllandsPosten, novamente totalmente ou em parte, por várias publicações, incluindo CharlieHebdo, mas também os meios de comunicação no mundo árabe de maioria muçulmana (Al-Haq, Al-Anbat, Al-Liwa), provocou uma onda de protestos. Durante três semanas, eles foram estendidos do norte da Europa para a Indonésia através de África do Sul, causando dezenas de mortes. No Iraque, dois mil manifestantes exigiram uma Shia fatwa permitindo a matança de artistas. Em Londres, os membros sunitas do Hizb At-Tahrir desfraldaram faixas pedindo decapitar "infiéis". No Iêmen, os imãs pregou o caráter "legal" para o assassinato de journaled com "copiado os inimigos do Islã." Em Amã, o editor de Shihan, autor de um artigo "mundo muçulmano, seja razoável" ("O que está trazendo mais prejuízos ao islã, estas caricaturas ou imagens de um tomador Reféns que massacraram sua vítima diante das câmeras "), foi ameaçado, preso e forçado a pedir publicamente perdão por seus comentários. Chefes de Estado e de Governo teve lugar: George W. Bush, Angela Merkel e Chirac condenou a violência enquanto pedindo um fim às "provocações". O primeiro-ministro da Noruega, onde as charges também foram divulgadas, pediu publicamente perdão. E da Turquia, onde os desenhos não foram publicados, Erdogan enviou uma carta aos seus homólogos para afirmar que há "liberdade na terra pode ser utilizada para degradar ou insultar as crenças, valores ou símbolos sagrados". Nesse sentido, o lobby foi conduzida em vão pela Organização da conferência / Cooperação Islâmica (OIC), com o Conselho de Direitos Humanos, para evitar que a "difamação de religiões e profetas."

O nosso mundo contemporâneo é esquizofrênico. Os estados das contradições urso União Europeia: França manteve a legislação "anti-blasfêmia" na Alsácia-Moselle, que continua a viver sob o regime de reestruturação favorecendo católica, protestante e judaica. Em 2009, a Irlanda aprovou uma legislação "anti-blasfêmia" para punir as infracções "nenhuma religião". A Câmara dos Comuns da Inglaterra estava relutante em estender a sua legislação "anti-blasfêmia", que beneficiou apenas anglicanismo, antes de desistir completamente. Em os EUA, a sátira religiosa é um tabu, como recordou David Brooks, um editorial do New York Times intitulado "Eu não sou Charlie Hebdo". Em qualquer campus universitário americano, [Charlie Hebdo] não demorou trinta segundos. Os alunos acusou-o de manter o discurso do ódio e da administração teria que fechar. "Nos estados de maioria muçulmana Árabes Unidos, Kuwait adoptado em 2012 a legislação punindo por qualquer morte blasfemar contra" Deus, o Profeta e suas mulheres. "Uma pequena minoria (quatro deputados xiitas) se opuseram a ela porque ela queria acrescentar à lista os nomes dos" doze imãs. "A Arábia Saudita, que na quarta-feira denunciou o ataque contra Charlie Hebdo , aplicado dois dias depois perto da mesquita al-Jafali em Jeddah aberta ao público, no início da sentença contra o blogueiro Raef Badawi: 1.000 chicotadas, para a série de 50, distribuídos por 20 semanas, por "insultar Islã ".

Onde estão esses pesquisadores e os jornalistas que, durante anos, learnedly explicam que os únicos fatores de violência são social, econômica, política ou geopolítica?Longe de nós querer negar a importância destes elementos de explicação: o cinismo dos líderes do operador multinacional de recursos de matérias-primas do mundo ou jogar financeiro com a renúncia do mercado de ações políticos transformado em VIP para as empresas nacionais de armas que, por vezes, estão apoiando ditadores, para não mencionar algumas ONGs que desviam o dinheiro da ajuda enviada às populações afectadas ... Longe de nós para reduzir religiões e ideologias não religiosas, a face violenta que transmitiam na história. Mas quem se atreveria a dizer que as palavras e atos mortais não foram cometidos em nome de uma fé, qualquer que seja, ao longo da história? O que explicaria o historiador "guerras religiosas" entre os cristãos, na Europa dos séculos XVI e XVII, apenas por causalidades sócio-econômicos? O que é este baluarte de pensamento que, em tempos idos, levou a dizer que foi "louco" para "forma pervertida da religião", como se não houvesse objetos religiosos puros separada dele e que fez que os homens fazem.

