quinta-feira, 20 de outubro de 2011


                                    A ressaca dos oportunistas                                         

Poucas vezes em Brasília tanto na câmara dos Deputados como no Senado foi possível ver materializado o que podemos chamar de Convicções, facilmente traduzidas em: “Sei o que faço aqui... porque faço isso; e assumo a responsabilidade na defesa do ministério.”
Orlando Silva deu um banho de iniciativa, honestidade, clareza, convicção, e de quebra desarmou o oportunismo político da oposição, esvaziou o discurso dos desesperados. Como num xeque-mate silenciou os papagaios da mídia marrom multiplicada no país de vagas idéias, de cidadãos adormecidos no profundo inconsciente coletivo reprodutivista das velhas falcatruas e maracutaias, praticadas pelos iguais. Muitos dos quais buscam sublimar o desespero de suas próprias contradições ideológicas nas tão ensaiadas e desconexas marchas contra a corrupção, abrindo um enorme abismo entre a realidade dos fatos e seus interesses pragmáticos.
Esta espécie de fissura em que o social se precipita na sociedade contemporânea empurrados pelos meios de comunicação de massa inverte a lógica dos processos. A lógica que impera não é mais a da troca de valor, e sim a do “abandono de posições de valor e de sentido”, segundo o filósofo francês Jean Baudrillard. E o pior: as massas resistem, inclusive, ao imperativo da comunicação racional, clamando somente pelo espetáculo, pelo canibalismo atrativo mediático como se nenhuma força pudesse convertê-las à seriedade dos conteúdos, nem mesmo à seriedade do código de realidade. (1985, p.58 - A sombra das Maiorias Solitárias).
De modo que tratar desta realidade simulada pela mídia, não seria mais o contágio do espetáculo que altera a realidade, mas, sim, o contágio do virtual que apaga a realidade, ACUSANDO inocentes e INOCENTADO bandidos, caso explícito e desesperado de quem acusa o ministro Orlando Silva. Nesse sentido, o cidadão deixa de ser espectador alienado e passivo, tornando-se figurante interativo. Gentis figurantes mumificados desse imenso reality show do cinismo político ideológico de aparelhos como a Globo, RVejas, Folha de São Paulo entre outros. Característica assumida de imprensa facista funcionando como sede partidária de forças políticas retrógadas da velha direita. Não se trata mais da lógica espetacular da alienação, mas da lógica espectral da desencarnação do individuo por estes órgãos de imprensa.
Contempla-se a miséria pública da opinião nestes dias de factóides do oportunismo dos textos pagos,  absorvido pela fiel inconsciência dos empobrecidos da realidade, que sedentos pelos mentirosos coquetéis silábicos que se desnudam diante de todos nós. Se transformam em rastejantes segmentado pela limitação que os impede de IR atrás da verdade e VER além do que se reproduz nestes veículos de imprensa no Brasil. Apresentando-se como espelhos envelhecidos pelos próprios reflexos, e que se reproduzem nas páginas de jornais locais em colunas reprodutivistas dos VIAL, dos PerroniS, testemunhas vivas da miséria de jornalismo impresso que temos por aqui.
Podemos erguer a bandeira de nossas verdades, o escudo ético de nossa história de 90 anos, para fazer sombra aos envergonhados das contradições silábicas, dos papagaios adestrados de nossa imprensa escrita, dos maratonistas de chavões sem compromisso com a verdade, dos remunerados de frases prontas. Pois mais cedo ou mais tarde até as folhas de jornais terão vergonha e repulsa pelas asneiras que eles produzem. Quem sabe o destino dos mesmos não seja viver da ressaca dos oportunistas, abandonados no vicio das falácias, enquanto o PCdoB permanecerá maior que a miséria terna e eterna de vós chauvinistas de plantão.
Neuri Alves
Vice-Presidente PCdoB Chapecó

segunda-feira, 17 de outubro de 2011


                                                    Haiti, País Ocupado                                             

Eduardo Galeano
Escritor e jornalista uruguaio

Tradução: ADITAL
28 de setembro de 2011


Consulte qualquer enciclopédia. Pergunte qual foi o primeiro país livre na América. Receberá sempre a mesma resposta: os Estados Unidos. Porém, os Estados Unidos declararam sua independência quando eram uma nação com seiscentos e cinquenta mil escravos, que continuaram escravos durante um século, e em sua primeira Constituição estabeleceram que um negro equivalia a três quintas partes de uma pessoa.

E se procuramos em qualquer enciclopédia qual foi o primeiro país que aboliu a escravidão, receberá sempre a mesma resposta: a Inglaterra. Porém, o primeiro paios que aboliu a escravidão não foi a Inglaterra, mas o Haiti, que ainda continua expiando o pecado de sua dignidade.

