quarta-feira, 27 de maio de 2015

O que professores têm feito para formar bons escritores

Um dos maiores desafios dos educadores, o ensino da escrita deve estar associado a diferentes habilidades de comunicação e socialização, como a prática dos debates em sala.

Por Márcio Venciguerra

Desafio: ensinar o domínio do código e, ao mesmo tempo, a escrita como expressão.
"As professoras mandam eu fazer redação. E eu faço, só que na maioria das vezes eles não consideram porque acham que não foi de minha autoria, acham que não fui eu que fiz. Não dão nota boa, porque acham que eu peguei de algum lugar, por algum autor, por alguma coisa parecida. Mas eles nunca acreditaram que fui eu que fiz." O relato trazido por Valéria Fagundes no filme Pro dia nascer feliz, de João Jardim, lançado em 2005, quando tinha 16 anos, ainda pode descortinar uma das dificuldades da educação brasileira? Aluna da Escola Estadual Cel. Souza Neto, do município de Manari (PE), então considerado o mais pobre do Brasil, Valéria relatava no filme ser leitora assídua da poesia de Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Admitia que os colegas a achavam "diferente" por gostar de ler, e não encontrava seu lugar na escola. Valéria tocava em um ponto que permanece atual: estamos conseguindo ensinar bem redação nas escolas brasileiras?


No começo do ano, o Ministério da Educação divulgou o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um dos dados que mais repercutiram na imprensa foi o de que, dos mais de seis milhões de alunos que fizeram a prova, 529 mil obtiveram nota zero na redação (8,5% dos candidatos). Deste número, 248 mil redações foram anuladas. Fazem parte desse caso não atender à proposta solicitada ou possuir outra estrutura textual que não seja a do tipo dissertativo-argumentativo; apresentar texto de até sete linhas, copiar linhas dos textos motivadores, que servem apenas como referência, ou escrever "impropérios", desenhos e outras formas propositais de anulação.

À época do filme de João Jardim, as avaliações do MEC apontavam que a metade dos estudantes do ensino fundamental não conseguiam ler ou escrever corretamente. Hoje, apenas um em cada quatro brasileiros atinge um nível pleno de habilidades no uso da leitura, escrita e matemática, segundo os últimos dados do Inaf Brasil 2011 (Indicador de Analfabetismo Funcional), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa. Numa avaliação sobre a capacidade de leitura e escrita de alunos do 4.º e 7.º anos do ensino fundamental, divulgada em 2014 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o Brasil aparece na sexta posição, entre 15 países da América Latina e do Caribe.

Os dados são conhecidos. Mas, em meio a tantos índices desanimadores, o que está acontecendo com a redação dos alunos? Um dos motivos apontados por educadores para as dificuldades está no duplo desafio de ensinar o domínio do código e, ao mesmo tempo, fomentar o uso da escrita como forma de expressão. Outra preocupação compartilhada por professores é a familiaridade dessa geração com textos curtos, como os digitais, e a dificuldade de entrar em contato com textos mais longos e reflexivos.

► Falta repertório

Ao invés de paralisarem o trabalho do professor, essas constatações podem servir de aliadas no desenvolvimento de processos de aprendizagem que partam do universo dos alunos. 

Nesse sentido, a professora Tamine Cauchioli Rodrigues, da Escola Classe no Paranoá, no Distrito Federal, relata um caso para justificar sua crença de que esses desafios podem ser vencidos. No ano passado, ela se deparou com um adolescente numa turma de 5.º ano do ensino fundamental. Ele era cinco anos mais velho do que os demais. "Era o estereótipo da frustração escolar", diz Tamine. "Retrato de tudo o que leva à desistência, como baixa autoestima e notas de reprovação ano após ano." 

Ao trocar mensagens de celular para marcar uma conversa com a mãe do garoto, Tamine teve uma surpresa: "opa, esse menino sabe escrever!" Mas por que então não demonstrava isso na sala de aula? "Se você não está motivado, escrever é muito mais difícil", constata Tamine. "Isso vale para todo mundo." 