Em 2006, o Presidente do Conselho Europeu, de Fatwa e do Conselho Mundial de Ulemás, Youssef Qardhawi, denunciou "a ofensa contra o Islã." Hoje ele condena "derramaram sangue inocente", sem especificar qual, mas lembra-temporada e fora da necessidade de permanecer fiel a thawâbit ("os dados imutável"), que incluemhudud, incluindo o castigo corporal com em alguns casos, e de acordo com procedimentos codificados, sentenças de morte. Em 2006, novamente, Hassan Nasrallah, estimou que "se ele tivesse sido um muçulmano para realizar a fatwa de Khomeini contra o Imam o renegado Salman Rushdie, esta gentalha que insultar nosso Profeta [Maomé] na Dinamarca, Noruega e A França não teria coragem de fazer. " Quase uma década depois, ele contratou seus combatentes na Síria é takfirista grupos sunitas que o secretário-geral do Hezbollah está atacando: "Através de seus atos vis, violentos e desumanos, tais grupos infringiram o Profeta e os muçulmanos mais do que seus inimigos [...] mais do que os livros, filmes e desenhos animados que insultaram o profeta ".

O fator religioso é uma explicação de dizer e fazer muitos de nossos contemporâneos, o contexto, por vezes, servindo como adjuvante. Fé em Deus (s) cresce fraternidade alce e solidariedade, criação, como as explosões de ódio e violência, destruição.Evidência de recordar. Não deve tomar de ânimo leve as dezenas de milhares de hashtags "Serve Charlie" ou "Eu sou Kouachi", assinado pelos filhos da República francesa. O mesmo se aplica para a tomada de reféns, ea morte de alguns deles, no comércio Porte de Vincennes. Transmitindo um antijudaísmo muçulmano em confessar ambiente é uma realidade em destaque durante a última feira muçulmana, em Bruxelas, à qual foi convidado o Kuwait Shaikh Tariq al-Suwaidan, autor de um ensaio intitulado 450 páginas judeus: o 'Enciclopédia Ilustrada (2009). Um dos propósitos deste livro, disponível on-line, é "demonstrar, através de provas e depoimentos, que a religião dos judeus falsificados, em si, incentiva a prática de traição e crime, e alimenta a sua seres para torná-los um grupo especial entre os seres humanos, e dá-lhes o direito de explorar os outros sobre as formas mais hediondas de duplicidade. "

O conflito israelo-palestiniano é uma gangrena que quadro explicativo não pode ser reduzida a uma guerra (neo) colonialismo / descolonização. Ele apresenta muitas semelhanças com o conflito Índia-Paquistão, desencadeadas também há cerca de 70 anos. Não há petróleo por trás do "Muro das Lamentações" no âmbito do "Monte do Templo" em Jerusalém. Estes são muitas referências religiosas que levam como rabino a dizer: "Esta terra é conhecida como a Judéia e Samaria, é judeu" como shaykh para replicar "esta terra é árabe e muçulmano," e uma como a Outra empurrar seus seguidores a lutar -up para massacrer- em Hebron, em torno do túmulo dos patriarcas mitificado. Eles não faltam, aqueles que chamam regularmente para a coexistência pacífica. Mas um ou dois referência religiosa para os estados nunca será sociedades democráticas, pelo menos, a fórmula não existiram no passado: não foram sempre acreditando um pouco mais iguais do que outros em tais configurações, e este é ainda o caso em Israel, como no Paquistão. A nacionalização da religião, qualquer que seja, cria de jure e de facto discriminação.

Devemos ter o cuidado de acrescentar que esses modos de ser e de fazer não são exclusivos para os crentes monoteístas, como mostra a contínua perseguição de muçulmanos pelos budistas na Birmânia ou chamadas ao ódio lançada pela Hindu em Índia? Deve esclarecer que os agnósticos como os ateus não são mais bem preservados, como ilustrado por manifestações anti-religiosas esporádicos após a missa, na virada dos anos 1960-1970, liderada pelo Partido Comunista Chinês?França, visto a partir de Cairo para Kathmandu para as vítimas, não é uma ilha neste mundo. O racismo está alimentando temores lá para provocar ataques contra lugares de culto, incluindo os muçulmanos como foi encontrado nos últimos dias. Fórmula secular que os cidadãos têm explorado há mais de um século, com momentos de tensões fortes ou até mesmo conflitos, sempre foi baseado em um equilíbrio delicado, dependendo de como cada um e de todos em termos apropriados.