sábado, 8 de agosto de 2015

O PERSISTENTE BULLYING MEDIÁTICO SOBRE O PT

“A máquina administrativa herdada foi feita para administrar privilégios, não para prestar serviços. E os privilegiados a querem de volta”

Por, Leonardo Boff 08/08/2015
Há um fato inegável que após a reeleição da presidenta Dilma em 2014 irrompeu muita raiva e até ódio contra o PT e o atual governo. Atesta-o um ex-ministro do partido da oposição, do PSDB, Bresser Pereira, com estas contundentes palavras:

“Surgiu um fenômeno que eu nunca tinha visto no Brasil. De repente, vi um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, contra um partido e uma presidente. Não era preocupação ou medo. Era ódio. Esse ódio decorreu do fato de se ter um governo, pela primeira vez, que é de centro-esquerda e que se conservou de esquerda. Fez compromissos, mas não se entregou. Continua defendendo os pobres contra os ricos. O ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres”(FSP 01/03/2015).

Este ódio foi insuflado fortemente pela imprensa comercial do Rio e de São Paulo, por um canal de TV de alcance nacional e especialmente por uma revista semanal que não costuma primar pela moral jornalística e, não raro, trabalha diretamente com a falsificação e a mentira. Esse ódio invadiu as mídias sociais e ganhou também as ruas. Tal atmosfera envenena perigosamente as relações sociais a ponto de que já se ouvem vozes que clamam pela volta dos militares, por um golpe ou por um impeachment.

Tal fato deve ser lamentado por revelar a baixa intensidade do tipo de democracia que temos. Sobretudo deve ser interpretado. Nem chorar nem rir, mas tentar entender.Talvez as palavras do ex-presidente Lula sejam esclarecedoras:

“Eles (as classes dirigentes conservadoras) não conseguem suportar o fato de que, em 12 anos, um presidente que tem apenas o diploma primário colocou mais estudantes na universidades do que eles em um século. Que esse presidente colocou três vezes e meia mais estudantes em escolas técnicas do que eles em 100 anos. Que levou energia elétrica de graça para 15 milhões de pessoas. Que não deixou eles privatizarem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os bancos do Espírito Santo, de Santa Catarina e do Piauí. Que nos últimos 12 anos nós bancarizamos 70 milhões de pessoas, gente que entrou numa agência bancária pela primeira vez sem ser para pagar uma conta. Acho que isso explica o ódio e a mentira dessas pessoas. Pobre ir de avião começa a incomodar; fazer faculdade começa incomodar; tudo que é conquista social incomoda uma elite perversa”(discurso no sindicato dos bancários do ABC no dia 24 de julho de 2015: Jornal do Brasil online de 25/07/2015).

Posso imaginar a enorme dificuldade que possuem as classes proprietárias com seus poderosos meios de comunicação de aceitar a profunda transformação que surgiu no país com o advento do PT, vindo de baixo, do seio daqueles que sempre estiveram à margem e aos quais se negaram direitos e plena cidadania. Como escreveu acertadamente o economista Ladislau Dowbor da PUC de São Paulo:

”Eles querem a volta ao passado, a restrição das políticas sociais, a redução das políticas públicas, o travamento da subida da base da pirâmide que os assusta”. E acrescenta: “A máquina administrativa herdada foi feita para administrar privilégios, não para prestar serviços. E os privilegiados a querem de volta”(Carta Maior, 22/09/2015).

Efetivamente, o que ocorreu não foi uma simples troca de poder mas a constituição de uma outra base de poder, popular e republicana que deu centralidade ao social, fazendo com que o estado, bem ou mal, prestasse serviços públicos, incluindo cerca de 40 milhões de pessoas, fato de magnitude histórica.

Para entender o fenômeno do ódio social socorrrem-nos analistas da violência na história. Recorro especialmente ao pensador francês René Girarad(*1923) que se conta entre os melhores. Segundo ele, quando na sociedade se acirram os conflitos, o opositor principal consegue convencer os demais de que o culpado é tal e tal pessoa ou partido. Todos então se voltam contra ele, fazem-no de bode expiatório sobre o qual colocam todas as culpas e corrupções (cf. Le bouc émissaire, 1982). Assim desviam o olhar sobre suas próprias corrupções e, aliviados, continuar com sua lógica também corrupta.