Os negros escravos do Haiti haviam derrotado o glorioso exército de Napoleão Bonaparte e a Europa nunca perdoou essa humilhação. O Haiti pagou para a França, durante um século e meio, uma indenização gigantesca por ser culpado por sua liberdade; porém, nem isso alcançou. Aquela insolência negra continua doendo aos amos brancos do mundo. Sabemos muito pouco ou quase nada sobre tudo isso.

O Haiti é um país invisível.

Somente ganhou fama quando o terremoto de 2010 matou a mais de duzentos mil haitianos. A tragédia fez com que o país ocupasse, fugazmente, as primeiras páginas nos meios de comunicação. O Haiti não é conhecido pelo talento de seus artistas, magos do ferro-velho capazes de converter o lixo em formosura; nem por suas façanhas históricas na guerra contra a escravidão e a opressão colonial.

Vale à pena repetir uma vez mais para que os surdos escutem: O Haiti foi o país fundador da independência da América e o primeiro a derrotar a escravidão no mundo. Merece muito mais do que a notoriedade nascida de suas desgraças. Atualmente, os exércitos de vários países, incluindo o meu [Uruguai], continuam ocupando o Haiti. Como se justifica essa invasão militar? Alegando que o Haiti coloca em perigo a segurança internacional.

Nada de novo.

Ao longo do século XIX, o exemplo do Haiti constituiu uma ameaça paras a segurança dos países que continuavam praticando a escravidão. Thomas Jefferson já havia dito: do Haiti provinha a peste da rebelião. Na Carolina do Sul [EUA], por exemplo, a lei permitia encarcerar qualquer marinheiro negro, enquanto seu barco estivesse no porto, devido ao risco de que pudesse contagiar com a peste antiescravagista. E no Brasil, esse peste se chamava ‘haitianismo'. No século XX, o Haiti foi invadido pelos ‘marines', por ser um país inseguro para seus credores estrangeiros.

Os invasores começaram a apoderar-se das alfândegas e entregaram o Banco Nacional ao City Bank de Nova York. E, já que estavam lá, ficaram por dezenove anos. O cruzamento da fronteira entre a República Dominicana e o Haiti se chama El Mal Paso. Talvez esse nome é um sinal de alarme: você está entrando no mundo negro, da magia negra, da bruxaria...

O vodu, a religião que os escravos trouxeram da África e que se nacionalizou no Haiti, não merece ser chamada de religião. Desde o ponto de vista dos proprietários da Civilização, onde não faltam fieis capazes de vender unhas de santos e penas do arcanjo Gabriel, conseguiu que essa superstição fosse oficialmente proibida em 1845, 1860, 1896, 1915 e 1942, sem que o povo prestasse atenção nisso.

Porém, desde alguns anos, as seitas evangélicas se encarregam da guerra contra a superstição no Haiti. Essas seitas vêm dos Estados Unidos, um país que não tem o Andar no. 13 em seus edifícios, nem a fila 13 em seus aviões, habitado por civilizados cristãos que creem que Deus criou o mundo em uma semana.

Nesse país, o predicador evangélico Pat Robertson explicou na televisão o terremoto de 2010. Esse pastor de almas revelou que os negros haitianos haviam conquistado a independência da França a partir de uma cerimônia vodu, invocando a ajuda do Diabo desde as profundezas da selva haitiana. O Diabo, que lhes deu a liberdade, enviou o terremoto como cobrança.

Até quando os soldados estrangeiros continuarão no Haiti? Eles chegaram para estabilizar e ajudar; porém, já se passaram sete anos e lá estão, desestabilizando esse país que não os aceita. A ocupação militar do Haiti está custando às Nações Unidas mais de oitocentos milhões de dólares ao ano.

Se as Nações Unidas destinassem esses fundos à cooperação técnica e à solidariedade social, o Haiti poderia receber um bom impulso ao desenvolvimento de sua energia criadora. E, assim, se salvaria de seus salvadores armados, que têm certa tendência a violar, matar e contagiar com enfermidades fatais.

O Haiti não necessita que ninguém venha a multiplicar suas calamidades. Tampouco necessita a caridade de ninguém. Como bem diz um antigo provérbio africano, a mão que dá está sempre por cima da mão que recebe.

Porém, o Haiti, sim, necessita de solidariedade, de médicos, de escolas, de hospitais e de uma colaboração verdadeira que torne possível o renascimento de sua soberania alimentar, assassinada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BM) e por outras sociedades filantrópicas.

Para nós, latino-americanos, essa solidariedade é um dever de gratidão: será a melhor maneira de dizer obrigado/a a essa pequena grande nação que, em 1804, nos abriu as portas da liberdade, com seu exemplo contagioso.
(Esse artigo é dedicado a Guillermo Chifflet, que foi obrigado a renunciar à Câmara de Deputados do Uruguai, quando votou contra o envio de soldados ao Haiti).

[Texto lido ontem pelo escritor uruguaio na Biblioteca Nacional, no marco da mesa-debate "Haití y la respuesta latinoamericana”, na qual participou juntamente com Camille Chalmers e Jorge Coscia].

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=60752