terça-feira, 2 de junho de 2015

Os 4 principais desafios do coordenador pedagógico

Apesar de estar ganhando espaço na escola, o coordenador pedagógico ainda tem de lidar com desafios que testam seus limites todos os dias. Saiba como trabalhar com a pressão e superar esses obstáculos

Por Luciana Alvarez

Articulador do projeto pedagógico, formador do corpo docente, transformador do ambiente escolar. Em sua função plena, o coordenador pedagógico se assemelha a um regente: conduz a orquestra com gestos claros e instiga um intenso senso de união entre seus pares. Mas a realidade nas escolas brasileiras ainda desafina. Sem plano de carreira específico, sem formação adequada, com demandas diversas que o desviam da função, o coordenador pedagógico enfrenta, ainda, diversos tipos de pressão. 

A formação docente, que deveria estar no centro de suas funções de articulador, é relegada a segundo plano pela falta de tempo e planejamento. A relação com a família, vitrine do projeto pedagógico da escola, sofre com mal-entendidos gerados por estereótipos consagrados. Os resultados de avaliações externas pressionam por resultados imediatos do trabalho cotidiano, que muitas vezes precisa ser regido em outro tempo. E o modelo de gestão escolar, se não é descentralizado, gera inevitáveis desgastes com a direção da escola. Coordenadores pedagógicos e especialistas em educação descortinam esses cenários e propõem possíveis caminhos de escape para essa panela não explodir. A conclusão é a de que, com diálogo, trabalho em equipe e clareza de funções, é possível, sim, afinar a orquestra.


► Desvio de função

A boa notícia é que, apesar de tantos problemas persistentes, a identidade desse profissional está cada vez mais fortalecida e seu papel dentro da escola vem ganhando reconhecimento. Mas, afinal, qual cenário tem levado os coordenadores a estarem em um ambiente tão complexo?

Nos documentos legais e nos estudos acadêmicos, a discriminação das funções do coordenador pedagógico é muito clara, mas a prática é bem diferente do que o descrito no papel, explica Vera Placco, professora da pós-graduação em psicologia da educação na PUC-SP e uma das organizadoras da coleção O coordenador pedagógico (Editora Loyola). 

Para a professora, o fato de as demandas do próprio sistema de educação, dos diretores, dos pais e alunos serem diferentes acaba contribuindo para desviar o coordenador de sua função original. "Uma escola tem sempre urgências, e o coordenador pedagógico acaba solicitado nesses momentos. Há um descompasso muito grande, com demandas contraditórias", afirma.

A falta de clareza do próprio coordenador sobre suas responsabilidades ajuda a acentuar o desvio de sua prática profissional. "A própria não formação faz com que, às vezes, o coordenador não tenha certeza de como desempenhar seu papel. Ele não se sente seguro e acaba se dedicando a outras tarefas", diz Vera. 

A falta de formação específica para o cargo seria, então, o primeiro obstáculo a ser superado. A formação inicial dos cursos de pedagogia - que seria o momento mais indicado para entrar em contato com as atribuições desse profissional - mal toca na questão. O coordenador se vê diante do desafio de buscar sua própria formação teórica, sob a necessidade de se especializar constantemente. Experiências práticas na sala de aula também são importantes, mas sabe-se que nem todo bom docente se torna um bom coordenador. "Um professor da escola que assume a função de coordenação muitas vezes não teve em seu percurso formativo algo que lhe permita ver a necessidade de interlocução com a comunidade. Isso é essencial para o trabalho", afirma o professor Guilherme Prado, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 


► Mas, afinal, qual a sua função?

Prado acredita que o centro do trabalho do coordenador pedagógico seja potencializar o repertório dos professores a favor da aprendizagem das crianças e jovens. "O trabalho se dá a partir da interlocução das necessidades da comunidade que a escola atende, com as necessidades formativas daqueles professores e as exigências do currículo", define.

Vera defende que o profissional tenha perfil apoiado em três pilares: ser um formador, um articulador e um transformador. Formador porque vai ajudar o corpo docente a se aprimorar. "Para ser um formador e ajudar o professor a lidar com seu próprio conhecimento é preciso entender de didática e metodologias. Mas não precisa ser especialista em física para discutir com o professor de física sobre como ajudar os alunos a aprenderem mais", exemplifica. O coordenador deve ainda articular as pessoas, os processos de aprendizagem e o projeto pedagógico da escola. 