Para a professora, na fase do domínio do código escrito, há dezenas de ferramentas à mão do professor, já tornar a escrita um espaço de expressão exige estratégias escolhidas caso a caso. No geral, entretanto, Tamine escolhe uma: antes, é preciso trabalhar a leitura do mundo, para que o aluno tenha repertório e seja motivado a escrever sobre suas experiências.

Soleima Cardoso, diretora da Escola Classe 415 Norte, de Brasília, diz que gostaria de ouvir a expressão dos alunos, seja na fala ou na escrita, porém, ela avalia que as crianças estão cada vez mais rápidas, tanto ao escrever como em diálogo. Ela conta ouvir frequentemente os alunos dizerem "já entendi", apenas porque estão com alguma pressa.

Para Soleima, a sala de aula está sendo pressionada a suprir a crescente falta de conversa, no esforço de formar jovens capazes de se comunicar, tanto oralmente como por escrito. "Quando comecei a trabalhar, há 18 anos, a situação era diferente", conta. "De uns cinco anos para cá, noto claramente que os alunos estão mais impacientes, não se apropriam dos conceitos e informações e têm menos vocabulário." 

A professora atende a um público variado, que vai dos filhos da classe média aos de famílias de baixa renda. Ela acredita que os pais de todas as origens poderiam ajudar se conversassem mais. Gestos aparentemente simples, mas muito importantes, como incentivar que os filhos contem como foi a visita à casa de um amigo. "Nós vivemos num mundo que exige "ir direto ao ponto", no qual as pessoas não têm mais tempo para respostas longas, e isso acaba limitando as crianças", acredita.

► Notas baixas 

Dois vetores puxam para baixo a média das provas de escrita de crianças e jovens brasileiros, na opinião da pedagoga Daniele Nunes Henrique Silva, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). O principal é a estrutura precária da rede pública de ensino, com baixos salários e salas lotadas. "O professor faz o possível", diz ela, que ensinou na Educação Básica por dez anos e hoje forma profissionais e pesquisa formas de fomentar a criatividade nas escolas. "O Brasil precisa de uma grande revolução na rede pública, como aconteceu no Canadá, Cuba e Coreia", defende.

A outra força que conspira para não se formarem bons escritores na sala de aula é o ritmo da vida atual: além da pressa, surgiram muitas tentações. À margem da grande quantidade de estímulos oferecidos para entreter, o professor precisa levar seus alunos a praticar uma atividade que demanda perseverança, trabalho duro e determinação. "Leitura e escrita não dão prazer sempre, apenas eventualmente", constata Daniele.

A professora de literatura Eva Pereira concorda que há novos elementos de sedução que afastam os alunos do ensino médio e fundamental do universo letrado. "O objetivo de saber escrever é de longo prazo e concorre com os estímulos de resultado no curto prazo", avalia a doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).

Ela vê pouco incentivo à escrita na rotina dos jovens. "O acesso à internet é fácil, mas o livro continua com uma aura que afasta", diz. E, apesar de as redes sociais e outros sítios virtuais ampliarem a troca de mensagens de texto, Eva observa que se trata de uma expansão da oralidade, e não propriamente uma experiência de escrita. 

Eva formou essa opinião não apenas por causa dos frequentes erros de grafia ou concordância que vê nos textos de seus alunos, mas devido à falta de pontuação. "Pontuar é estabelecer relações lógicas entre as orações e sintagmas, mas também é uma forma de marcar a entonação, que nas mensagens é dada pelos rostinhos (emoticons)." Os comentários de notícias na internet, outra forma bastante usual de escrita, na opinião de Eva costumam revelar a falta de desenvolvimento de uma argumentação, o que caracterizaria linguagem escrita. "Acaba se tornando uma troca de preconceitos e provocações", avalia. 

► Laboratórios

Para Daniele Nunes, da UnB, só ensina bem quem vivencia as dificuldades de escrever. Por isso, ela defende que laboratórios de escrita façam parte da formação 

continuada dos profissionais de educação. "Não temos professores formados para a construção laboratorial escrita", lamenta. "Não temos pauta no currículo para formar um escritor desde o fundamental, a meta é praticar apenas alguns gêneros literários", reflete. 

