segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

2014: O FIM DAS ILUSÕES DESENVOLVIMENTISTAS

''O capitalismo é isso: uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade.''

O ano de 2014 deixa marcas indeléveis na história do Brasil. 50 anos do Golpe Militar, Copa do Mundo e um dos processos eleitorais mais acirrados dos últimos anos. Já quase no apagar das luzes do ano, a explosão de escândalos em uma das empresas símbolo do país, com revelações diuturnas de uma histórica promiscuidade público-privada.

Nosso entrevistado especial nesse final de ano é o filósofo franco-brasileiro Michel Löwy, que esteve no Brasil para lançar mais um livro e fez um giro por diversas instâncias do debate político.

“Não vejo nenhuma razão pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Antes que seja tarde. Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitada. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença”, afirmou.

Com um olhar mais distanciado da rotina nacional, e a partir de visão global do quadro das lutas políticas e sociais, o filósofo expressa otimismo quanto ao processo brasileiro e latino-americano. Segundo ele, nosso continente continua sendo a principal referência de reorganização da luta e do imaginário da esquerda. “Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Por enquanto, temos apenas duas experiências boas na Europa (Syriza e Podemos). Mas a extrema-direita é que está de vento em popa (...) Na América Latina, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente”.

Em sua conversa com o Correio, Lowy perpassou também por seus estudos mais recentes, associados ao ideário marxista, e aqui não sobra espaço para ingenuidade: o filósofo é inclemente com o capitalismo, “uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Como dizia Weber, ‘o capitalismo é uma escravidão sem mestre’. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema. E o que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema”.

Mas assim como, para Marx, a luta de classes era a esperança de escape da “jaula de aço” capitalista teorizada por Weber, o ecossocialismo ocupa posição de destaque nos estudos de Lowy, como a porta de saída da opressão capitalista. Uma causa poderosa do século 21, capaz de fagulha similar à que vimos em junho de 2013, quando o Movimento pelo Passe Livre acendeu o pavio de manifestações históricas.

“O importante, pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro. Porém, é uma corrida contra o tempo”.

A entrevista completa com o filósofo Michel Löwy pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Você veio ao Brasil nesse ano lançar o livro ‘A Jaula de Aço: Max Weber e o marxismo weberiano’, o qual analisa possíveis analogias entre Marx e Weber. O que poderia falar da temática do livro e de sua importância para a compreensão do atual mundo em que vivemos?

Michel Löwy: O que faço no livro é uma comparação do diagnóstico que Weber e Marx têm sobre o capitalismo, e o que eles têm em comum. Inclusive, Weber reconhece que uma parte do que disse sobre o capitalismo já está em Marx. E há aspectos que são específicos em Weber. Depois, trato de dizer qual é a grande diferença entre eles, mas, num primeiro momento, procuro comparar.

Uma coisa interessante em Weber é que ele tem uma atitude ambivalente. Ele considera o capitalismo o sistema mais racional, mais unificado, mais moderno, muito melhor do que os outros. Por um lado, ele quer que a Alemanha se torne uma potência imperial industrial capitalista etc., mas, por outro lado, enquanto homem de cultura e intelectual, desconfia do capitalismo. Ele tem uma espécie de contradição. Que não é só dele, mas também de outros personagens dessa época.

Mas o que me interessa, naturalmente, é a crítica. É o que procuro colocar no livro. Em particular, me interessa a imagem e a alegoria que ele usa, de que o capitalismo funciona como uma ‘jaula de aço’. A ideia é o capitalismo como um sistema total, que determina a vida dos indivíduos através de um sistema de forças impessoais que ninguém controla. Isso faz alguns irem à falência, outros prosperarem, uns perdem o emprego, outros vão pra miséria, perdem sua casa... É o que estamos vendo hoje, e ninguém controla.

O capitalismo é isso: uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Ele tem uma passagem interessante, num artigo de 1906, em que diz ser “ridículo acreditar que há alguma afinidade entre o capitalismo, por um lado, e a democracia ou a liberdade, por outro”. Pelo contrário, a pergunta é, se sob a dominação do capitalismo, vai sobrar alguma coisa de democracia. Um ponto de vista curioso.

Acho interessante tal alegoria. E não é a respeito da burocracia. Porque, nos Estados Unidos, há uma leitura de Weber segundo a qual ele fala da jaula de aço da burocracia, coisa que realmente aparece em alguns textos seus. Mas, em seus textos mais importantes, é do capitalismo que ele fala. Ele tem uma outra expressão: “o capitalismo é uma escravidão sem mestre”. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema.

Portanto, é uma crítica bastante aguda e tremendamente atual. O que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema, que de um dia para outro faz com que milhões percam os seus empregos e outros milhões sejam expulsos de suas casas. Enfim, é uma loteria que funciona com as regras do capital, da acumulação de capital, da competição, da oferta e da procura. É isso, um sistema total, diz Weber. Podemos dizer totalitário, de certa maneira.

Acho interessante esse pensamento. É uma crítica do capitalismo que em alguns aspectos é próxima de Marx, mas é diferente. Marx insiste em outros temas. Penso que os diagnósticos deles sobre o capitalismo são próximos e, se não idênticos, compatíveis. O que é incompatível entre os dois, e consta no livro, é que o Weber era um fatalista resignado.

Nietsche dizia que o herói da época moderna é aquele que aceita o seu destino. Eis o heroísmo moderno. E o Weber tem um pouco disso, de o capitalismo ser uma fatalidade, no duplo sentido, de algo do qual não se pode escapar e, ao mesmo tempo, algo ruim. Portanto, não há escapatória da jaula de ferro. Estamos encerrados.

Para Marx, não. Marx acha que existe um martelo, que é a luta de classe, com o qual se podem quebrar as barras da jaula de aço capitalista. É a revolução. É aí que eles se separam.

Correio da Cidadania: Nesse contexto, e de modo geral, o que é o marxismo hoje no mundo e qual apropriação possível que dele podem fazer movimentos e ou partidos que buscam um novo modelo de sociedade?

Michel Löwy: Penso que o marxismo é o instrumento e a ferramenta indispensável, não só para entender o mundo, mas transformá-lo. Sem o marxismo, não entendemos o que está acontecendo e tampouco temos elementos de estratégia de luta, e organização, para transformar. Práxis e teoria, as duas coisas, estão ligadas ao marxismo. Ao mesmo tempo, o marxismo não pode ser a repetição simples daquilo que disse Marx ou Lênin ou Trotsky ou Rosa Luxemburgo... Enfim, isso tudo é fundamental, essencial, mas não suficiente, porque o mundo se transformou. Problemas novos apareceram.

Aqui na América Latina, por exemplo, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente. Isso não está previsto em nenhum dos clássicos do marxismo. Na época, eles pensavam nos operários... Mas índios como atores de uma luta revolucionária não está previsto. Teologia da libertação também não está prevista.

Assim, o marxismo precisa se desenvolver e estar disposto a aprender com os movimentos sociais, com as lutas e fenômenos novos. Pra mim, a novidade ruim, mas importante, e que o marxismo precisa integrar, é a questão ambiental. Porque o capitalismo está levando a humanidade não para o brejo, pois seria simpático, mas para um abismo. Um abismo que se chama aquecimento global, mudança climática, com consequências inimagináveis, sem precedentes nos últimos milhões de anos. Isso resulta, inevitavelmente, da lógica do capitalismo de expansão ilimitada, produtivismo, consumismo e, portanto, destruição e desequilíbrio ecológico.

Portanto, eu acho que o marxismo do século 21 tem de ser um marxismo ecológico.

Correio da Cidadania: Aqui entram seus estudos sobre ecossocialismo.

Michel Löwy: Sim. Mas partindo do marxismo. Partindo da crítica da economia política, do projeto socialista. Tudo isso é fundamental. Mas tem que ser radicalizado, aprofundado e enriquecido com questões novas, em particular, a questão ambiental.

Correio da Cidadania: Antes de aprofundar um pouco essas novas ideias, vemos que seu livro também trabalha com a noção de que o capitalismo teria conseguido, mais do que em qualquer época, introjetar a ideia de aceitação de um destino inexorável às pessoas, como também sugere a citação de Nietsche. Isso porque as próprias relações humanas e sociais seriam menos autênticas, mais automatizadas. É possível concluir que hoje em dia está ainda mais difícil dialogar e mobilizar pessoas, especialmente a partir de vieses marxistas?