Por fim, o caráter transformador visa incentivar - ou até mesmo provocar - a todos na escola a buscarem avançar constantemente. "É uma questão de atitude, que tem a ver com uma visão de educação, de sociedade e de pessoas, que implique reconhecer que estamos sempre em mudança. O coordenador deve cutucar o professor - porque fazer a mesma coisa no ano seguinte é um retrocesso", afirma Vera. 


► Batalha pela carreira

Por ser, na maior parte das vezes, uma função assumida por um professor, o coordenador muitas vezes sofre por não ter uma carreira específica. No sistema estadual do Rio de Janeiro, por exemplo, até 2011 nem sequer a função de coordenador estava regulamentada - os diretores escolhiam de maneira informal algum professor de sua confiança para assumir o papel. Mesmo instituída nas redes públicas, a questão da carreira, de forma geral, continua mal resolvida, também na rede particular. "Por não ter garantia, o coordenador fica numa posição frágil, sem certeza de continuidade, sem saber se vai estar lá amanhã", afirma Cecilia Hanna Mate, docente da Faculdade de Educação da USP. Para ela, essa é uma questão trabalhista que acaba se refletindo nos processos de ensino-aprendizagem da escola. "Mas mesmo na precariedade, há coordenadores que abraçam sua função e fazem um trabalho excelente", ressalta. 

A carreira do coordenador pedagógico deveria ser atraente, com previsão de formação continuada, e reconhecida pelos seus pares. "É preciso uma mobilização dos professores pela valorização do trabalho do coordenador. A função precisa ser cuidada porque é fundamental", defende. Cecília lembra que, quando começou sua carreira nos anos 80, os professores faziam suas aulas sozinhos, sem nenhum auxílio. O que se tem hoje, com horários de reunião previstos na semana de trabalho, embora ainda insuficiente, representa um avanço enorme. 

A negligência de muitas escolas em olhar para esse papel importante contribui para a distorção da função. "Quanto mais a escola tiver um projeto político pedagógico bem construído, mais alinhavado, mais claros os papéis de cada ator - e mais interessantes os resultados", avalia. 

E quanto mais democrática for a escola, maior a necessidade de um bom coordenador pedagógico, acredita Luiza Christov, professora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Nos anos 70 já havia um profissional com nome semelhante, mas era outra concepção. Ele era um técnico que preparava apostilas, nada era discutido. O coordenador se faz necessário sob uma perspectiva democrática de escolas, em que ela vai sendo construída por professores, alunos, pais, funcionários." 


► Um novo lugar

Assim, é a partir dos anos 80, com o processo de redemocratização depois da ditadura militar, que esse profissional começa a conquistar o seu lugar. Desde então, os documentos oficiais dos sistemas escolares insistem na construção coletiva do projeto de escola. Segundo Luiza, na equipe de gestão, o diretor deve garantir as condições de infraestrutura, e os coordenadores devem promover o desenvolvimento das reflexões sobre a aprendizagem.

Mas embora a necessidade da gestão democrática seja conhecida e debatida há três décadas, o desafio prático ainda se faz presente, sobretudo quanto a se criar um tempo para encontros e elaborações coletivas, pois elas exigem "negociações, enfrentamento de conflitos, superação de vaidades e cultivo da escuta". E mesmo escolas que foram concebidas de forma democrática têm de continuar cuidando de seus espaços coletivos, para atualizar suas práticas, currículos e gestão. "A escola é movimento sempre", lembra Luiza. 

O resultado é que, quando os obstáculos são superados, todos se beneficiam. Como um efeito cascata, funcionários e professores que são ouvidos estarão mais predispostos a ouvir seus alunos dentro da sala de aula, promovendo um aprendizado mais dialogado e significativo. Alunos mais ouvidos por professores e gestores tendem a participar de forma mais construtiva, sentindo-se de fato pertencentes à escola. 