A proposta de Daniele vai ao encontro de um dos eixos do trabalho do professor titular de teoria e história da educação na Universidade de Barcelona, Jorge Larrosa Bondía. Para ele, o professor deveria ser um "ensaísta", ou seja, ter entre suas atribuições praticar a escrita de ensaios. Em entrevista à revista Educação de maio de 2013 (Ed. 193), Larrosa disse que mesmo na Espanha, "em um país onde a maioria dos jovens tem sido altamente escolarizada", eles, no entanto, "não sabem escrever". Para Larrosa, ao escrever ensaios, o professor treina a capacidade de escrever, "algo que não é nada fácil", ao mesmo tempo que pode exercer uma forma de autoavaliação, "porque a escrita de qualquer tipo produz certa exteriorização do próprio pensamento".

Daniele prefere chamar as atividades de produção de texto de "laboratório" porque o termo reforça o caráter "laboral" da escrita. O enfoque na transpiração e não na inspiração é também um modo de combater um mito que dificulta a formação dos escritores. "Há a figura do criador genial, que tem um dom especial", diz Daniele. "Enquanto persistir essa noção de talento nato, a prática formativa não tem como existir", acredita. 

A pedagoga usa uma imagem semelhante à do poeta para explicar a arte de alinhar palavras. "Comparo com a escavação arqueológica: poucas atividades são tão metódicas e vão do trabalho pesado com a pá, à delicada limpeza da poeira com um pincel." A metáfora também permite imaginar que a tarefa não se limita à colheita da peça no campo. Há também uma outra fase na bancada, depois de o texto inicial ficar guardado um tempo longe dos olhos do autor. 

Esse é também um problema para ensinar, já que demorar mais em uma tarefa contradiz o ritmo da vida moderna, que todos querem acelerar. Daniele relata que atualmente é difícil convencer alguém a deixar o texto na gaveta por alguns dias para revisar e reescrever - uma dica sempre presente quando grandes escritores contam seu método de trabalho. Para ela, a fase da correção, autocrítica e melhoria dos trabalhos é negligenciada nas escolas. "Nós deveríamos começar essa prática já na fase anterior à alfabetização", defende, "costumamos achar lindos todos os desenhos das crianças, quando poderia ser um momento de aperfeiçoamento das habilidades." 

Ao orientar teses e dissertações, Daniele se bate contra a urgência dos alunos que prometem redigir e entregar em dois ou três dias. "Essa é uma contradição porque temos sempre a pressão para publicar cada vez mais, porém, a fase da gaveta é importante", diz. 

Por outro lado, lembra a pesquisadora, as escolas usam pouco ou quase nada as vantagens da informatização na produção escrita - que podem aliviar e muito a carga de trabalho. Os programas de edição de texto proporcionam o aspecto limpo do trabalho final, mesmo depois de mudar parágrafos de lugar e rearranjar as palavras. E a facilidade de acesso a dicionários não se compara ao trabalho com papel e caneta. 

► Formas de expressão 

O ensino de escrita deve estar atrelado às outras habilidades de comunicação e socialização, no ponto de vista de Eva Pereira - que, além de ter ensinado na Educação Básica e superior, atua como ativista cultural e coordena oficinas literárias. 

Associar ler a escrever é o mais comum, mas a redação também não pode ser dissociada de falar e ouvir. A prática dos debates em sala de aula é um passo para a organização das informações, elaborar a narrativa e se expressar. "A voz da criança tem de ser respeitada, mesmo se for problemática", lembra a professora. 

Ela cita como exemplo uma roda que coordenou, na qual um aluno mentiu e um colega expôs a mentira. Ao invés de reprimir o mentiroso, como os meninos esperavam, ela disse que também gostava de mentir e criou uma atividade em torno da invenção de histórias. "A brincadeira de mentir revelou os desejos das crianças", conta ela. "Como o menino, todos mentiam para se valorizar", diz Eva, ao lembrar ter explicado à turma que não defendia a mentira fora de seu papel na fabulação. 