Michel Löwy: Eu não diria isso. Cada época tem suas formas de luta, conscientização, resistência cultural e política. As de hoje não são as mesmas do começo do século. Mas eu não diria que no mundo de hoje tudo é conformismo e aceitação. Eles existem em grande escala, evidentemente, mas existe também a resistência. As resistências estão presentes em formas diversas.

Eu mencionei as lutas indígenas, mas não é só. Acho que a América Latina é um bom exemplo do tipo de resistência que está se desenvolvendo. Temos assistido nos últimos anos a uma quantidade extraordinária de lutas, de semi-insurreições na Bolívia, Argentina, Venezuela etc., de mudanças de governo. A esquerda chegou ao governo na maioria dos países da América Latina, esquerdas de diversos tipos, umas mais diluídas, outras mais consistentes.

Enfim, há uma vontade de mudança. E quando menos se espera, estoura uma contestação que pode ser confusa, mas tem elementos radicais, como aconteceu em junho do ano passado, quando o Movimento Passe Livre (MPL) dava o tom dos acontecimentos. Eu não sou nem otimista, nem pessimista. Creio que devemos seguir como o Gramsci dizia, ou seja, “pessimismo da razão e otimismo da vontade”. Fazer a análise de que a situação é grave, de que o poder do capitalismo é enorme, dos perigos e catástrofes que estão se aproximando rapidamente e também são dramáticos.

Não há nada, nenhuma razão, pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Existe uma possibilidade de luta. Existem movimentos de luta, existem algumas vitórias da esquerda. Portanto, temos de participar dessa tentativa de resistir. Antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, o que é, pra você, a esquerda hoje, no Brasil e na América Latina?

Michel Löwy: Esquerda, em princípio, são partidos e movimentos que se identificam com os interesses das classes subalternas. É o sentido geral. Mas essa esquerda é um leque muito vasto aqui na América Latina, que vai da centro-esquerda – que também pode ser designada como social-liberalismo – até uma esquerda mais radical, anti-neoliberal, anti-oligárquica, anti-imperialista.

Por exemplo, peguemos o caso dos governos de esquerda. Eu acho que a vitória de tais governos foi um avanço, mas muito desigual. Em vários países, como Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai (que não durou muito), tivemos experiências de tipo social-liberal. O que é o social-liberalismo? É um governo de esquerda com compromisso de centro-esquerda, que aceita o quadro do capitalismo neoliberal, mas procura introduzir algumas medidas sociais.

O espírito do social-liberalismo – e acho que os governos do PT no Brasil o representam muito bem – é o seguinte: “vamos fazer tudo o que pudermos pelos pobres com a condição de não mexer nos privilégios dos ricos”. E a fórmula matemática do social-liberalismo é, por exemplo, o orçamento da agricultura no Brasil: 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Claro, esses 10% fazem uma diferença. É uma ajuda importante, mas há uma desproporção enorme.

Essa é a fórmula do social-liberalismo, com variantes. O Uruguai tem o Mujica, um cara simpático. Cada país tem uma forma diferente, mas o funcionamento fundamental é esse. Depois, temos os outros modelos, chamados bolivarianos. Venezuela, Bolívia e Equador tentaram romper com o neoliberalismo. Houve enfrentamento duro com a oligarquia, que tentou armar golpe militar, mas não conseguiu, nos três países. E houve enfrentamento com o imperialismo norte-americano.

Configura-se nesses países, portanto, outro tipo de política. Houve mobilização social, medidas relativamente avançadas etc. Mas nada rompeu com o capitalismo. Não dá pra falar em socialismo. Mas pelo menos tais governos colocam como horizonte histórico de sua atividade o socialismo do século 21. É importante. Mesmo que esteja muito longe, o fato de se ter tal objetivo é um fato político importante na formação dos militantes, na maneira de orientar sua estratégia.

No Brasil e nos outros países, isso não está colocado, de jeito nenhum. Os governos do Lula e da Dilma jamais disseram que vivemos uma etapa em direção ao socialismo. Isso eles diziam nos anos 90. Desde 2002, o assunto saiu da pauta. O mesmo critério vale para os partidos, os movimentos, os sindicatos... Existe toda uma diversidade.

Esse é o panorama da esquerda que enxergo nessa parte do mundo.

Correio da Cidadania: Pensando agora no Brasil, como você, que fica muito tempo fora do país, o enxerga? E como viu a vitória de Dilma neste pleito, com a margem de votos mais estreita dos últimos tempos, e o que espera desse quarto mandato petista no Planalto, ao olhar para a nova configuração do Congresso e para a atual conjuntura econômica nacional e internacional?

Michel Löwy: Eu não escondo as minhas opiniões. No primeiro turno, apoiei a campanha da Luciana Genro, penso que ela fez uma ótima campanha e teve um resultado importante. Apoiei-a também por achar que a Dilma não iria promover as mudanças necessárias no Brasil.

No segundo turno, resolvi apoiar a Dilma, criticamente. Porque achava que a Dilma tinha feito demasiadas concessões ao capital, aos bancos e ao agronegócio, mas o Aécio não ia fazer concessões, porque ele é representante direto do capital, dos bancos e do agronegócio. É diferente.

Mas não tenho grandes expectativas. Eu me lembro que, antes das eleições, discuti com amigos próximos do PT que diziam: “você vai ver, a Dilma fez uma campanha de esquerda, ela vai ter que tomar medidas radicais”. Eu não acredito. E as primeiras medidas do governo pós-eleições provam essa descrença: são dirigidas ao mercado, especialmente ao mercado financeiro. Ficou muito claro.

Houve, ao mesmo tempo, uma ofensiva conservadora da direita tradicional, bastante radicalizada, em torno do Aécio, e uma extrema-direita de corte fascista, ou fascistizante, que se manifestou no novo Congresso eleito, com figuras como Jair Bolsonaro e outros partidários da ditadura militar. Bastante preocupante. Além de outras figurinhas que foram eleitas, gerando um deslocamento brasileiro.

Ainda assim, eu insisto que, no Brasil, e na América Latina em geral, o panorama é bem mais alentador do que na Europa.

Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitado. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas na Avenida Paulista. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença.

Correio da Cidadania: Dentro de tal contexto, o que é a esquerda na Europa hoje? Partidos como o Podemos espanhol e o Syriza na Grécia podem ser tidos como tais?

Michel Löwy: Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Vemos na França: a única coisa que se sabe fazer é desviar dinheiro dos impostos, fazer com que os ricos paguem menos impostos e o povo pague a conta. Toda a política funciona em torno disso, de modo que desse mato não sai mais cachorro.

O que existe, então, é a esquerda radical, anti-neoliberal, que na maioria dos países da Europa tem dificuldade de se posicionar como alternativa e capitalizar o descontentamento. A extrema-direita está com um grande avanço na maior parte dos países da Europa. Uma das exceções mais interessantes é a Grécia, onde a extrema-direita é forte, mas não passa de 10%, e a esquerda radical, organizada na coalizão do Syriza, anda por volta de 30%. É uma esperança.

Não sou muito otimista a médio prazo, porque, mesmo que o Syriza ganhe as eleições, dificilmente terá a maioria no parlamento da Grécia. Porque precisaria de aliados e não tem. O Partido Comunista na Grécia, infelizmente, é ultra-stalinista, ultra -sectário, pensa que o Syriza é o inimigo principal. Já vimos uma cisão de direita no Syriza, chamada Esquerda Democrática, que vem do Partido Social Democrático. Mas está muito enfraquecida, pelo jeito nem vai entrar no congresso. Enfim, o Syriza não tem aliados e não sei como poderá ter a maioria no parlamento. Vai ser complicado.

E tem essa novidade espetacular que é o Podemos, muito interessante, a expressão política do movimento dos Indignados, que não encontrava o canal político para se exprimir porque a esquerda tradicional, a Esquerda Unida, o Partido Comunista Espanhol, não se deram conta da importância desse movimento, ficaram de fora. E eles conseguiram criar o Podemos, que tem uma ascensão espetacular. Tem seus problemas, mas é um fenômeno bem promissor.

