sexta-feira, 16 de agosto de 2013

UMA PROVA PARA OS PROFESSORES

Profª. Irene Reis dos Santos
Se você tem uma mente calma, será uma pessoa bela.
Se você é uma pessoa bela, criará um lar harmonioso.
Se o seu lar está em harmonia, sua nação se encontrará em ordem.
Se em sua nação há ordem, haverá paz no mundo.”  Lao Tsé

Se bem compreendida a profundidade das palavras de Lao Tsé[1], é possível começar a empreender verdadeiras mudanças na Educação. Pensemos: quanto do tempo escolar é destinado atualmente ao desenvolvimento humano?

Somos testemunhas impotentes de atentados protagonizados, em muitas ocasiões, por pessoas com formação acadêmica, o que incita em nós espanto e perplexidade. Os veículos de comunicação expõem cotidianamente feitos de criminosos que parecem não valorizar suas vidas, menos ainda a alheia. Matam de maneira atroz e ainda nos perguntamos retoricamente: por quê?

E para esta resposta que não se delineia concretamente somam-se muitas outras, para muitas indagações que povoam nossa mente: que padrão de beleza estamos criando?; até quando exaltaremos a beleza construída nas academias, nas clínicas de estética, expostas em desfiles de moda, a beleza exterior, enfim, sem observar de fato como está o interior de cada indivíduo que nos cerca?

No mundo corporativo sempre se culpa a Instituição pela permanência de ultrapassados modelos, como se ela fosse um ser abstratamente personificado, a quem possa ser imposto um julgamento. Talvez, confortavelmente, ignore-se que quando um indivíduo é diferente ou muda, promove a diferença e as mudanças, desde que não se amolde antes ao velho. Foi isto que se perguntou a antropóloga Margaret Mead[2]: “Quem disse que um pequeno grupo de pessoas comprometidas não pode mudar o mundo?”

As pessoas têm sonhos, objetivos pessoais? Como vão em busca deles? Quais são os modelos sociais de sucesso que os jovens vão escolher imitar? Em que circunstâncias a escola os ajuda nessa escolha? Os professores têm tempo (frente a todos os conteúdos elencados no planejamento) para perguntar aos alunos quais são seus ídolos, quais são seus modelos? Qual é para o aluno, o sentido da vida?

Sabe-se, por meio de ensinamentos do mundo publicitário que, uma ação individual leva a um comportamento contagiante. Por que, então, ainda não se investe fortemente em mudança de comportamento? Por que, nas escolas, continuamos tendo como base fórmulas tão antigas quanto entediantes? A quem convém que perdure este estado de coisas?

O sociólogo Jonathan Crane[3] propõe a ideia de que há um ponto chave na sociedade que deve ser observado e estudado de maneira crítica e atenciosa. Segundo ele, quando a quantidade de pessoas que servem como modelos sociais fica abaixo de 5%, a comunidade torna-se disfuncional, como demonstram os aumentos dos índices de gravidez na adolescência, abandono escolar, envolvimento com drogas e violência. Por outro lado, se o número de pessoas que servem como modelos (comerciantes, professores, gerentes) está entre 5% e 40%, as comunidades mantêm-se estáveis e funcionais.

Entre os jovens, quem hoje ousa sonhar em ser professor em países como Brasil ou Argentina? Do que mais precisamos para chegar à conclusão de que, salvo poucas exceções, vivemos em uma sociedade disfuncional? Coragem tem quem, diante de tal realidade, ainda procria, contrariando a ideia machadiana: “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.[4]

Apesar do esforço deste e de alguns em não transmitir nem perpetuar a miséria humana, outros o fazem e aí está nosso mundo com muitas crianças a serem formadas, conduzidas, preparadas. 

Assim, aos educadores não há alternativas senão facilitar seu desenvolvimento saudável, torná-las autônomas e capazes de trilhar seus próprios caminhos, respeitando o de outros.