A quinta dimensão que deve estar associada ao ensino da escrita é o brincar. Além dos jogos de palavras, a brincadeira no ambiente da oficina literária é mais uma forma de favorecer a expressão dos alunos. "Brincar implica o corpo completo envolvido na comunicação, o que inclui também outros modos de expressão, como dançar", diz. 

Eva conta o exemplo de uma menina do Uruguai que tinha atitudes violentas na classe, mas que trazia um histórico dramático: o pai matara a mãe e agora ela era criada pela avó, que traficava drogas. Por meio de brincadeiras de rua tradicionais, a menina foi levada a aprender a respeitar regras e assim passou a se integrar na oficina de produção de textos. "Mais tarde, quando já tinha deixado aquela escola, fiquei sabendo que ela voltou a ser agressiva com os colegas", conta. "Na época, junto com os outros professores envolvidos no projeto, fiz parte da rede de apoio à menina, mas a escola tem seus limites."

► Ler em voz alta 

Como diretora, Soleima Cardoso tem incentivado as colegas a voltar com a prática da leitura em voz alta nas salas de aula. "Há um modismo de acabar com tudo que era característico da escola tradicional", diz. No entanto, para ela, a dinâmica tradicional de cada aluno ler um parágrafo de um texto não deveria ter sido eliminada, pois resultou na falta de fluência verbal dos alunos.

Embora não tenha relação direta com escrever bem, Eva concorda com a necessidade do exercício da leitura em voz alta e defende que deva ser acompanhada de conversa sobre os textos lidos e acontecimentos do cotidiano. "De novo, a participação do corpo é importante. Ler em voz alta exige a atenção à altura da voz, ao domínio das possibilidades da acústica do ambiente, a uma postura corporal específica. Também tem a ver com a fala e a escuta das narrativas, das histórias que o professor e os outros colegas trazem para contar."

Eva defende que a escrita não seja necessariamente o foco central do ensino, mas parte de um trabalho com essas cinco dimensões (brincar, falar, ouvir, ler e escrever), embora o escrever é o que será cobrado em prova. "Isso tudo envolvendo o contexto, como ensinou Paulo Freire", diz.

O foco na necessidade humana de se expressar falando, interagindo em grupo e escrevendo é visto por Eva como a melhor forma de fomentar o gosto pela tal atividade "triste", como definiu Carlos Drummond de Andrade (em O poder ultrajovem): "O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina", ensina o poeta. E olha que no tempo dele não havia a dose de adrenalina programada nos jogos eletrônicos e nem mesmo uma rede social para fofocar.



 Narrar e poetar para bem dissertar
A precocidade com que as crianças estão sendo preparadas para o vestibular é um problema de difícil solução para o ensino da escrita, na opinião da professora de literatura Eva Pereira. O enfoque, que antes ficava restrito ao ensino médio, acaba por tomar o espaço da narrativa, que é o gênero mais empolgante para iniciar o trabalho com literatura, por ser próximo da oralidade. "Esse excesso de exercícios de dissertação acaba por contribuir para a dificuldade da escrita e da leitura", avalia. "As crianças - e os adultos também - gostam de contar histórias, gostam de ouvir histórias, e gostam de brincar com as palavras. O gênero literário que mais brinca com as palavras é a poesia."

Para ela, é preciso lembrar que os tipos de redação não são estanques. Numa dissertação, o domínio da narração ou da descrição é necessário. "Mesmo que a estrutura geral seja dissertativa, a redação joga com os outros tipos de redação", diz. "O contato com a narração e com a descrição pode contribuir para o aproveitamento dos recursos próprios desses gêneros, inclusive na dissertação."

A professora de ensino fundamental Tamine Cauchioli Rodrigues avalia que essa é mais uma das características da visão da escola conteudista, voltada para o vestibular. "Não posso privar as crianças da dissertação, pois isso será cobrado delas mais tarde, mas posso usar poemas para ensinar a dissertar."



Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

domingo, 24 de maio de 2015

SEMPRE É POSSÍVEL UMA AUTO-CORREÇÃO E UM RECOMEÇO

''No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. ''

Nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo melhor. Dizem cosmólogos que a vida surgiu do caos. Este organizou internamente os elementos de alta complexidade que desta complexidade fez eclodir a vida na Terra e mais tarde a nossa vida consciente (Prigogine, Swimme, Morin e outros).