Correio da Cidadania: Seria o Podemos uma promessa de casamento, pontes, entre esses grandes movimentos, como Occupy, Indignados, e aquilo que se chama de esquerda na Europa?

Michel Löwy: Não sei se dá pra dizer que isso vai se generalizar. Por enquanto, temos essas duas experiências, que são muito boas. O Syriza é uma coalizão mais tradicional de forças de esquerda, de matriz comunista, no sentido amplo. O Podemos já é outra coisa. É um “objeto político não identificado”. É anti-neoliberal, crítico, mas é difícil dizer. Possui correntes de esquerda, organizadas, mas o Podemos, enquanto tal, não tem uma identidade política muito definida. De toda forma, é contestador do sistema, das políticas de governo. Isso é fundamental.

No entanto, não sei se algo do gênero vai acontecer em outros países da Europa. Na Itália, quem capitalizou o descontentamento foi o Beppe Grillo, humorista que é uma espécie de Tiririca italiano, com um movimento confuso, às vezes você pensa que é de direita, às vezes você pensa que é de esquerda. É difícil classificar. A esquerda propriamente ficou completamente marginalizada. Na França, também como já disse, o panorama não é positivo para a esquerda...

O cenário modifica muito de país para país.

Não sei o que vai acontecer. Por enquanto, a extrema-direita é que vai de vento em popa.

Correio da Cidadania: Você diria, portanto, que a Europa tem apresentado um dos piores cenários globais das lutas sociais e sua possibilidade de inserção popular, ainda que vejamos alguns impulsos aqui e acolá?

Michel Löwy: Sem dúvida. Pelo menos existem lutas em dois países, onde há um clima comparável ao da América Latina. Hoje em dia, os europeus olham muito para a América Latina. Mesmo a França olha muito para a América Latina, procurando se inspirar. A América Latina está bem mais avançada.

Correio da Cidadania: No Brasil, como imagina que ficarão as pautas associadas aos movimentos populares e progressistas nesse próximo período?

Michel Löwy: Os movimentos sociais no Brasil não são homogêneos. Alguns estão muito atrelados ao PT e, portanto, ao governo. É o caso da CUT. Ela não mobiliza uma luta que enfrente o governo. De tempos em tempos, mobiliza-se para causas democráticas, como reforma política, aumento do salário mínimo... Enfim, a CUT pode ser parceira só de algumas mobilizações.

O MST é muito mais autônomo. Embora também tenha vínculos com o PT e dependa em parte do governo e seu subsídio, tem mais autonomia, é mais propositivo, mais crítico. As grandes mobilizações anteriores a 2013, geralmente, eram puxadas pelo MST. Há também movimentos mais antigos, que continuam existindo nas comunidades de base, e todas as pastorais da igreja, pastoral da terra, pastoral da juventude etc. Há todo um setor importante da igreja que funciona como movimento social. Além dos movimentos de professores, estudantes, advogados...

E há outros movimentos de “tipo novo” surgindo, muito mais autônomos em relação ao PT, com uma dinâmica libertária.

O MPL é um movimento muito interessante, pequeno, mas com impacto social grande. Eles conseguiram simplesmente por fogo no estopim de junho de 2013. Foram eles que fizeram isso. Com a grande inteligência de associar uma reivindicação ao mesmo tempo utópica e realista: a tarifa zero. Que seria factível, se houvesse um governo com um pouco de coragem. Não precisa de revolução para termos tarifa zero. Mas ela implica comprar uma briga com a máfia do transporte, entre outras iniciativas que nenhum governo ou prefeitura ousam levar adiante.

A tarifa zero é, portanto, uma proposta popular, importante, factível, e o MPL foi quem a apresentou. Além disso, é uma proposta ao mesmo tempo social e ecológica. Porque, se existe o passe livre, a circulação de automóvel diminui, e a emissão de gases diminui automaticamente.

Eles tiveram essa reivindicação utópica, é claro, junto com uma reivindicação imediata, concreta. Essa foi a inteligência deles. Juntar os dois elementos foi formidável. Realmente é um movimento exemplar. Quando voltei à Europa, no ano passado, tentei convencer os meus amigos da esquerda europeia a se inspirarem no MPL (risos).

Correio da Cidadania: É difícil prognosticar, mas você acredita que se desenha um tempo propício para novas rebeliões populares, no Brasil e no mundo, a exemplo das que vimos mais recentemente?

Michel Löwy: Os sociólogos e os historiadores já têm muita dificuldade para entender o passado. O presente ainda mais. Assim, prever o futuro... O bom do futuro é justamente que as coisas são inesperadas. Todas as grandes revoluções são inesperadas. A revolução russa, ninguém esperava. E a cubana, menos ainda. Felizmente, os acontecimentos, as explosões, as revoltas, as revoluções sempre ocorrem onde não se espera, no momento que menos se espera e da forma que menos se espera. Essa que é a beleza. Se tudo fosse já previsto, o mundo seria muito chato.

Correio da Cidadania: Você destacou que o MPL teve a lucidez que acendeu o pavio das lutas sociais a partir de causas muito presentes e pertinentes da nossa vida cotidiana. É possível vislumbrar que as bandeiras ambientais, especificamente do chamado ecossocialismo, possam causar impacto semelhante?

Michel Löwy: Penso que a causa ambiental é altamente explosiva. Na medida em que se entendem as suas proporções, a relação com o funcionamento do sistema capitalista e a total incapacidade de governos burgueses, de várias cores, em tomar qualquer medida, há que se chegar a uma consciência anticapitalista. É a nossa aposta. Mas temos de partir de lutas concretas, dos “vinte centavos”. Das lutas indígenas contra uma multinacional de petróleo, daquelas moças que arrancaram os plantios transgênicos...

Por exemplo, agora, tem a questão da água, fundamental. Essa crise da água possui uma relação direta, todo cientista está dizendo, com o desmatamento da Amazônia. Só que os políticos e a mídia preferem não falar, porque se coloca um problema e tanto. Eles falam que vão abrir uma represa aqui, desviar o rio por lá e tal. Tapar o buraco. Mas não sabemos de onde vem o buraco.

O importante pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. E vai se agravar: se deixarmos a situação prosseguir como está, veremos a desertificação. Vamos pouco a pouco perdendo as fontes de água potável. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro.

Porém, é uma corrida contra o tempo. Será que vamos conseguir mobilizar as pessoas para enfrentarem o sistema antes que o processo se torne irreversível? Não sei. Simplesmente temos que agir com o otimismo da vontade.

Correio da Cidadania: Quanto a um outro de seus livros, ‘O capitalismo como religião’, gostaria de fazer algum comentário?

Michel Löwy: Na realidade, trata-se de uma reedição, mais ampliada, com novos ensaios, novos documentos. Não é uma tentativa de formular um sistema doutrinário fechado, mas ensaios sobre alguns aspectos do ecossocialismo, tentando explicar o que é, por que o ecossocialismo procura se articular ao marxismo, à crítica marxista e à economia política, de modo a fazer a crítica ecológica do desastre ambiental, do produtivismo. Trata-se de juntar as duas coisas e, em particular, contar a história de como foi se desenvolvendo a ideia ecossocialista, como foi se organizando. Hoje em dia, ela tem uma certa difusão na Europa e na América Latina. É algo novo.

No Brasil, concretamente, o ecossocialismo tem um grande precursor, que é o Chico Mendes, um ecossocialista e ecologista que juntava os dois contextos de maneira muito radical, muito consequente. É uma belíssima figura que pode nos inspirar para as lutas aqui no Brasil.

O ecossocialismo é uma proposta positiva, que implica em uma crítica das formas produtivistas. É uma proposta do século 21, que visa superar tanto o socialismo do século 20 como a socialdemocracia, o stalinismo, além de também trazer uma crítica à ecologia defendida pelo Partido Verde, por partidos sociais-liberais, enfim, aquela ecologia adaptável ao mercado.

É uma proposta radical, que propõe, no fundo, uma mudança de paradigma da civilização bastante ampla, profunda e radical. Mudar as relações de produção, os sistemas de transporte. O que estamos questionando são os padrões e paradigmas da civilização capitalista, industrial, ocidental.