Mas urge começar por um desenvolvimento pessoal, um investimento individual, reinventando-se, mudando e se transformando em um modelo social positivo e belo, digno de ser imitado.

Se, além de refletir, a proposta aqui fosse também responder as perguntas para nota de uma prova final, muitos de nós – educadores – já estaríamos reprovados e carregaríamos o peso do fracasso escolar. E, ainda que não valha nota, podemos nos livrar da sensação de fracasso se não mudarmos nada?

Profª. Irene Reis dos Santos
LETRAS PORTUGUÊS/ ESPAÑOL - USP
Professora, tradutora, autora, revisora, leitora crítica.
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- Lao tze, Laozi, Lao-tse ou Lao Tzu são pronúncias ocidentalizadas para o título do misterioso personagem da filosofia antiga chinesa, cujo nome real seria Li Er ou Lao Dan. 

[2] Margaret Mead foi uma antropóloga cultural norte-americana. Nasceu na Pensilvânia, criada na localidade de Doylestown por um pai professor universitário e uma mãe ativista social. 

[3] Jonathan Crane, sociólogo da Universidade de Illinois 

[4] Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance escrito por Machado de Assis, desenvolvido em princípio como folhetim, de março a dezembro de 1880, na Revista Brasileira, para, no ano seguinte, ser publicado como livro, pela então Tipografia Nacional. 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

SEM FILOSOFIA... NEM PENSAR!

Filosofar é pensar. Não um pensar qualquer. Não é um pensar solto no ar, perdido no mar, um ir-e-vir por aí. Não é jogar pôquer, apostar para ganhar tudo ou alguma coisa perder. Ou tudo perder e chorar sobre o pensamento derramado. 

Filosofia é pensar dia a dia no dia-a-dia. Pensar é desfiar o fio da meada. Penso, logo desconfio. Pensar a prece, a pressa, o peso, o passo, a pizza, o poço, o prato, a prata, o porquê do epitáfio, as razões do rififi. 

Filósofo é aquele que pára para pensar. Pára para não parar de pensar. Pensa para comer o pão com o suor de sua mente. Pensa, logo alonga, longínquo pensamento que o deixa tão perto de tudo. Filósofo só pára de pensar para pensar em que está pensando. 

Filosofal viver. Filosofal andar. Filosofal tropeçar. Filosofal cair, e encontrar na queda outros motivos para mais filosofar. Filosofal sentar sobre a pedra filosofal. Idéia tanto bate sobre a pedra, tanto bate até que o pensamento perdura. 

Filosofante caminhar, o homem sobre o elefante, o elefante sobre a terra, a terra sobre o vento, o vento filosofante venta para onde quer. O filosofante gigante sobre os ombros de um anão também verá mais longe. 

Filosofema retira algemas, descobre o filósofo da gema, faz nascer antenas, penetrar esquemas, abordar todos os temas, reler o poema, inspirar-se no cinema, valorizar o pequeno, o fenômeno, o dilema, remar contra ou a favor da maré. 

Filosofice é sempre um risco. Ninguém está livre de pensar contra o pensamento. Ninguém está livre de se aprisionar uma vez mais. Ninguém está livre de pensar que pensa, e despencar do altar que ergueu para si mesmo, confundindo filosofia com empáfia. 

Filosofismo é outro risco. Belo risco, afinal, porque somos todos capazes de filosofar. O filosofismo é a filosofia que virou jogada, pretexto, mania, suborno, insulto. O filosofista finge que pensa, e por isso parece pensar melhor que o próprio pensador. 

Filosófico texto, contanto que as palavras abram nossa mente e nos façam mentar o mundo. Que o texto filosófico não seja apenas manobra, cobra preparando o bote, veneno que paralisa o leitor e o devora pouco a pouco. 

Filosofar, enfim, é começar a pensar sem fim. É pensar quando não se pensa em nada, pensando em tudo. Pensar como sempre. Como nunca. 


Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP – Escrito em 21-Novembro de 2008
Fonte: Web Site: http://www.perisse.com.br/