A atual crise política e o caos social obedecem à lógica descrita acima. Oferecem uma oportunidade de refundação da ordem social a partir do caos social e dos elementos depurados da crise. Como no Brasil fazemos tudo pela metade e não concluímos quase nenhum projeto (independência, abolição da escravatura, a república, a democracia representativa, a nova democracia pós ditadura militar, a anistia) há o risco de que percamos novamente a oportunidade atual de fazermos algo realmente profundo e cabal ou continuaremos com a costumeira ilusão de que colocando esparadrapos curamos a ferida que gangrena a vida social já por tanto tempo.

Antes de qualquer iniciativa nova, o PT que hegemonizou o processo novo na política brasileira, deve fazer o que até agora nunca fez: uma auto-crítica pública e humilde dos erros cometidos, de não ter sabido usar do poder realmente como instrumento de mudanças e não de vantagens corporativas e de ter perdido a conexão orgânica com os movimento sociais. Precisa fazer o seu mea-culpa porque alguns com poder traíram milhões de filiados e por ter maculado e rasgado sua principal bandeira: a moralidade pública e a transparência em tudo o que faria. Aquele pequeno punhado de corruptos e de ladrões do dinheiro público, dentro da Petrobrás, que atraiçoaram os mais de um milhão de filiados do PT e envergonharam a nação deverão ser banidos da memória.

Cito frei Betto que esteve dentro do poder central e que ideou a Fome Zero. Ao perceber os desvios, deixou o governo comentando: ”O PT em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma da estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política. Havia alternativa para o PT? Sim, se não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso; se tivesse promovido a reforma agrária, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado interno; se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty, priorizando a produção e não a especulação; se houvesse enfim assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimento sociais, como fez Evo Morales na Bolívia…Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimento sociais e as propostas originários do PT – as forças conservadoras voltarão a ocupar o Planalto”.

E agora concluo eu: temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003 quando ocorreu não a troca do poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro. O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes que tanta confiança e esperança colocaram nele. E muitos, como eu e Frei Betto que nunca nos inscrevemos no PT (preferimos o todo e não a parte que é o partido) mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação, sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim. E foi pela imoralidade, pela falta de amor ao povo e pela ausência de conexão orgânica com os movimento sociais.

Nem por isso desistiremos. No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. A vida nos ensina e as Escrituras cristãs não se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar; quem pecou sempre pode se redimir depois de clara conversão para o primeiro amor. Até se diz que quem estava morto, pode ser ressuscitado, como Lázaro e o jovem de Naim.

O PT tem que recomeçar lá em baixo, humilde e aberto a aprender dos erros e da sabedoria do povo trabalhador. Valem ainda os ideais primeiros: inclusão social de milhões de marginalizados, desenvolvimento social com distribuição de renda e redistribuição da riqueza nacional, cuidado para com a natureza com seus bens e serviços ameaçados e a sempre ansiada justiça social. Mas tudo isso não terá sustentabilidade se não vier acompanhado por uma reforma política, tributária e pesado investimento na agroecologia na impossibilidade atual de fazer a reforma agrária.

Para que isso ocorra, precisamos acreditar na justeza desta causa; fortalecer-se face à batalha que será travada contra o PT por aqueles que vivem batendo panelas cheias porque nunca querem mudanças por medo de perder benefícios; mas jamais usar as armas que eles usam – mentiras e distorções – mas usar aquelas que eles não podem usar: a verdade, a transparência, a humildade de reconhecer os erros e a vontade de melhorar dia a dia, de querer um Brasil soberano e um povo feliz porque justo, não mais destinado a penar nas perifierias existenciais mas a brilhar.Vale o que o Dom Quixote sentenciou: “não devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.

Leonardo Boff é teólogo, ecólogo e escritor, veja A Grande Transformação, Vozes, Petrópolis 2014.

EDUCAÇÃO: Período integral é parte da estratégia para reduzir desigualdades

Por Flávia Siqueira

“Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos”, diz a professora.