Eu sempre cito uma frase do Walter Benjamin, um dos meus pensadores favoritos: “o que é a revolução? Marx dizia que as revoluções são as locomotivas da história, mas talvez seja um pouco diferente. Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de urgência para parar o trem”.

Eu penso exatamente assim. Nós estamos todos num trem suicida, o trem da civilização capitalista, que está caminhado com rapidez crescente para o abismo, no caso, da catástrofe ecológica e da mudança climática. Portanto, a revolução é parar esse trem antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Finalmente, como entra a teologia da libertação, outro foco de seus estudos, em tudo o que foi discutido aqui? E o que pensa do papa Francisco?

Michel Löwy: Eu vou voltar um instante ao meu livro, A Jaula de Aço, que tem um capítulo chamado “A ética católica e o espírito do capitalismo”. Nele, procuro mostrar que Weber nunca escreveu um livro sobre o catolicismo, nem mesmo um artigo, mas ele tem algumas indicações pra explicar por que a ética católica não se dá bem com o capitalismo. Ele diz que a ética católica não consegue se entrosar, e resiste, ao caráter impessoal do capitalismo. Sempre aparece, volta e meia, uma atitude de hostilidade ou de antipatia da ética católica para com o capitalismo. É claro que tal hostilidade, durante muito tempo, veio pela direita.

A história da América Latina, nos últimos 40, 50 anos, tem muito a ver com a chamada teologia da libertação, que, a meu ver, é cristianismo da libertação. Tivemos a revolução sandinista, o movimento operário-camponês brasileiro, o levante de Chiapas, todos com elementos muito fortes desse cristianismo da libertação. E apareceram figuras impressionantes, bispos como Oscar Romero, Samuel Ruiz, também leigos, como o Plinio Arruda Sampaio, socialista cristão e figura extraordinária.

A teologia da libertação é, assim, uma dimensão fundamental da história das lutas e revoluções contemporâneas. Claro que, nos últimos 20 anos, houve uma dura campanha do Vaticano pra marginalizar e desmantelar tal movimento. O que foi obra de João Paulo II e Bento XVI. Não conseguiram fazê-la ruir inteiramente, mas reduziram seu espaço.

Quando o Francisco foi eleito, não esperava grande coisa. Considerando seu passado na Argentina, não tinha muita expectativa. Mas me enganei. Ele surpreendeu com uma série de iniciativas corajosas. Dentre outras, ele escreveu um texto muito crítico do capitalismo e convidou Gustavo Gutierrez, além de movimentos sociais, para irem ao Vaticano. Se puder continuar por mais anos, e não morrer misteriosamente, como João Paulo I, vai criar uma conjuntura nova, mais favorável ao cristianismo da libertação.

Obviamente, há uma resistência muito grande no Vaticano, de setores conservadores, que tentam barrar suas propostas. Como me narrou um amigo, a Opus Dei tem uma oração muito simbólica: “pai nosso que estais no céu, ilumine-o. Ou elimine-o”.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

CHAPECÓ: A OBVIEDADE DA ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 2016.

‘O certo é que não haverá novidade alguma numa disputa polarizada entre ''Direita e Esquerda' ou na mistura dessas duas forças que apresentam também crise de identidade.‘

Para quem não se ilude está claro o cenário para a próxima eleição. Tanto pelo viés natural dos fatos, boatos e sinalizações da conjuntura local quanto, pelos movimentos possíveis que podem ocorrer no tabuleiro sem grandes espantos. Tendo como base a ultima eleição ao governo do estado e o histórico das ultimas três disputas municipais:

Primeiro porque há muito tempo sabemos que o Vice Prefeito Luciano Buligon (PMDB) encostado pessoalmente pela conjuntura de 2012 como candidato a vice de José Caramori, não tem força politica eleitoral o que naturalmente o tira de uma disputa. Sem lágrimas, ranger de dentes e direito de reivindicar a cabeça da chapa. 

Segundo, o PSD do casal ‘dobradinha’ J. Rodrigues e G. Merisio tem força política, estrutura financeira e compromisso natural de apontar o candidato para cabeça de Chapa por se tratar de situação. E nesse cenário teriam pelo menos uns três nomes fortes para vencer as eleições novamente. Isso não se trata de jogar água fria em perspectivas eleitorais de ninguém, mas fazer uso da razão na leitura conjuntural sustentado no fato que não há (sim, não há) nenhuma articulação, ou projeto concreto na organização de base ha muito tempo de quem quer que seja para fazer frente a isso. 

Terceiro, a esquerda de Chapecó única força capaz de polarizar uma disputa com capacidade e chances de vencer, não tem convergência de ideias, projetos concretos e humildade necessária para primeiro reconhecer os limites e superá-los. Digo isso porque é a posição de cargo eletivo que se ocupa e não a estratégia que determina quem pode ser cabeça de chapa com unidade e desde o ano de 2008 uma unidade forçada, pelas circunstâncias e nunca por um projeto eleitoral concreto. Ou seja, a oposição municipal é quase um paradoxo, um movimento sobre si mesmo. Uma negação as origens, a ponto daquela esquerda de outrora que estudava conjunturas, estratégias e ações agora sabe tudo e acredita do auto de sua catedral de vidro que ainda pode ser canonizada pelos eleitores, porque se julga melhor que o demônio que governa há mais de uma década. Será?

Por fim, o resultado das ultimas eleições municipal, somado ao resultado da recente eleição para o governo do Estado temos dois cenários possíveis e uma remota via da novidade (sic) com pouca força: 

- a primeira pela ordem natural, os governistas após consulta de base e pesquisa medindo força política apontar como nome de sua liderança jovem Américo do Nascimento, por exemplo, mesmo diante do bando de urubus com pouco respaldo que salivam tirar um pedaço da ocasião. E para isso já traçaram a estratégia para isolar o Partido dos trabalhadores. Pois numa disputa polarizada, mesmo com a força que supostamente teriam a professora Carminatti e o Deputado Pedro Uczai pela votação que obtiveram. Isolados sem partidos aliados de apoio dificilmente crescem além do óbvio. Por isso, cite-se aqui: não será novidade alguma se por via da conveniência ou convergência estendida, se os velhos aliados como PCdoB, PDT forem convidados/orientados/forçados a compor na chapa da situação. Pois isso pode ter entrado no pacote de 2014 e nas pretensões que ainda estão na ordem dos ajustes e ambições. Mas se ainda não acreditam esperem para ver, pois não somos nós ‘opinistas’ de ocasião que definimos. 

- a segunda possibilidade é fruto da leitura conjuntural em que percebendo uma disputa mais acirrada e difícil, a alternativa de garantia possível seja o nome do Deputado Gelson Merísio como candidato a prefeito e para vice outra liderança do PSD (com o próprio A. Nascimento) para assumir em 2018 quando o mesmo sairá como candidato a Dep. Federal, teriam como a grande garantia de manterem-se no governo, já que as pretensões do ex-prefeito é o governo do estado. 

- terceiro seria a possibilidade de um empresário da cidade e ai teriam pelos menos uns cinco nomes de peso compondo chapa, embora seja uma possibilidade mais distante não se descarta principalmente numa condição de candidato a vice. ‘O certo é que não haverá novidade alguma numa disputa polarizada entre ''Direita e Esquerda' ou na mistura dessas duas forças que apresentam também crise de identidade.‘

Digo isso porque partidos como PMDB, PSDB, PR, DEM e todos os tentáculos menores desse polvo governamental não tem força politica para exigir nada. Nem mesmo para blefar com candidaturas próprias, pois a votação obtida por estes nas ultimas eleições diz: ''se contentem com o que lhes oferecer, porque vocês são quase insignificantes''. 

Até concordo que politica não se reduz a receita de bolo, (mas até por respeito à receita), mas os ingredientes estão todos ai esperando para ser misturado e levado ao forno. A digestão fica por conta de quem não se nega experimentar!

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Antropologia Filosófica - PUC/PR e PUCCamp/SP.



terça-feira, 9 de dezembro de 2014

EDUCAÇÃO: Conflitos na inserção do eletrônico!

''É triste perceber que no Brasil a Escola do Futuro parece ter envelhecida ontem, agoniza de madura e vai morrer de esperança pela forma lenta como se conduz!''

