quinta-feira, 14 de julho de 2011



   Notas e conotações                                                                                          


Gabriel Perissé
 
Que notas ainda temos de “dar” aos nossos alunos? Notas musicais? Notas de rodapé? Notas fiscais?


As notas têm conotações nas quais nem sempre pensamos. Se “dou” nota 2 para um aluno meu... estou “dando” nota 2 para mim. Afinal, que professor sou eu que não consegue que um aluno obtenha mais do que a miserável nota 2?


Por outro lado, que triste vitória receber nota 10. Nota máxima demonstra que o aluno já chegou ao final, ao cume, já conquistou tudo. Ao passo que a nota 5, a nota 4 vêm carregadas de expectativas. Quanta coisa ainda a aprender e entender!

Conta-se que o filósofo Henri Bergson, ao divulgar as notas de seus alunos, fazia-o acrescentando comentários. Começava pelas notas mais baixas: 

— Pierre, nota 2. Quero destacar, no entanto, que as suas respostas foram muito originais, e algumas com um toque de ironia que me lembrou nosso Voltaire. Parabéns! Apesar de não corresponderem ao conteúdo pedido, suas considerações paralelas, errando o alvo, acertaram em cheio uma bela árvore. Pense em desenvolver o seu estilo literário. Você deve ter um grande poeta escondido em sua pena. Mais uma vez, meus parabéns! 

E assim ia, prodigalizando elogios e incentivos entre os “fracassados”. À medida que chegavam as notas mais altas, mudava o tom de voz, distribuía sérias críticas. Os primeiros colocados ouviam coisas assim: 

— Charles, nota 10. Entristece-me, porém, o modo como respondeu. Acertadamente, sem dúvida, mas sem um mínimo de reflexão. Não posso recriminá-lo pela exatidão quanto às informações, tampouco pela correção gramatical do seu texto. Lamento, contudo, que sua memória seja mais prodigiosa que sua imaginação. Esta sua vitória é a vitória dos que já sabem. Fica a minha esperança de que este sucesso não o afaste da busca da verdade, sempre mais arriscada! 

Possivelmente Bergson colocava em prática o pensamento de outro francês, Blaise Pascal. Para este, é necessário mostrar ao homem que ele não é anjo nem animal. Se alguém se exalta, devemos humilhá-lo. Se alguém se humilha, devemos exaltá-lo: “Contradigo-o sempre, até que ele compreenda que é um monstro incompreensível”. 

Talvez as notas musicais criem nova harmonia pedagógica. O que fazer? Dançar, tocar. Para você, Fá sustenido! Para você, Sol bemol maior! Para você, Si bemol menor! E agora... cantemos! 


Gabriel Perissé é coordenador pedagógico do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa) e autor do livro recém-lançado A arte de ensinar, pela Editora Montiei.