Jaqueline Moll pesquisadora e professora associada da 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Jaqueline Moll é pesquisadora e professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenou no Ministério da Educação a implantação do Programa Mais Educação, no período de 2008 a 2013, como estratégia para a indução da política de educação em tempo integral no Brasil.

A professora conversou com a reportagem do site da revista Educação pouco antes de sua palestra na Bett Brasil Educar 2015. Veja, a seguir, algumas reflexões da educadora sobre o papel da escola em período integral e as estratégias para ampliar esse modelo no Brasil.

Muitos veem a educação em tempo integral como uma solução social que vai tirar as crianças da rua, de espaços de violência. Essa é realmente uma das funções da escola de período integral?

O debate sobre a escola em tempo integral e de uma formação humana que não ocorra apenas no campo intelectual, embora ele seja muito importante, não é uma ideia nova no Brasil – ela passa por Anísio Teixeira, pelas Escolas Classe em Brasília, pelos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio, por experiências de vários municípios do Brasil a partir do que foi o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). É uma ideia que vem sendo trazida sobretudo de países ocidentais que de fato construíram o sentido da escola como espaço de oportunidades sociais.

Numa sociedade desigual como a nossa, a escola é um dos espaços importantes para construir uma perspectiva de equidade, seguindo aquela ideia do Mário Quintana de que democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. A escola pode ser um espaço para oferecer as mesmas condições. Sabe-se que crianças que vivem em contextos mais pobres, cujos pais são herdeiros da tradição de não escolarização no Brasil, chegam à escola em condições aquém das que poderiam ter.

► Só isso é capaz de quebrar o ciclo de pobreza e violência?

Não vamos encontrar, nos países que se destacam no Pisa, escolas com menos de sete horas diárias. Antes de comparar resultados, é preciso analisar as condições que produzem os resultados. Entre elas está, sim, uma escola de mais tempo, com professores de dedicação exclusiva e boas condições no espaço escolar. Outro elemento é a inserção quase completa das mulheres no mundo do trabalho. Nesse contexto, onde estarão as crianças? Na escola.

Nossa situação de desigualdade no Brasil é muito aviltante. Nós bebemos numa tradição escravocrata, em que há uma visão sempre muito diminuída sobre o outro. Somos um país com um déficit enorme do ponto de vista do desenvolvimento humano. E, sim, há aqueles que veem na escola de período integral um jeito de tirar as crianças da rua, de colocá-las num ambiente de segurança enquanto as mães trabalham – que é um argumento importante. Mas não é essa a visão que nós temos.

► Qual é a sua visão?

Na construção do programa Mais Educação, nós pensamos a escola de tempo integral como um dos elementos importantes no enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais. Os filhos das famílias médias e altas não têm só quatro horas de aula, não têm só o turno. Praticamente todos têm atividades complementares, seja no campo da música, dos esportes, das línguas estrangeiras, das artes. Esse é um dos elementos que aprofundam as diferenças entre jovens de crianças de classe média e alta e as crianças das classes populares.

Não se trata de ter mais horas para ensinar a mesma coisa, não se trata de replicar o absurdo de uma escola com os tempos divididos em 45 ou 50 minutos, com as áreas de conhecimento divididas como se estivéssemos no início da modernidade.

Trabalhamos com uma perspectiva de horizontes ampliados, de redesenho dos tempos educativos, com projetos que façam sentido para os jovens e as crianças. Com projetos que nos anos finais dos ensinos fundamental e médio já caminhem para escolhas laborais, para a consciência cidadã e dos problemas que temos como sociedade.

Há muita violência quando uma criança cresce sem ter acesso a um espaço educativo decente, organizado, limpo, acolhedor. Nossa perspectiva nunca foi de guardar as crianças, mas de buscar a escola como um dos instrumentos que caminham para o enfrentamento das desigualdades sociais. Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação do trabalho escolar e para os problemas da sociedade, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos.

► E do ponto de vista operacional? Para ampliar o acesso à educação integral, teremos que enfrentar um déficit de professores?