Ou pode-se atribuir aos acusadores aquilo que o grande jurista e politólogo alemão Karl Schmitt (+1986) aplicava a todo um povo. Este para “garantir sua identidade tem que identificar um inimigo e desqualificá-lo com todo tipo de preconceito e difamação” (cf.O conceito do político,2003). Ora, esse processo está sendo sistematicamente feito contra o PT, um verdadeiro bullying coletivo. Com isso procura-se invalidar as conquistas populares alcançadas e reconduzir ao poder aqueles que historicamente sempre estigmatizaram o povo como jeca-tatu e ralé e ocuparam os aparelhos de estado para deles se beneficiar.

Distorce minha intenção quem pensar que com o que escrevi acima estou defendendo os que do PT se corromperam. Devem ser julgados e condenados e, por mim, expulsos do partido.

O avanço do povo através do PT é precioso demais para que seja anulado. As conquistas devem continuar e se consolidar. Para isso é urgente desmascarar os interesses anti-populares, frear o avanço dos conservadores que não respeitam a democracia e que almejam a volta ao poder mediante algum tipo de golpe.


Autor: Filósofo, Teólogo e escritor de dezenas de obras vendidas no mundo todo entre essas "A grande transformação: na política, na economia e na ecologia, Vozes 2014.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/

domingo, 2 de agosto de 2015

Do latifúndio ao agronegócio. A concentração de terras no Brasil

Apenas no Mato Grosso, um dos principais polos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é tem se tornado uma das principais causas de conflitos sociais.

A concentração desequilibrada de terras está na raiz da história brasileira. O antigo latifúndio, responsável pelas extensas propriedades rurais, "se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio", constata Inácio Werner, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo ele, apenas no Mato Grosso, um dos principais polos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é evidente e tem se tornado uma das principais causas de conflitos sociais. No total, "3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras".

Nos últimos 10 anos, 114 pessoas foram ameaçadas e seis foram assassinadas por combater o monopólio do campo. Na avaliação do sociólogo, o Estado não dispõe de uma política pública eficiente de proteção às vítimas porque é "forçado a tomar posição e enfrentar aliados".

Inácio José Werner é graduado em Ciências Sociais pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon – Unirondon e especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia Participativa pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Foi Agente de Pastoral da Paróquia do Rosário e São Benedito, e posteriormente da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Atualmente, é coordenador do projeto Rede de intervenção social do Centro Burnier Fé e Justiça, com sede em Cuiabá. Atua na luta pela erradicação do trabalho escravo, coordena o Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo e participa da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – Coetrae e do Conselho Gestor do Fundo de Erradicação do Trabalho Escravo – Cegefete. Integra ainda a coordenação do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Confira a entrevista.

Qual a atual situação agrária do estado de Mato Grosso?

O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras.

Em que contexto social e econômico ocorrem os conflitos agrários no campo em Mato Grosso?Inácio Werner – A concentração das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo fica com a agricultura empresarial.

Dom Pedro Casaldáliga, em Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas.

Quais são as principais razões de ameaças no campo no estado? Quantas pessoas estão sendo ameaçadas, hoje, no Mato Grosso?

A principal causa de ameaça é a resistência na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de agrotóxicos.

Segundo o caderno Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas. Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por lideranças ligadas à luta do campo.

Quem são os grupos econômicos e políticos que exercem hegemonia em Mato Grosso?

O latifúndio, rearticulado através do agronegócio, perpassa e influencia a quase totalidade dos partidos políticos em Mato Grosso. Uns representam o latifúndio e outros, o agronegócio.

Quem é Blairo Maggi? Qual é a sua real força política no estado? Como construiu seu poder econômico e político? E como ele se relaciona com o movimento social?

Blairo é da linha de frente do modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe, captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem representantes, apostaram em quem era "um" dos seus.

