domingo, 9 de novembro de 2014

Política e Diálogo no contexto da reeleição de Dilma Rousseff

''Alguém precisa ser inimigo de si mesmo para estar contra tais propósitos. A arte dessa dialogação é reencantar a política das coisas e seduzir as pessoas para esse sonho de grandeza ética.''

A reeleição de Dilma Rousseff propicia reflexões sobre as várias formas de se fazer política partidária. Fazer política é buscar ou exercer concretamente o poder. Que fique claro o que Max Weber escreveu em seu famoso texto A Política como Vocação: “Quem faz política busca o poder. Poder, ou como meio a serviço de outros fins ou poder por causa dele mesmo, para desfrutar do prestígio que ele confere”.

Esse último modo de poder político foi exercido, por quase todo o tempo de nossa história, pelas classes dominantes a fim de se beneficiarem dele, esquecendo que o sujeito de todo o poder é o povo. Trata-se do famoso patrimonialismo tão bem denunciado por Raimundo Faoro em seu clássico Os donos do poder.

Vejo cinco formas de exercício de poder:

Primeiro, a política do punho fechado.Trata-se do poder exercido de cima para baixo e de forma autoritária. Há um só projeto político, aquele do detentor do poder que pode ser um ditador ou uma classe dominante. Eles simplesmente impõem o projeto e esmagam os alternativos. Foi o que mais vigorou na história brasileira, especialmente sob a ditadura militar.

Segundo, a política do tapinha nas costas. É uma forma disfarçada de poder autoritário. Mas diferencia-se do anterior porque este se abre aos que estão fora do poder mas para atrelá-los ao projeto dominante. Recebem algumas vantagens, desde que não constituam outro projeto alternativo. É a conhecida política paternalista e assistencialista que desfibrou a resistência da classe operária e corrompeu tantos artistas e intelectuais. Funcionou entre nós especialmente a partir de Vargas em diante.

Terceiro, a política das mãos estendidas. O poder é distribuido entre vários portadores que fazem alianças entre si sob a hegemonia do mais forte. Há alianças entre o partido vencedor com os demais partidos aliados para garantir a governabilidade. É o presidencialismo de coalizão parlamentar. Esse tipo pode criar favorecimentos, disputas de postos importantes no Estado e mesmo a corrupção. Foi o que ocorreu nos últimos anos.

Quarto, a política das mãos entrelaçadas. Parte-se do fato básico de que o poder está difuso nos movimentos e instituições da sociedade civil e não apenas na sociedade política, nos partidos e no Estado. Esse poder social e político pode convergir para algo benéfico para todos. Trata-se da grande discussão atual que prevê a participação dos movimentos sociais e dos conselhos para junto com o Parlamento e o Executivo definirem políticas públicas. Busca-se uma democracia participativa que enriquece a representativa. Negar esta forma é não querer democratizar a democracia e permanecer na atual que é de baixa intensidade.

Especificando: a política das mãos entrelaçadas acontece quando o chefe de Estado se propõe a uma ampla dialogação com todos os segmentos afim de repactuar os atores sociais ao redor de um projeto comum mínimo. O pressuposto é: aquém e além das diferenciações e dos interesses conflitantes, existe na sociedade, a idéia de que país queremos, a solidariedade mínima, a busca do bem comum, a observância de regras consentidas e o respeito a valores de sociabilidade sem os quais viraríamos uma matilha de lobos. As mãos estendidas podem se entrelaçar coletivamente. Mas para isso, precisa-se do exercício do diálogo que implica ouvir a todos e buscar convergências na linha do ganha-ganha e não do ganha-perde. É a ética na política e da boa política verdadeiramente democrática.

Por fim temos a ver com política enquanto sedução no melhor sentido da palavra, subjacente à proposta da Presidenta Dilma. Ela propõe um diálogo aberto com todos os atores políticos, também da área popular. Urge seduzir aqueles 48% que voltaram no candidato da oposição em vista de um projeto de Brasil que beneficie a todos a partir da inclusão dos mais penalizados, da criação de desenvolvimento ecológica e socialmente sustentado que gere empregos, melhores salários, redistribuição de renda, crie um transporte decente e mais segurança para os cidadãos, além do cuidado para com a natureza e a potenciação de um horizonte de esperança para o povo poder se reencantar com a política.

'Alguém precisa ser inimigo de si mesmo para estar contra tais propósitos. A arte dessa dialogação é reencantar a política das coisas e seduzir as pessoas para esse sonho de grandeza ética.'

Para isso é obrigatório olhar para frente. Quem ganhou a eleição deve mostrar magnanimidade e quem a perdeu, humildade e disposição de colaborar visando ao bem comum.

É idealismo? Sim, mas no seu sentido profundo. Uma sociedade não pode viver só de estruturas, burocracia e disputas ideológicas em torno do poder. Tem que alimentar sonhos de melhoria permanente que inclua e beneficie, o mais possível, a todos para superar a nossa espantosa desigualdade social.

Razão têm as comunidades eclesiais de base quando cantam: “Sonho que se sonha só, é pura ilusão. Sonha que se sonha juntos é sinal de solução. Então, vamos sonhar juntos, sonhar em mutirão”.

Esta é a convocação supra-partidária que a Presidenta Dilma está fazendo ao Parlamento, aos movimentos populares e a toda a nação. Só assim se esvazia o discurso das divisões, dos preconceitos contra certas regiões e se sanam as chagas produzidas no ardor da campanha eleitoral com todos os seus excessos de parte a parte.

Por Leonardo Boff, autor de 'Que Brasil queremos', Vozes, Petrópolis 2000

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com