Nesse sentido, entra a questão da reorganização dos tempos escolares, para que o coordenador possa estar junto dos professores, tanto individual quanto coletivamente, de forma tranquila, que possibilite uma reflexão aprofundada. O imediatismo das respostas aos sistemas, a burocratização dos documentos e das ações, a hierarquização das relações e as condições precárias de trabalho acabam tomando grande parte dos tempos que seriam destinados à construção coletiva do currículo e projeto de escola, afirma a professora da Unesp. 

Por fim, todos os coordenadores deveriam também ter um acompanhamento à sua disposição. "Os coordenadores cuidam dos professores, mas precisam de alguém que cuide deles", defende Luiza. Esse olhar próximo seria tanto para lhes cobrar ações, quanto para auxiliá-los - assim como eles devem fazer com os professores. 

Embora o caminho seja longo, os que estudam o tema reconhecem que nessas três décadas de lutas por uma escola democrática, os coordenadores pedagógicos acumulam inúmeras conquistas. Mesmo em face de tantas adversidades, os coordenadores normalmente se mostram um grupo interessado e dedicado, observa Vera Placco, da PUC. "O que vejo é que os coordenadores querem se aperfeiçoar, pesquisar, ir para a prática. Eles estão cada vez mais preocupados, reivindicando mais espaços e formação para si próprios", relata. A batalha tem se mostrado longa, mas a maioria segue disposta a lutar.




Coordenador pedagógico: como superar os desafios


1. FORMAÇÃO CONTINUADA

■ Estar aberto ao diálogo
■ Levantar questões junto aos docentes
■ Instituir devolutivas como uma constante
■ Abandonar a "fiscalização" de salas de aula
■ Dar palavra aos professores durante reuniões
■ Destacar os acertos para só então tratar dos problemas
■ Fundamentar teoricamente suas observações
■ Definir os instrumentos que vão guiar o seu acompanhamento
■ Ajudar os professores na reflexão de sua prática, com atitude parceira
■ Variar as formações com temas que extrapolem o âmbito pedagógico

2. Relação com as famílias

■ Entender a lógica das famílias: para muitas, ainda há uma visão distorcida dos papéis da escola
■ Evitar situações de embate
■ Trabalhar educativamente, também com os adultos
■ Trazer a família para o centro da escola
■ Envolver os pais em eventos relacionados aos projetos desenvolvidos em sala de aula
■ Aproximar a família dos processos de aprendizagem das crianças
■ Ter abertura para escutar, mas nunca ferir o projeto pedagógico da escola
■ Apresentar o PPP na primeira reunião e cada ciclo


3. Avaliação externa

■ Relativizar os resultados - eles não são uma sentença final
■ Levar as informações aos professores, mas ao mesmo tempo escutá-los
■ Escapar da lógica do ranqueamento e da padronização
■ Articular ações que fortaleçam práticas pedagógicas que promovam a autonomia e a criatividade
■ Buscar caminhos próprios com a equipe
■ Estimular a gestão democrática

4. Lidar com a direção

■ Manter um bom relacionamento interpessoal, lembrando que a equipe gestora não tem posições iguais
■ Buscar posições coincidentes sobre a importância de ensinar e aprender e do papel da escola
■ Estar aberto ao diálogo, respeitando as diferentes funções
■ Valorizar o trabalho dos outros membros da equipe

domingo, 31 de maio de 2015

PEDAGOGIA DA DIFERENÇA

''As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo.''
Por, Maria Marta Avancini

Maria Teresa: educação especial deve ser complementar,
e não substitutiva.
A inclusão escolar não depende de infraestrutura ou de adaptações curriculares que atendam às necessidades individuais dos alunos com deficiência. Para ser plena e efetiva, a inclusão requer, antes de tudo, a compreensão de que a diferença é inerente ao ser humano - diferença entendida aqui não como as características específicas de uma categoria de pessoas, por exemplo, as pessoas com deficiência, mas a diferença que permeia a humanidade e que torna cada ser um único em suas capacidades e habilidades. 

