sábado, 26 de setembro de 2015

Frei Betto encontra Fidel Castro

Para azar dos meus inimigos, continuo vivo’, diz Fidel a Frei Betto

Em visita de uma hora e meia, escritor brasileiro constata que, embora mais magro, ex-presidente cubano, de 88 anos e desde janeiro de 2014 sem aparecer em público, está muito lúcido, desmentindo os rumores sobre sua morte. Fidel Castro se mostrou otimista.
O escritor Frei Betto esteve com Fidel e, em entrevista a SANDRA COHEN, disse que o ex-líder cubano está bem de saúde, lúcido e elogiou Obama e o Papa. O escritor Frei Betto desembarcou semana passada em Havana, empolgado com as primeiras negociações entre representantes dos governos de Cuba e EUA e também apreensivo com rumores de que a saúde do ex-presidente Fidel Castro, de 88 anos e que não é visto em público desde janeiro de 2014, havia se deteriorado.
Anteontem à tarde, no entanto, após uma visita que durou uma hora e meia, saiu aliviado da casa de Fidel: encontrou-o bem mais magro, em relação à ultima vez em que se viram em fevereiro passado, mas “absolutamente lúcido”, como relatou ao GLOBO. Acompanhados o tempo inteiro por Dalia, mulher do ex-presidente, os dois conversaram sobre a reaproximação com os EUA, boatos de sua morte e até física quântica.
Em Havana, para o Congresso Mundial de Pedagogia e palestras, Frei Betto, que é colunista do GLOBO, ouviu elogios de Fidel ao presidente americano, Barack Obama, e ao Papa Francisco. A visita ganhou destaque ontem na imprensa cubana. “O encontro aconteceu em um clima afetuoso, característico das amplas e fraternais relações existentes entre Fidel e Betto”, noticiou o “Granma”, o jornal oficial, em sua edição on-line. Fidel só não quis tirar foto: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”, alegou ao amigo.

Como se deu o encontro com Fidel Castro? 

Frei Betto: Toda vez que venho a Cuba, Fidel me convida à sua casa, estive com ele em fevereiro passado. Ontem (27/01/2015) ele mandou me buscar no hotel e fiquei lá durante uma hora e meia. Há muito tempo ele não aparece em público. E no dia 3, morreu o Fidel Castro Odinga, filho de Raila Odinga ex-premier do Quênia, gerando também rumores de que ele havia morrido. Comentei com ele sobre essa coincidência. Fidel riu e disse que já morreu várias vezes, e acrescentou: “Para azar dos meus inimigos, continuo vivo.”
Ele está muito bem e bem mais magro. A cabeça está perfeita. Fidel é muito detalhista, anota tudo. Quis saber onde estou hospedado, o que eu fiz, com quem falei, e sempre anotando. Ele é o homem do detalhe. Me perguntou sobre o Papa Francisco, com quem estive em abril do ano passado, e quis um relato detalhado do encontro. Disse que tinha lido meu livro “A obra do artista, uma visão holística do Universo” (José Olympio), que foi traduzido em Cuba. E mostrou-se entusiasmado. Fidel gosta muito de cosmologia e física quântica, e o livro aborda isso. Conversou sobre as hipóteses de universos paralelos. Estava muito empolgado com o assunto e me pediu mais bibliografia sobre essa linha. Eu me comprometi a buscar mais livros sobre a evolução do Universo, e de física quântica para ele.
Comentei sobre a carta que ele mandou para a Federação dos Estudantes Universitários, em que aborda o reatamento das relações com os Estados Unidos. Eu disse que o diálogo é importante, é o encontro do caminhão consumista com o Lada (marca de veículos russos) da austeridade. Por enquanto, vai ser muito difícil a sintonia, porque um fala em FM e outro em AM. Ele concordou.
O que mais ele disse sobre o movimento de aproximação entre Cuba e EUA?