Aquilo que muitos especialistas, pedagogos, psicopedagogos tem apontado como problema em relação ao uso das tecnologias por parte dos alunos, deveria ser visto como proposição inadiável. A escola, precisa se desfazer da '’machadinha, da caixa de fósforo e do punhado de sal’’ usado outrora. 

Nós estamos no século XXI, conflitando com o aluno de 7 anos olhando para o século XXII e grande parte dos professores com o saudosismo do século passado da Caneta Bic (anos 50) como instrumento moderno de inserção na escrita,da máquina de datilografia na década de 80, ou mais o mais rudimentar e deprimente focados no primo distante da xerocadoras o velho mimeógrafo. 'É triste perceber que no Brasil a Escola do Futuro parece ter envelhecida ontem, agoniza de madura e vai morrer de esperança pela forma lenta como se conduz!'

Não dá para continuar apontando para o aluno como o problema por seus Ipad, Smartphone, Tablet e afins, quando precisamos suprir o atraso presente na estrutura das escolas, planos pedagógicos e dos próprios professores no uso dessas tecnologias também. Em relação ao Brasil, o francês Edgar Morin consultor da Unesco já afirmou há mais de uma década, que só daremos um salto quantitativo e qualitativo sobre um século de atraso na educação se assumirmos o compromisso da inserção maciça numa educação instrumentalizada com o mundo tecnológico que ai está. Mas, para isso é preciso investir em professores bem preparados para o ''Pensar Complexo''. 

Ambos, professores e alunos situados e sintonizados na 'Dialogia' que transcende a comunicação linear dialética. Algo que vai além da polaridade emissor-receptor. Em um processo de comunicação genuína, os envolvidos estão em uma relação de acoplamento estrutural, modificando-se e modificando aos outros. A dialogia permite o entrechoque de ideias, considerando como essencial a convivência com as contradições, entre estudante-estudante e estudante-professor, em um movimento espiral de troca e evolução das pessoas e daquilo que está sendo discutido. 

As ideias não faltam esta faltando coragem e ousadia para a transição necessária. Pois a escola precisa deixar o primitivo espaço de centro de adestramento já apontado pelo filósofo Antonio Gramsci, assim como a sala de professores o ‘cemitério’ onde se mata a esperança no jovem ou ‘tribunal’ onde se julga o comportamento de uma criança ou adolescente sumariamente com caso perdido. 

Do contrário pelo movimento incontrolável do tempo em que vivemos, e as tsunamis violentas de novas tecnologias podemos ter certeza que aquela escola da alfabetização inicial que instrumentaliza para a escrita e leitura precisará ser reaplicada ao final do ensino médico para milhões de jovens que desaprenderam a ler escrever morfologicamente em seus aparelhos eletrônicos ao esmagarem a escrita e silenciarem a leitura oral e o diálogo social. É aqui onde termina a vida do conhecimento e se apaga a vela no velório do futuro. Sem lágrimas, sem esperanças e sem sonhos!

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Antropologia Filosófica  - PUC/PR e PUCCamp/SP.



domingo, 23 de novembro de 2014

CARACTERÍSTICAS DO NOVO PARADIGMA COSMOLÓGICO EMERGENTE

''Como um todo, o universo é um sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares mais altos de vida e de ordem.''

Muito se fala hoje de quebra de paradigmas. Mas há um grande paradigma, formulado já há quase um século, que oferece uma leitura unificada do universo, da história e da vida. Ousamos apresentar algumas figuras de pensamento que o caracterizam.

1) Totalidade/diversidade: o universo, o sistema Terra, o fenômeno humano estão em evolução e são totalidades orgânicas e dinâmicas construídas pelas redes de interconexões das múltiplas diversidades. Junto com a análise que dissocia, simplifica e generaliza, faz-se mister síntese pela qual fazemos justiça a esta totalidade. É o holismo, não como soma, mas como a totalidade das diversidades orgânicamente interligadas.

2) Interdependência/re-ligação/autonomia relativa: todos os seres estão interligados pois um precisa do outro para existir e coevoluir. Em razão deste fato há uma solidariedade cósmica de base que impõe limites à seleção natural. Mas cada um goza de autonomia relativa e possui sentido e valor em si mesmo.

3) Relação/campos de força: todos os seres vivem numa teia de relações. Fora da relação nada existe. Junto com os seres em si, importa captar a relação entre eles. Tudo está dentro de campos pelos quais tudo tem a ver com tudo. 4) Complexidade/interioridade: tudo vem carregado de energias em diversos graus de intensidade e de interação. Matéria não existe. É energia altamente condensada e estabilizada e quando menos estabilizada como campo energético. Dada a interrelacionalidade entre todos, os seres vem dotados de informações cumulativas, especialmente os seres vivos superiores, portadores do código genético. Este fenômeno evolucionário vem mostrar a intencionalidade do universo apontando para uma interioridade, uma consciência supremamente complexa. Tal dinamismo faz com que o universo possa ser visto como uma totalidade inteligente e auto-organizante. Quanticamente o processo é indivisível mas se dá sempre dentro da cosmogênese como processo global de emergência de todos os seres. Esta compreensão permite colocar a questão de um fio condutor que atravessa a totalidade do processo cósmico que tudo unifica, que faz o caos ser generativo e a ordem sempre aberta a novas interações (estruturas dissipativas de Prigogine). A categoria Tao, Javé e Deus heuristicamente poderiam preencher este significado.

4) Complementariedade/reciprocidade/caos: toda a realidade se dá sob a forma de partícula e onda, de energia e matéria, ordem e desordem, caos e cosmos e, a nível humano, da forma de sapiens e de demens. Tal fato não é um defeito, mas a marca do processo global. Mas são dimensões complementares.

5) Seta do tempo/entropia: tudo o que existe, pre-existe e co-existe. Portanto a seta do tempo confere às relações um caráter de irreversibilidade. Nada pode ser compreendido sem uma referência à sua história relacional e ao seu percurso temporal. Ele está aberto para o futuro. Por isso nenhum ser está pronto e acabado, mas está carregado de potencialidades. A harmonia total é promessa futura e não celebração presente. Como bem dizia o filósofo Ernst Bloch: “o gênesis está no fim e não no começo”. A história universal cái sob a seta termodinâmica do tempo, quer dizer: nos sistemas fechados (os bens naturais limitados da Terra) deve-se tomar em conta a entropia ao lado da evolução temporal. As energias vão se dissipando inarredavelmente e ninguém pode nada contra elas. Mas o ser humano pode prolongar as condições de sua vida e do planeta. Como um todo, o universo é um sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares mais altos de vida e de ordem. Estes escapam da entropia (estruturas dissipativas de Prigogine) e o abrem para a dimensão de Mistério de uma vida sem entropia e absolutamente dinâmica.

6) Destino comum/pessoal: Pelo fato de termos uma origem comum e de estamos todos interligados, todos temos um destino comum num futuro sempre em aberto. É dentro dele que se deve situar o destino pessoal e de cada ser, já que em cada ser culmina o processo evolucionário. Como será este futuro e qual seja o nosso destino terminal caem no âmbito do Mistério e do imprevisível.

7) Bem com cósmico/bem comum particular: O bem comum não é apenas humano mas de toda a comunidade de vida, planetária e cósmica. Tudo o que existe e vive merece existir, viver e conviver. O bem comum particular emerge a partir da sintonia com a dinâmica do bem comum universal.

8) Criatividade/destrutividade: O ser humano, homem e mulher, no conjunto dos seres relacionados e das interações, possui sua singularidade: é um ser extremamente complexo e co-criativo porque intervem no ritmo da natureza. Como observador está sempre inter-agindo com tudo o que está à sua volta e esta inter-ação faz colapsar a função de onda que se solidifica em partícula material (princípio de indeterminabilidade de Heisenberg). Ele entra na constituição do mundo assim como se apresenta, como realização de probabilidades quânticas (partícula/onda). É também um ser ético porque pode pesar os prós e os contras, agir para além da lógica do próprio interesse e em favor do interesse dos seres mais débeis, como pode também agredir a natureza e dizimar espécies (nova era do antropoceno).