Dar conta dessa característica da humanidade é o desafio que se coloca a uma escola que se pretenda inclusiva, como destaca a pedagoga Maria Teresa Eglér Mantoan, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped). A especialista, que acaba de lançar Inclusão escolar - O que é? Por quê? Como fazer? (Summus), ressalta nesta entrevista a importância, os desafios e a obrigatoriedade, por parte das escolas, de acolher todos os alunos por meio de formas mais solidárias e plurais de convivência. 

Sendo uma das maiores especialistas na área, como a senhora define a inclusão?

A inclusão vem justamente da ideia de que nós não temos o direito, de forma alguma, de tratar algumas pessoas de forma diferente e, em função disso, estabelecer um mundo diferente para elas - uma sociedade diferente, uma escola diferente. A inclusão é justamente a compreensão de que é a diferença o que nos constitui, não a igualdade. Nós temos igualdade perante a lei, o que não significa que sejamos iguais. Um erro comum dos professores, da escola e até dos pais é pensar que a inclusão é a inclusão da criança com deficiência. Mas e aquele menino que entrou na escola naquele ano, veio de outro estado, tinha uma linguagem diferente, não deu conta de todos os conteúdos? Ele também está em um processo inclusivo.




A senhora está lançando um novo livro sobre o tema. Qual é a proposta da obra?

Meu objetivo é tornar acessíveis ideias que possam parecer complexas e que, por serem inovadoras, costumam gerar uma resistência por parte das pessoas. A inclusão é uma ideia dessas, uma ideia que rompe paradigmas, que traz para a escola um grande desafio: abandonar esse padrão de pseudo-homogeneidade que ela almeja. Isso, evidentemente dentro dos cânones da escola, que são conservadores, significa alguma coisa que não só desafia, como também amedronta. As pessoas perdem a segurança de atuar dentro de determinados padrões, porque se veem diante de um cenário novo em que as crianças que estão lá não são as crianças dominadas pela escola. São crianças que mostram, principalmente, o que está faltando na escola. 

A pesquisa Conselho de Classe - a visão do professor no Brasil, da Fundação Lemann, mostrou que 7% dos professores consideram como tema mais urgente a falta de estrutura para atender as crianças de inclusão na escola. Como os professores podem ajudar na política de educação inclusiva se eles ainda se sentem desamparados?

Essa questão remete a uma parte do meu livro, o "como fazer", como os professores devem atuar numa perspectiva inclusiva para atender toda e qualquer criança. Nessa lógica, as crianças incluídas não são aquelas que precisam de uma pedagogia diferente, de uma atividade diferente, de um currículo adaptado para darem conta na escola. É a escola que tem de se modificar para atender as crianças, e não as crianças que têm de se modificar para atender a escola. Um resultado como esse mostra que a escola não entendeu isso ainda. Que estrutura é essa que os professores estão esperando? É uma estrutura de escola especial que vem para não mudar nada, e esses meninos ficarem sob a responsabilidade dela? Ou é uma nova estrutura na qual os professores têm de trabalhar a partir de um referencial de ensino e aprendizagem que não é o mesmo que a escola utiliza para dar conta do processo educativo das crianças que ela considera dignas de estarem lá? 

A escola tem de mudar?

Sim, e mudar não significa exclusivamente ter uma estrutura para atender essas crianças. Mudar, dentro do ponto de vista inclusivo de educação, é mudar para que a escola possa atender a todos sem diferenciar pela deficiência de alguns alunos. A avaliação muda, mas não muda só para essas crianças, muda para todo mundo. As atividades também. A organização curricular muda, mas não muda só para essas crianças, com adaptações à capacidade delas. À luz da Política [de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], a educação especial deixou de ter a função de auxiliar essas crianças nos conteúdos escolares. Cabe, agora, oferecer recursos que tornem as crianças, o máximo possível, autônomas e independentes para aprender aquilo que é oferecido na escola. É difícil porque os professores e a escola querem que o professor da sala de multirrecursos assuma o papel que é do professor de sala. Os professores querem saber o que devem fazer para ensinar tabuada, para alfabetizar o menino que é deficiente. Esse é o ponto. Ninguém quer mudar aí: se há alguma dificuldade para a criança aprender tabuada, este é visto como um problema do professor de educação especial. Então o professor de classe vai até ele perguntar como fazer. 