Em qualquer lugar do mundo, ninguém completa o tempo só com professores. Evidentemente que temos que caminhar para ter professores de dedicação exclusiva nas escolas, mas não é preciso montar um modelo baseado apenas nisso. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), por exemplo, tem articulado com as escolas do Mais Educação e doEnsino Médio Inovador a presença na escola de estudantes do ensino superior.

O Mais Educação trabalhou com monitores como uma estratégia de transição. Ele vai fazer o trabalho do professor? Não. Ele será um dos atores desse processo sob a coordenação do professor. Nenhuma escola, em nenhum lugar do mundo, tem só professores o tempo todo. Se, no Mais Educação, tivéssemos dito que seria necessário dobrar imediatamente o tempo de uma parte dos professores, nós não teríamos conseguido avançar nessa agenda.

► Existem outras alternativas?

Não se pode falar em um modelo só. O Brasil tem 190 mil escolas de educação básica, em sua grande maioria públicas. Então nós vamos ter vários modelos. Na Espanha, por exemplo, eles têm os professores tutores, que acompanham grupos de estudantes. Porque a ideia é mudar a própria organização da trajetória educativa. Não se trata de sair de aulas de 45 minutos para aulas de 5 horas, mas de engajar os alunos em projetos de estudo que englobem várias áreas do conhecimento, que deem uma dimensão prática para o que se trabalha na escola.

7 desafios para quem quer criar uma startup de educação

Por Carmen Guerreiro

Alexandre Sayad, do Media Education Lab
Em palestra na Bett Brasil Educar, Alexandre Sayad, do Media Education Lab, dividiu sua experiência como empreendedor da área.

Muito se discute sobre como uma carreira em educação é pouco atrativa, pela falta de valorização do profissional. Mas será esse o caso para todos os profissionais de educação? Assim como em outras áreas, o empreendedorismo em educação tem sido a veia da área que faz brilhar os olhos de muitos jovens em início de carreira. É o que explicou Alexandre Sayad, sócio-fundador do Media Education Lab, em sua palestra sobre startups de educação na Bett Brasil Educar na última quinta-feira, 21.

A maioria dos que se aventuram em criar uma nova empresa que alia educação e tecnologia, segundo Sayad, tem menos de 25 anos. E até mesmo por isso, muitas startups falham no início - segundo ele, por falta de experiência de muitos jovens, e defasagem entre expectativa e realidade.

Pensando nisso, o especialista destacou os maiores desafios para quem quer empreender em educação:

1. Educação para todos e para cada um: "A gente sabe que os alunos Pedro, João, José, Maria e Letícia aprendem de maneira diferente, mas temos que ensinar todos eles", observa. "É uma briga de foice, mas talvez o ponto mais promissor das startups é da personalização do ensino, porque é um caminho que não tem volta diante do cenário de tecnologia hoje, e é uma tendência que de fato vai resolver algumas questões que um ser humano sozinho, diante de uma sala com 30, 40 pessoas, não consegue."

2. A lógica de gestão da escola não é a mesma de qualquer empresa. É preciso conhecer seu funcionamento, na ponta. Segundo Sayad, só quem está na sala de aula sabe realmente como a educação funciona.

3. Ter um olhar sistêmico. É importante, para o empreendedor, não acreditar que as inovações são panaceias, ou seja, soluções absolutas para determinado problema. "Se você tem o olhar sistêmico, entender que cada problema é muito complexo e que não vai conseguir acabar com ele todo com uma só tacada."

4. Conhecer outros players, evitar a sobreposição e aprender a colaborar. Para Sayad, é importante tecer uma rede de parceiros, especialmente de fora da educação. "Areja o diálogo", diz. Sobre a colaboração, ele defende que 
não é algo inato às pessoas, e sim uma habilidade. "E é uma habilidade que vc desenvolve na escola."

5. Usar a tecnologia como meio e se apoderar dela: o digital deve ser uma ferramenta, não o objetivo de uma atividade ou projeto pedagógico.

6. Errar cedo e acertar o percurso: arriscar e errar faz parte da educação.

7. Não podemos desprezar a nossa experiência com a educação, mas é preciso ouvir quem está vivendo ela hoje. "A educação é uma plataforma segurada por muitos atores, e um deles é o aluno, que a gente precisa escutar", diz.