9) Atitude holístico-ecológica/antropocentrismo: A atitude de abertura e de inclusão irrestrita propicia uma cosmovisão radicalmente ecológica (de panrelacionalidade e re-ligação de tudo), superando o histórico antropocentrismo. Favorece outrossim sermos cada vez mais singulares e ao mesmo tempo, solidários, complementares e criadores. Destarte estamos em sinergia com o inteiro universo, cujo termo final se oculta sob o véu do Mistério situado no campo da impossibilidade humana.

10) O possível se repete. O impossível acontece: o Mistério.


Por Leonardo Boff, autor da recente obra 'A grande transformação na economia, na política e na ecologia', Vozes 2014.

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com

terça-feira, 18 de novembro de 2014

AQUELA EDUCAÇÃO SOFRIDA E ESTA SONHADA COM A RAZÃO!

''Um transfigurar, daquela educação sofrida para esta sonhada sobre o travesseiro da razão, alimentada pela esperança inesgotável e exercitada na prática pelos que nunca se cansam.''

Inegável que ainda andamos devagar em relação à pressa que temos e precisamos ter. Buscando nos encontrar a caminho, minimizar em partes o sofrimento secular da exclusão e cuidar dessas feridas abertas pela elite colonial. Mas podemos nos mover por tantas certezas que nos faz sonhar sempre mais! 

- A certeza de que estamos menos desolados e mais esperançosos, porque podemos contemplar mais luzes para a Educação. Já não temos mais 34,6 mil escolas do ensino fundamental no Brasil sem acesso à energia elétrica e o mínimo de estrutura e dignidade como havia no inicio do ano de 2003 ao fim da tragédia governamental do sociólogo weberiano neoliberal. 

- Aquela certeza corajosa de afirmar que precisamos avançar muito mais, na forma quantitativa e qualitativa, pois o Brasil de hoje não comporta mais esperar pelas ''novas'' ideias já envelhecidas com os debates de sempre. É hora de avançar sobre o acúmulo do que vem sendo pensado nos últimos anos, e tudo que vier a caminho será bagagem de acréscimo, ajustes e proposições futuras gestadas na dialética educador/educando. 

- Aquela certeza adocicada ao olhar para uma criança iniciando a sua vida Escolar e saber que ela terá um ciclo completo de inclusão a sua frente. Sem as barreiras seculares do exclusivismo elitista que por quinhentos anos excluía os filhos de escravos, caboclos, indígenas, o filho do operário, do lavrador, da lavadeira, da costureira de chegar a universidade ou a escola técnica e ser tornar doutor. 

E tantas outras certezas positivas se acumulando diariamente a nossa história recente, fruto da persistência dos que nunca deixam de sonhar e nunca se dão por entregues e prontos. Pois foi essa inquietude que nos educou, nos educa e continuara educando no renovar constante de esperanças. 

Na certeza de que o melhor para a Educação esta sempre por vir, porque nos retroalimentamos na maior das certezas: a de que ela não virá sozinha, porque buscar e propor é parte de nós – de todos nós! 

Como bem disse o professor Gabriel Perissé: ''Educação será salvação na medida em que, além de avaliar e pensar, discutir e propor, todos os ministros se sintam ministros da Educação, todos os professores se sintam revolucionários em ação’’ e todo cidadão uma escola em permanente reforma-forma-ação! - 'Um transfigurar, daquela educação sofrida para esta sonhada sobre o travesseiro da razão, alimentada pela esperança inesgotável e exercitada na prática pelos que nunca se cansam.' 

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Antropologia Filosófica Existencial

domingo, 9 de novembro de 2014

Política e Diálogo no contexto da reeleição de Dilma Rousseff

''Alguém precisa ser inimigo de si mesmo para estar contra tais propósitos. A arte dessa dialogação é reencantar a política das coisas e seduzir as pessoas para esse sonho de grandeza ética.''

A reeleição de Dilma Rousseff propicia reflexões sobre as várias formas de se fazer política partidária. Fazer política é buscar ou exercer concretamente o poder. Que fique claro o que Max Weber escreveu em seu famoso texto A Política como Vocação: “Quem faz política busca o poder. Poder, ou como meio a serviço de outros fins ou poder por causa dele mesmo, para desfrutar do prestígio que ele confere”.

Esse último modo de poder político foi exercido, por quase todo o tempo de nossa história, pelas classes dominantes a fim de se beneficiarem dele, esquecendo que o sujeito de todo o poder é o povo. Trata-se do famoso patrimonialismo tão bem denunciado por Raimundo Faoro em seu clássico Os donos do poder.

Vejo cinco formas de exercício de poder:

Primeiro, a política do punho fechado.Trata-se do poder exercido de cima para baixo e de forma autoritária. Há um só projeto político, aquele do detentor do poder que pode ser um ditador ou uma classe dominante. Eles simplesmente impõem o projeto e esmagam os alternativos. Foi o que mais vigorou na história brasileira, especialmente sob a ditadura militar.

Segundo, a política do tapinha nas costas. É uma forma disfarçada de poder autoritário. Mas diferencia-se do anterior porque este se abre aos que estão fora do poder mas para atrelá-los ao projeto dominante. Recebem algumas vantagens, desde que não constituam outro projeto alternativo. É a conhecida política paternalista e assistencialista que desfibrou a resistência da classe operária e corrompeu tantos artistas e intelectuais. Funcionou entre nós especialmente a partir de Vargas em diante.

Terceiro, a política das mãos estendidas. O poder é distribuido entre vários portadores que fazem alianças entre si sob a hegemonia do mais forte. Há alianças entre o partido vencedor com os demais partidos aliados para garantir a governabilidade. É o presidencialismo de coalizão parlamentar. Esse tipo pode criar favorecimentos, disputas de postos importantes no Estado e mesmo a corrupção. Foi o que ocorreu nos últimos anos.

Quarto, a política das mãos entrelaçadas. Parte-se do fato básico de que o poder está difuso nos movimentos e instituições da sociedade civil e não apenas na sociedade política, nos partidos e no Estado. Esse poder social e político pode convergir para algo benéfico para todos. Trata-se da grande discussão atual que prevê a participação dos movimentos sociais e dos conselhos para junto com o Parlamento e o Executivo definirem políticas públicas. Busca-se uma democracia participativa que enriquece a representativa. Negar esta forma é não querer democratizar a democracia e permanecer na atual que é de baixa intensidade.

Especificando: a política das mãos entrelaçadas acontece quando o chefe de Estado se propõe a uma ampla dialogação com todos os segmentos afim de repactuar os atores sociais ao redor de um projeto comum mínimo. O pressuposto é: aquém e além das diferenciações e dos interesses conflitantes, existe na sociedade, a idéia de que país queremos, a solidariedade mínima, a busca do bem comum, a observância de regras consentidas e o respeito a valores de sociabilidade sem os quais viraríamos uma matilha de lobos. As mãos estendidas podem se entrelaçar coletivamente. Mas para isso, precisa-se do exercício do diálogo que implica ouvir a todos e buscar convergências na linha do ganha-ganha e não do ganha-perde. É a ética na política e da boa política verdadeiramente democrática.

Por fim temos a ver com política enquanto sedução no melhor sentido da palavra, subjacente à proposta da Presidenta Dilma. Ela propõe um diálogo aberto com todos os atores políticos, também da área popular. Urge seduzir aqueles 48% que voltaram no candidato da oposição em vista de um projeto de Brasil que beneficie a todos a partir da inclusão dos mais penalizados, da criação de desenvolvimento ecológica e socialmente sustentado que gere empregos, melhores salários, redistribuição de renda, crie um transporte decente e mais segurança para os cidadãos, além do cuidado para com a natureza e a potenciação de um horizonte de esperança para o povo poder se reencantar com a política.

'Alguém precisa ser inimigo de si mesmo para estar contra tais propósitos. A arte dessa dialogação é reencantar a política das coisas e seduzir as pessoas para esse sonho de grandeza ética.'

Para isso é obrigatório olhar para frente. Quem ganhou a eleição deve mostrar magnanimidade e quem a perdeu, humildade e disposição de colaborar visando ao bem comum.

É idealismo? Sim, mas no seu sentido profundo. Uma sociedade não pode viver só de estruturas, burocracia e disputas ideológicas em torno do poder. Tem que alimentar sonhos de melhoria permanente que inclua e beneficie, o mais possível, a todos para superar a nossa espantosa desigualdade social.