Nessa linha de raciocínio, a Política, que prevê, por exemplo, as salas de recursos multifuncionais, não reforça essa expectativa da escola regular?

Ao contrário. A Política estabelece que a educação especial não é mais substitutiva, ela é complementar. Ela não pode substituir conteúdo, atividade, o ensino de uma classe comum. Isso era atribuição das escolas especiais e das classes especiais. Na perspectiva atual, a educação especial é complementar porque ela oferece conhecimentos para alguns alunos que a escola comum não dá, como aulas de Libras, por exemplo. O currículo da sala de recursos multifuncionais - que são as salas de educação especial - não é o currículo escolar. Qual a vantagem disso para o professor da sala comum? Ele passa a ter um esclarecimento das necessidades da criança e pode pensar, em conjunto com o professor da sala de recursos, como atuar com este aluno.

Mas por que permanece a mentalidade de usar a sala de recursos como espaço de aprendizagem de conteúdos que deveriam ser dados na sala de aula regular?

Essa mentalidade não muda por causa das cobranças ao sistema de ensino. Os sistemas de ensino se dizem inclusivos, mas a cobrança é sobre a educação especial, e não sobre a escola comum. Isso ocorre desde a esfera federal até a municipal. A esfera federal tem uma política avançada em termos de educação inclusiva, mas a Secretaria de Educação Básica do MEC continua sinalizando o contrário ao dizer: "esperamos que todas as escolas atinjam a meta do Ideb". Mas se pensarmos numa educação democrática, educação para todos, que qualidade de ensino deveríamos sinalizar para a escola? Temos de sinalizar uma pedagogia da diferença, em oposição à pedagogia da homogeneidade, que é aquela em que todos têm de aprender as mesmas coisas, no mesmo tempo e tenham resultados de aprendizagem que correspondam ao que o outro quer, e não àquilo que elas próprias definiram como seu interesse e necessidade.

Algumas escolas privadas têm adotado cota para alunos de inclusão e exigido um acompanhante para estes alunos. O que a senhora pensa sobre isso?

Isso é um absurdo. Conforme a necessidade da criança, ela tem direito a um acompanhante, mas a escola é que deve providenciar. Não é o pai que tem de pagar. Além disso, o cuidador - que deve estar disponível para qualquer aluno - pode até apoiar o professor numa situação específica, mas ele não tem uma função pedagógica. As cotas também são um absurdo. Muitas vezes isso acontece porque há alguns professores que recebem toda e qualquer criança e quando a turma dele está fechada, a escola se recusa a receber a criança. Isso não pode acontecer. Ninguém pode ter matrícula negada por qualquer diferença na escola brasileira. É o que diz a lei.

Pensando nas condições e problemas enfrentados por boa parte das escolas brasileiras, como operacionalizar a inclusão?

Primeiro, a escola precisa estar ciente de suas obrigações. Oferecer educação especial através do atendimento educacional especializado não é uma benesse de algumas escolas; é obrigação dos sistemas de ensino. A escola tem de buscar esse atendimento, os recursos e instalá-los. Também deve buscar professores especializados, embora muitos deles ainda prefiram atuar como professores de educação especial à moda antiga, dando aulas de reforço de matemática, por exemplo. Outra coisa muito importante: os professores que reclamam de seus alunos. É preciso que eles se avaliem com perguntas do tipo: Por que meus alunos não aprendem? O que estou ensinando? Como estou avaliando? Que material tenho usado para que os meus alunos tenham acesso a conteúdos que não estão apenas no livro didático? As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo. Não é avaliação formativa, não é avaliação da disciplina. Estamos falando aqui de uma avaliação que gere melhorias. Finalmente, é preciso mudar a mentalidade de que somente os alunos com deficiência são diferentes. Cada um pode evoluir de acordo com o meio onde vive, com a capacidade que tem para ser desenvolvida. Temos de fazer dos nossos alunos os mais diferentes, de modo que eles tenham consciência de que são diferentes, que nós somos diferentes. Somos pessoas que nos distinguimos pela diferença.

Maria Teresa Eglér Mantoan, uma das maiores especialistas em inclusão escolar no país, defende uma ampla transformação das escolas regulares para atender a todos, indistintamente.