Blairo, através do Grupo Amaggi (André Maggi, pai de Blairo) foi construindo seu "império" através da diversificação. Não investiu somente na modernização de seu latifúndio: além de rei da soja, ele compra, transporta, tem as barcaças, investe em portos, constrói PCHs (pequenas centrais hidroelétricas).

Blairo também se modernizou na relação com o movimento social. No início de seu governo, em 2003, dizia que no Mato Grosso não existia trabalho escravo. Depois, através da pressão dos movimentos sociais, assinou o Plano Estadual de Erradicação de Trabalho Escravo. Recebeu o prêmio "motosserra de ouro", e depois deu sinais buscando evitar a derrubada da mata.

Como o Partido dos Trabalhadores (PT) do estado reagiu ao fato de Maggi ser um dos principais apoiadores de Lula nas últimas eleições e agora de Dilma Rousseff?

A aliança entre PT e PPS e, depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca resistência; houve reações de setores minoritários.

Como repercutem as denúncias de corrupção do Ministério dos Transportes em Mato Grosso que tem em Pagot um dos personagens centrais e é um dos afilhados políticos de Maggi?

No Mato Grosso, a relação Pagot/Maggi é muito conhecida; eles estavam juntos nos dois mandatos do governo Maggi. A reação é pequena, pois a mídia repercute pouco e a relação de ambos é vista como mais um escândalo a se somar a tantos outros.

O Fórum de Direitos Humanos e da Terra – Mato Grosso propõe ao governo do estado a criação do Programa Estadual de Proteção à Testemunha. Como o governo mato-grossense recebeu essa proposta e qual sua expectativa em relação ao Programa?

O Fórum há anos insiste e faz articulação para que o governo estadual possa aderir aos programas federais de proteção. Estas tratativas de aderir esbarram em diversas desculpas, como as alegações de que não há dinheiro para a contrapartida, que isso iria requerer uma grande quantidade de policiais, que teria que haver leis para poder implantar os programas. Agora, pelo menos um primeiro passo parece ter sido dado à medida que se encontram previstos no PPA recursos para esta contrapartida.

O que dificulta, em sua opinião, a constituição de uma política pública eficiente de proteção às testemunhas

O que mais dificulta é o convencimento da importância desta política. O segundo fator é o medo de se comprometer, porque exige uma resposta do Estado. O Estado é chamado a agir sobre as causas das ameaças e, então, é forçado a tomar posição e enfrentar aliados.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, nos últimos 25 anos, 115 pessoas foram assassinadas em função dos conflitos do campo em Mato Grosso, e apenas três casos foram julgados. Como o senhor analisa a atuação do sistema judiciário brasileiro nesses casos de violência? Por que é difícil julgar os mandantes dos crimes?

A Justiça em nosso país não condena quem tem dinheiro e influência política. Com intermináveis recursos e manobras judiciais, os processos nunca vão a julgamento. Porém, a falha não está só no setor judiciário, à medida que os inquéritos são mal elaborados, muitas vezes propositalmente, para já nesta fase facilitar a absolvição do criminoso influente. Sem dúvida, a lentidão da Justiça contribui com a impunidade e, de certa maneira, incentiva o crime.

O Centro Burnier se constitui, hoje, na principal referência do movimento social do Mato Grosso? Quais são as outras organizações com quem vocês trabalham?

Não saberia dizer se o Centro Burnier é a principal referência. O que sei é nos esforçamos para uma mudança na forma de agir, sempre atuando em rede, reforçando espaços coletivos.

O desafio é criar uma rede forte em momento de fragilização dos movimentos sociais onde a luta pela sobrevivência de cada organização está ameaçada. Trabalhamos em várias frentes de luta, em parceria com algumas instituições, como a Comissão Pastoral da Terra, o Centro Pastoral para Migrantes, o Conselho Indigenista Missionário, as Comunidades Eclesiais de Base, o Centro de Estudos Bíblicos, a Operação Amazônia Nativa, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Sindicato dos Profissionais da Educação, o Instituto Centro de Vida, além de setores organizados na Universidade Federal de Mato Grosso.