Razão têm as comunidades eclesiais de base quando cantam: “Sonho que se sonha só, é pura ilusão. Sonha que se sonha juntos é sinal de solução. Então, vamos sonhar juntos, sonhar em mutirão”.

Esta é a convocação supra-partidária que a Presidenta Dilma está fazendo ao Parlamento, aos movimentos populares e a toda a nação. Só assim se esvazia o discurso das divisões, dos preconceitos contra certas regiões e se sanam as chagas produzidas no ardor da campanha eleitoral com todos os seus excessos de parte a parte.

Por Leonardo Boff, autor de 'Que Brasil queremos', Vozes, Petrópolis 2000

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM PARTICIPAÇÃO POPULAR

''Não é os 'Conselhos de Participação Social' que representam uma ameaça a Estado Democrático, mas sim a 'turba' suja e plutocrata que ' ocupa a estrutura legislativa do país.''

Votar contra os 'Conselhos de Participação Social' no governo é votar em favor da ignorância. É deslegitimar uma construção histórica comprovadamente eficaz de participação e cidadania por uma razão obtusa relegada ao fracasso eleitoral nos estados de origem. É preciso dar uma basta nestes sistema de mascataria em que foi transformado a câmara federal dos deputados onde se vota em conformidade com as mazelas que se recebe em troca.

Por isso todo aplauso pela votação contrária aos Conselhos Populares é um abraço no 'senso comum'  de um debate sério e propositivo. O achismo raivoso, nocivo e leviano amordaça a verdade e acaba por esconder o óbvio que esta em nossa  frente. Não faz sentido debater contrariedades com um olhar distante da realidade que esta ao nosso lado, ou em nosso meio social. 

Quem nunca ouviu falar ou participou de Conselho de Escola, Conselhos de Creches, Conselho de Moradores, Conselhos Municipais de Saúde, Cultura, Assistência Social e Transporte. Os Conselhos Universitários, Conselhos Tutelares entre tantos outros conselhos.

Um país que eleva ao legislativo esse tipo de representante político é um país miserável de consciência. Esses ignorantes que votaram contra o Decreto 8.243/2014 (Política Nacional de Participação Social – PNPS), não chegaram ao legislativo em Brasília através de um sorteio 'Rifa' ou jogo de 'Bingo' comunitário. Em grande parcela Eles chegaram até lá por uma ameaça muito maior a democracia participativa que através e a serviço do aparelho de exclusão que tem como combustível a iniciativa privada e os ganchos eleitorais.

Não é os 'Conselhos de Participação Social' que representam uma ameaça a Estado Democrático, mas sim a 'turba' suja e plutocrata que ' ocupa a estrutura legislativa do país e que votou contra o decreto que propunha os 'Conselhos Populares'. São eles próprios a maior das ameaças que se pode ter na democracia.

É preciso lutar até o último grito para que a voz do povo esteja presente nas mais diversas relações de governabilidade de um país democrático fazendo valer a legitimidade dos 'Conselhos de Participação Social'. Pois legitimar esse direito democrático é objetivar o nosso papel de cidadania.

Enquanto alguns gritam pela volta da ditadura, sejamos nós a voz democrática e majoritária dos que buscam ampliar os passos de inserção e liberdade.

Neuri A. Alves - Professor e Pesquisador Licenciado em Filosofia e História. - Curioso do mundo!

sábado, 1 de novembro de 2014

QUÃO “CORDIAL” É O POVO BRASILEIRO?

''Quem seguiu as redes sociais, se deu conta dos níveis baixíssimos de polidez, de desrespeito mútuo e até falta de sentido democrático como convivência com as diferenças. (...) Não devemos nem rir nem chorar, mas procurar entender.''

Dizer que o brasileiro é um “homem cordial” vem do escritor Ribeiro Couto, expressão generalizada por Sérgio Buarque de Holanda em seu conhecido livro: “Raizes do Brasil” de 1936 que lhe dedica o inteiro capítulo Vº. Mas esclarece, contrariando Cassiano Ricardo que entendia a “cordialidade”como bondade e a polidez, que “nossa forma ordinária de convívio social é no fundo, justamente o contrário da polidez”(da 21ª edição de 1989 p. 107). Sergio Buarque assume a cordialidade no sentido estritamente etimológico: vem de coração. O brasileiro se orienta muito mais pelo coração do que pela razão. Do coração podem provir o amor e o ódio. Bem diz o autor:”a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”(p.107).

Escrevo tudo isso para entender os sentimentos “cordiais” que irromperam na campanha presidencial de 2014. Houve por uma parte declarações de entusiasmo e de amor até ao fanatismo para os dois candidatos e por outra, de ódios profundos, expressões chulas por parte de ambas as partes do eleitorado. Verificou-se o que Buarque de Holanda escreveu: a falta de polidez no nosso convívio social.

Talvez em nenhuma campanha anterior se expressaram os gestos “cordiais” dos brasileiros no sentido de amor e ódio contidos nesta palavra. Quem seguiu as redes sociais, se deu conta dos níveis baixíssimos de polidez, de desrespeito mútuo e até falta de sentido democrático como convivência com as diferenças. Essa falta de respeito repercutiu também nos debates entre os candidatos, transmitidos pela TV. Por exemplo, que um dos candidatos chame a Presidenta do país de “leviana e mentirosa” se inscreve dentro desta lógica “cordial”, embora revele grande falta de respeito diante da dignidade do mais alto cargo da nação.

Para entender melhor esta nossa “cordialidade” cabe referir duas heranças que oneram nossa cidadania: a colonização e a escravidão. A colonização produziu em nós o sentimento de submissão, tendo que assumir as formas políticas, a lingua, a religião e os hábitos do colonizador português. Em consequência criou-se a Casa Grande e a Senzala. Como bem o mostrou Gilberto Freyre não se trata de instituições sociais exteriores. Elas foram internalizadas na forma de um dualismo perverso: de um lado os senhor que tudo possui e manda e do outro o servo que pouco tem e obedece ou também a hierarquização social que se revela pela divisão entre ricos e pobres. Essa estrutura subsiste na cabeça das pessoas e se tornou um código de interpretação da realidade e aparece claramente nas formas como as pessoas se tratam nas redes sociais.

Outra tradição muito perversa foi a escravidão. Cabe recordar que houve uma época, entre 1817-1818, em que mais da metade do Brasil era composta de escravos (50,6%). Hoje cerca de 60% possui algo em seu sangue de escravos afro-descendentes. O catecismo que os padres ensinavam aos escravos era “paciência, resignação e obediência”; aos escravocratas se ensinava “moderação e benevolência” coisa que, de fato, pouco se praticava.

A escravidão foi internalizada na forma de discriminação e preconceito contra o negro que devia sempre servir. Pagar o salário é entendido por muitos ainda como uma caridade e não um dever, porque os escravos antes faziam tudo de graça e, imaginam que devem continuar assim. Pois desta forma se tratam, em muitos casos, os empregados e empregadas domésticas ou os peões de fazendas. Ouvi de um amigo da Bahia que escutou uma senhora, moradora de um condomínio de alta classe dizer:”os pobres já recebem a bolsa-família e além disso creem que têm direitos”. Eis a mentalidade da Casa Grande.

As consequências destas duas tradições estão no inconsciente coletivo brasileiro em termos, não tanto de conflito de classe (que também existe) mas antes de conflitos de status social. Diz-se que o negro é preguiçoso quando sabemos que foi ele quem construiu quase tudo que temos em nossas cidades. O nordestino é ignorante, porque vive no semi-árido sob pesados constrangimentos ambientais, quando é um povo altamente criativo, desperto e trabalhador. Do nordeste nos vêm grandes escritores, poetas, atores e atrizes. No Brasil de hoje é a região que mais cresce economicamente na ordem de 2-3%, portanto, acima da média nacional. Mas os preconceitos os castigam à inferioridade.

Todas essas contradições de nossa “cordialidade” apareceram nos twitters, facebooks e outras redes sociais. Somos seres contraditórios em demasia.

Acrescento ainda um argumento de ordem antropológico-filosófica para compreender a irrupção dos amores e ódios nesta campanha eleitoral. Trata-se da ambiguidade frontal da condição humana. Cada um possui a sua dimensão de luz e de sombra, de sim-bólica (que une) e de dia-bólica (que divide). Os modernos falam que somos simultaneamente dementes e sapientes (Morin), quer dizer, pessoas de racionalidade e bondade e ao mesmo tempo de irraconalidade e maldade. 