Frei Betto: Ele acha fundamental, mas disse que não pode perder de vista que os EUA ainda continuam com o objetivo de colonizar Cuba. Por outro lado, avaliou que primeiro é preciso acabar com o bloqueio econômico e tirar o país da lista dos países terroristas, que os EUA demonstrem medidas concretas de boa vontade. Ele está muito feliz com o prestígio que Obama está tendo nessa segunda gestão, e com o fato de o Congresso americano estar com baixa popularidade.
Ele se mostrou entusiasmado com Obama?

Frei Betto: Exatamente. Ele é um entusiasta do Obama e acha muito positivo o que o presidente americano vem fazendo. Mas, ao mesmo tempo, diz que o processo é muito longo. Os EUA tomaram uma série de medidas contra Cuba, que precisam ser canceladas.
Ele mencionou alguma dificuldade nessas primeiras negociações ocorridas semana passada em Havana?
Frei Betto: Não, mas se disse muito otimista. E ressaltou: “Mesmo sendo inimigos, nós temos que dialogar”. Mas sempre observando que é um longo caminho.
Vocês conversaram sobre as mudanças internas em Cuba?

Frei Betto: Não. Abordamos muito política a internacional. Falamos sobre o atentado na França e ele disse que gostou muito da reação do Papa Francisco. Concordou com Francisco e disse: “A liberdade de expressão tem limites. Você pode se expressar, mas não tem o direito de humilhar ou ofender”. Fidel elogiou a atitude do Papa, quando disse que, se xingassem sua mãe, devolveria com um murro.
E quais foram suas outras impressões sobre o estado de saúde de Fidel?

Frei Betto: Ele estava tão bem que eu lhe propus tirar uma foto. Ele não quis, mas brincou: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”. Eu acredito que ele não quis porque não havia fotógrafo oficial e a foto teria que ser improvisada por alguém. Mas me autorizou a divulgar o teor da nossa conversa. Foi um alívio para mim tê-lo encontrado tão bem. Muitos amigos daqui diziam que há muito tempo não tinham notícias dele, e especulavam que poderia ter piorado, estar doente ou no hospital. Quando os prisioneiros cubanos regressaram ao país, esperava-se que aparecessem em fotos com Fidel, e isso não aconteceu. Disseram-me que eles se encontraram com Fidel, mas em privado. 
Minha interpretação para isso é de que Cuba está tendo uma atitude muito respeitosa diante do reconhecimento de Obama de que o bloqueio não funcionou. Eles não querem tripudiar em cima disso. Estão tratando esse assunto com muito respeito. Interessa para Cuba o fim do bloqueio, interessa o reatamento com os EUA. A previsão é de que virão três milhões de americanos por ano para o país. E a preocupação é que não haja infraestrutura para absorver tanta gente.
Fidel estava andando?

Frei Betto: Desde que cheguei, ele permaneceu o tempo inteiro sentado à mesa de trabalho, vestido com traje esportivo, e sempre fazendo anotações. Está bem magro, mas absolutamente lúcido. Durante a conversa, fomos acompanhados pela Dalia, sua mulher.
Como o senhor acha que os cubanos estão encarando o degelo nas relações com os EUA?

Frei Betto: Os cubanos, em geral, estão otimistas e ao mesmo tempo apreensivos. Sabem que será um grande choque cultural. Às vezes eu pergunto se estão preparados para a tsunami e recebo de volto uma pergunta: será que estamos preparados? A questão agora é saber como os valores da Revolução serão preservados.
Quais as mudanças que o senhor notou em Cuba em relação à sua última viagem, no ano passado?

Frei Betto: Noto que Cuba vive um momento de euforia, o prestígio de Raul é impressionante. Ouvi várias vezes frases do tipo: “A nossa sorte é que os dois estão vivos, pois sabem como conduzir esse momento”. O processo de abertura econômica é inicial, está começando. Mas sinto otimismo de que isso vai melhorar as condições de vida do país.