A tradição cristã fala que somos simultaneamente santos e pecadores. Na feliz expressão de Santo Agostinho: cada um é Adão, cada um é Cristo, vale dizer, cada um é cheio de limitações e vícios e ao mesmo tempo é portador de virtudes e de uma dimensão divina. Esta situação não é um defeito mas uma característica da condition humaine. Cada um deve saber equilibrar estas duas forças e na melhor das hipóteses, dar primazia às dimensões de luz sobre as de sombras, as de Cristo sobre as do velho Adão.

Nestes meses de campanha eleitoral se mostrou quem somos por dentro, “cordiais” mas no duplo sentido: cheios de raiva e de indignação e ao mesmo tempo de exaltação positiva e de militância séria e auto-controlada.

Não devemos nem rir nem chorar, mas procurar entender. Mas não é suficiente entender; urge buscar formas civilizadas da “cordialidade” na qual predomine a vontade de cooperação em vista do bem comum, se respeite o legítimo espaço de uma oposição inteligente e se acolham as diferentes opções políticas. 

O Brasil precisa se unir para que todos juntos enfrentemos os graves problemas internos e externos (guerras de grande devastação e a grave crise no sistema-Terra e no sistema-vida), num projeto por todos assumido para que se crie o que se chamou de o Brasil como a “Terra da boa Esperança”(Ignacy Sachs).

Leonardo Boff escreveu “O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na consstrução da realidade”, Vozes, Petrópolis 1998.

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com
Publicado 31/10/2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OS LEGISTUCANO CHAPAS NEGRAS DA OAB

"(...) eles querem ser mais direito de estado que o próprio 'Direito de Estado', ... são a negação da democracia, uma fraude afirmativa de demagogia. Eles parecem ser a vergonha da Instituição.''

Como usuário da ferramenta filosófica um amante da dialética este instrumento fundamental tenho como predileção o analise, o debate e o indispensável combate ao

legalismo sujo, putrefato, arrogante.

Costumo dizer que certificado de graduação superior não é atestado de inteligência, capacidade, educação para vida e cidadania, ainda mais quando o mesmo serve apenas como arma para ferir com vilania. Temos claro que Educação é algo mais profundo, sedimentado no seio da família, no terreno da cultura, no amadurecimento para a vida e os limites estabelecidos nas relações sociais para além de nós mesmos.

Remeto a inicial provocação ao fato que fazem alguns anos que acompanho um lamaçal de idiotices publicadas por gente graduada de modo especial na área de direito. De estudantes a advogados com 'Carteira da Ordem' agredindo de forma gratuita, vil e covarde a dignidade de pessoas comuns (como nordestinos, operários, pobres etc ) aos chefes de Estado como o Ex presidente Lula, a atual presidenta Dilma entre outros. E assim fazem abertamente pelos mais diversos perfis ou grupos de fascistoides espalhados nas redes sociais.

São arrogantes que se proclamam imunes a qualquer punição interna da entidade (código de ética da ordem) ou externa ( as leis) e assim passam os dias militando como fascistas nas redes sociais. Fazem questão de legitimar a estupidez, proporcional ao pouco que são assinando nome e número da 'Ordem dos Advogados do Brasil' como se isso fosse um atestado de 'direito' ao '’faço tudo isso por que posso fazer e nada pode me deter’’.

Porém, todo cidadão tem o compromisso e o dever de lutar pela dignidade sem se sentir coagido por quem quer que seja. Nós não nascemos para o silêncio, ao servilismo e não devemos nos calar. Principalmente para aqueles que deveriam estar a serviço da justiça e do direito a dignidade que qualquer cidadão tem num estado democrático como vivemos. Direito a dignidade não é Direito ao insulto gratuito, leviano que salta da insanidade de graduados.

Porque esses advogados 'Chapas Negras' , ou ainda estudantes de direito, tem ancorado nas redes sociais um legalismo putrefato de sentimentos como: inveja, rancor, vingança e preconceito pela vitória de Dilma nas eleições. O principio de justiça usado é o insulto, a degradação levianamente do outro por ser oponente ideológico, nascido em outro Estado ou região do país, em especifico o declarado eleitor da presidenta Dilma Rousseff.

Fato concluso! ... eles querem ser mais direito de estado que o próprio 'Direito de Estado', se acham os primeiros teóricos do Estado Democrático. Eles são a negação da democracia, uma fraude afirmativa de demagogia - Eles parecem ser a vergonha da Instituição.

Neuri A. Alves - Professor e Pesquisador Licenciado em Filosofia e História. Um atento curioso do mundo!

 

NOVA DIREITA SURGIU APÓS JUNHO

"Desaprendemos a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política (...)''

O "surto de impaciência" revelado pelas manifestações de junho de 2013 "provocou um surto simétrico e antagônico que é o surgimento de uma nova direita, um dos fenômenos mais importantes do Brasil contemporâneo. Uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política".

Quem faz a análise é o filósofo Paulo Eduardo Arantes, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo). Ele compara o que acontece aqui com a dinâmica nos Estados Unidos:

"A direita norte-americana não está mais interessada em constituir maiorias de governo. Está interessada em impedir que aconteçam governos. Não quer constituir políticas no Legislativo e ignora o voto do eleitor médio. Ela não precisa de voto porque está sendo financiada diretamente pelas grandes corporações", afirma.

Por isso, seus integrantes podem "se dar ao luxo de ter posições nítidas e inegociáveis. E partem para cima, tornando impossível qualquer mudança de status quo. Há uma direita no Brasil que está indo nessa direção", diz o filósofo.

Segundo ele, "a esquerda não pode fazer isso porque tem que governar, constituir maiorias, transigir, negociar, transformar tudo em um mingau". Nesse confronto, surge o que sociólogos nos EUA classificam como uma "polarização assimétrica", com um lado sem freios e outro tentando contemporizar.

Na avaliação de Arantes, o conceito de polarização assimétrica se aplica ao Brasil. "A lenga-lenga do Brasil polarizado é apenas uma lenga-lenga, um teatro. Nos Estados Unidos, democratas e liberais se caracterizam pela moderação - como a esquerda oficial no Brasil, que é moderada. O outro lado não é moderado. Por isso a polarização é assimétrica".

"Fora o período da eleição que é um teatro em se engalfinham para ganhar um lado só quer paz, amor, beijos, diálogo, tudo. Uma vez que se ganha, as cortinas se fecham e todo mundo troca beijos, ministérios e governa-se. Mas há um lado que não está mais interessado em governar", afirma.

JUNHO DE 2013

Arantes fez essa análise no final da tarde da quarta-feira (29), em palestra sobre as manifestações de junho de 2013 no 16º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, que acontece nesta semana em Campos do Jordão (SP).

O filósofo contestou a visão de protagonistas dos protestos, para quem o movimento não foi um raio em céu azul, já que foi precedido por várias rebeliões por melhoria no transporte público pelo país afora nos últimos anos.

Na opinião de Arantes, todos foram apanhados de surpresa: "Ninguém esperava que isso acontecesse, nem os próprios protagonistas, nessas proporções. Foi absolutamente inesperado. Não temos mais ouvido para decifrar qualquer sinal de alarme".

Ele criticou o que considerou uma tentativa de sufocar a originalidade do movimento de junho. Discutiu também a visão de que os protestos tiveram fôlego curto.

Citando o compositor Geraldo Vandré, o pensador Ernst Bloch (1885-1977), texto literário, documentário, o filósofo fez um desenho do país: "Desaprendemos a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política", disse.

Para ele, essa mudança se reflete em esgotamento de paciência: não dá mais para esperar. "E houve uma reviravolta também do outro lado". Daí a nova direita.

Paulo Eduardo Arantes, professor aposentado da USP, Doutorado de Troisième Cycle - Université de Paris X, Nanterre (1973). Conferencista nas áreas de Filosofia clássica alemã, Filosofia francesa contemporânea, Filosofia no Brasil, Cultura e Sociedade brasileira, Teoria Crítica do mundo contemporâneo.

Fonte: 
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