sexta-feira, 14 de maio de 2010

Contribuição para uma nova visão marxista do direito 

I PARTE

Leandro Alves *

Esse texto é a ultima parte - adaptada - do artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário", que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito.


Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.

A visão mais difundida no meio marxista acerca do direito é a que - por ser ele parte da superestrutura - o toma como mero reflexo das relações econômicas da sociedade. O modo produção da vida material condiciona a vida social e política, é, em última instância, o determinante absoluto do direito.

Entretanto, um dos próprios fundadores do marxismo nos alertou para esse erro. Engels foi enfático ao dizer que "A situação econômica é a base, mas os diversos fatores da superestrutura que sobre ela se levantam - as formas políticas e a luta de classes e seus resultados, as Constituições que, depois ganha uma batalha, a classe triunfante redige, etc., as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior destas até convertê-las em um sistema de dogmas - exercem também sua influência sobre o curso das lutas históricas e determinam, predominantemente em muitos casos, sua forma" ("Fios de Ariadne - Ensaios de interpretação marxista", Editora UPF, p.36).

O marxismo não é um materialismo mecânico, que entende que a consciência social fica reduzida às condições econômicas. Ao contrário, o marxismo é uma teoria viva e vale lembrar que já se passou o período de dogmas, receitas e manuais que tanto prejudicaram a evolução do nosso pensamento. O marxismo não pode enxergar o direito, simplesmente, como a lei - a forma jurídica. Esse é apenas o fenômeno, nós precisamos ir mais longe, devemos buscar a essência do direito, que tem relação direta com as relações sociais.

Em sua complexidade, fenômeno jurídico possui três dimensões fundamentais, quais sejam: a ciência jurídica - o ordenamento posto - a lei; a sociologia jurídica - os fatos sociais que o geram; e a filosofia jurídica - os valores sociais que lhes dão suporte. Cabe salientar que essas três dimensões não são estanques, havendo uma interpenetração entre as mesmas. Essas três dimensões formam o todo do fenômeno jurídico.

Toda ordem social pressupõe relações humanas. Para consolidação de determinada ordem, essas relações devem ser planejadas e devem possuir certa continuidade. Como e por quem serão planejadas dependerá do sistema social e político dessa sociedade. O direito faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos da sociedade. Essa mediação tem por fulcro consolidar valores numa sociedade especifica. Esses valores, por sua vez, são historicamente determinados pelas próprias relações sociais. E essas relações têm seus limites impostos pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas.

Sendo o direito um fenômeno social, ele não existe por si. Ao contrário, é obra dos seres humanos organizados em sociedade. Isso é fundamental para nossa compreensão. O direito não é algo acima da sociedade, mas é o resultado da relação entre os seres humanos.

Apresentei em meu artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário" os elementos que entendo que devem ser levados em conta para uma real apreensão do direito, quais sejam: a) a infra-estrutura ou base econômica, na qual incluo o grau de desenvolvimento das forças produtivas - em nível internacional e nacional; b) as instituições políticas - que compreendem Executivo, Legislativo, Judiciário, funções essenciais à Justiça, etc.; c) as instituições sociais - que abrangem as entidades sindicais, estudantis, comunitárias, enfim, os movimentos sociais em geral e a mídia; e, d) o grau de desenvolvimento da luta de classes, tanto internacional como nacional.

Além desses elementos, precisamos romper com a visão dogmática que o marxismo tem sobre o direito. Não é de hoje que um grande número de juristas progressistas defende essa opinião. Em sua obra Fabio Coelho questiona essa visão dogmática por parte dos marxistas. Diz ele:

Essa equação reducionista, esse economicismo, é uma deturpação simplificadora do marxismo marxista O modo de produção existente em uma sociedade é a sua base real no sentido de que condiciona as demais relações sociais. Não as determina, por certo; apenas a condiciona. As manifestações do espírito humano possuem o que se costuma chamar de relativa autonomia, de uma lógica interna que não se consegue entender apenas com o reporte às condições materiais da vida social". (Coelho, 2005: 08).

Mais adiante, Coelho diz:

Pela redução voluntarista, o Direito é visto como mera expressão dos interesses da classe dominante. Ignora -se, nessa perspectiva, o papel que as classes dominadas desempenham na história e a própria dinâmica da luta de classes. O Direito acompanha, com maior ou menor proximidade, os movimentos dessa luta. As concessões localizadas da burguesia e os avanços e as conquistas do proletariado estão presentes no condicionamento da produção normativa. Além disso, a classe dominante possui suas segmentações, seus projetos diferenciados, que compõem uma complexa rede de interesses, impossível de ser sintetizada na idéia de um Direito que atenda exclusivamente aos de uma classe social apenas. (Coelho: 2005, 8-9).

Na verdade achar que o direito é uma mera imposição das classes dominantes é desconsiderar o papel do proletariado e dos excluídos na luta de classes. Entre desejo da classe dominante e a imposição há um grande caminho a ser percorrido, que é o caminho da luta de classes. Dependendo do grau da organização da classe operária, bem como da correlação de forças em dado momento dessa luta, o resultado penderá para um ou outro lado. E mesmo dentro da classe dominante há frações de classes com interesses diferentes. Por isso é equivocado dizer que o direito é mero fruto da vontade das elites.

* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@hotmail.com
Fonte:http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Contribuição para uma nova visão marxista do direito

  II PARTE
 
Leandro Alves *
 

Para garantir a sobrevivência do ser humano e a execução de seus objetivos essenciais, é necessária a instauração de uma ordem. Seja ela capitalista, socialista, ou comunista. Para determinada sociedade alcançar seus objetivos, é necessário prever as relações e as situações possíveis, dando-lhes um direcionamento, um objetivo, que pode ser o lucro individual, que precisa da exploração para se perpetuar, ou o desenvolvimento de toda a humanidade, que precisa da socialização das riquezas produzidas coletivamente. O direito é o instrumento que cumpre a função de consolidar os objetivos de determinada sociedade. Ele funciona como mediador das relações sociais, econômicas e políticas; portanto, relações de poder. O direito tem um caráter socializador/educador; por consequência, serve como amálgama e guia da sociedade em desenvolvimento.

O espaço em que se dá a produção do direito é complexo e possui várias esferas, pois abrange o próprio produzir-se de determinada sociedade. O direito posto como está hoje, sob a hegemonia da burguesia, não pode exercer seu potencial mediador e organizador de determinada sociedade. Os entraves positivistas não permitem seu desenvolvimento pleno. Ou, como nos ensina o eminente professor Herkenhoff (2001: 16) “O positivismo reduz o direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que ela guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável”.

O positivismo jurídico – não importa sua variável – que fundamenta e estrutura o nosso pensamento jurídico é limitado para a apreensão da complexidade social. De maneira simples, podemos dizer que o positivismo, tem por pressuposto que só é direito aquilo que emana do Estado; portanto, só leva em conta as leis escritas de determinado Estado. Em nome de uma pseudo neutralidade, deixa a complexidade da realidade social fora de seu horizonte.

Como disse anteriormente, entendo o direito como um mecanismo que faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos de determinada sociedade, ou seja, ele tem um papel essencialmente político. Para fazer uma mediação que consiga apreender toda a complexidade social, o direito precisa estar permeável a todos os elementos que compõem essa sociedade.

A ciência e a filosófica marxista podem fazer com que o direito rompa com os entraves positivistas. Sob a ótica marxista, o direito tem que criticar a concepção positivista, levar em conta a totalidade da experiência humana, representando os diversos componentes da sociedade, os fatores culturais dos diferentes grupos sociais, os interesses das diferentes classes, os objetivos socialmente aceitos em determinada época, os valores ainda não aceitos, mas que detenham uma carga positiva rumo ao futuro da humanidade.
A ideia de tornar o direito permeável à complexidade do produzir e do reproduzir-se da sociedade não é uma novidade, existe uma série de “movimentos” nesse sentido. A Nova Escola de Direito, o chamado “Direito achado na rua” ou Direito Alternativo, e os “Abolicionistas” são exemplos importantes dessas tentativas. Há, com relação a esses movimentos, um grande desconhecimento por parte dos marxistas. Nós temos um vezo antigo, adoramos colocar um rótulo em pensamentos que não dominamos. Se determinado pensamento parece não estar dentro de nossa “cartilha”, colocamos um rótulo e, do alto de nossa sabedoria, decretamos sua invalidade.

Entendo que essa postura, por parte dos marxistas, por um lado só atrasou o desenvolvimento do direito e garantiu a supremacia dos intelectuais burgueses nesse campo. O objetivo de Lênin – que entendia o marxismo com uma teoria revolucionária e não como um dogma - e de todos os grandes marxistas ao longo da história foi construir e aperfeiçoar a teoria marxista dentro de suas realidades. Não podiam - nem queriam - prever o futuro. Tampouco criaram uma religião com dogmas inquestionáveis.

Não pretendo determinar todos os elementos para uma nova visão marxista sobre o direito. Seria uma contradição. Pretendo sim iniciar tal debate e apresentar duas convicções: a de que o marxismo tem importante papel para a evolução do direito e que o direito tem um grande papel na luta de classes. Entendo que nós, marxistas, temos um grande caminho a percorrer e muito que construir no campo do direito, mas para tanto, precisamos parar de mudar de nome as ruas do marxismo, bem como parar de pintar suas velhas paredes de vermelho, precisamos, sim, é atualizá-lo.

A teoria marxista pode fazer com que o direito dê um salto qualitativo frente à complexidade das relações sociais, tendo um papel importante na luta por uma sociedade realmente humana. Só o manancial teórico marxista está apto a captar toda a complexidade da realidade social, convertendo-a em uma verdadeira fonte de enriquecimento do direto. O marxismo pode utilizar todo o potencial que o direito – enquanto estruturador, mediador e orientador das relações políticas e sociais – pode oferecer em um processo longo de transição para uma sociedade socialista.

Esse texto é a ultima parte - adaptada - do artigo “Direito e Marxismo: um encontro necessário”, que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito. Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.

Disponibilizo aqui a bibliográfica completa do artigo Direito e Marxismo: um encontro necessário.

Referencias Bibliográfica:

Amin, Samir

- A via de desenvolvimento de orientação socialista. Anita Garibaldi. Janeiro. 2010.
Azevedo, Plauto Faraco de.

- Direito, Justiça social e Neoliberalismo. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999.

- Aplicação do direito e contexto social. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000.
Baptista Herkenhoff, João.

- Para onde vai o Direito?. Livraria do Advogado. 2001.
Coelho Ulhoa, Fábio.

- Direito e poder. Saraiva. São Paulo. 2005.
Engels, Friedrich.

- A “Contribuição à Crítica da Economia Política” de Karl Marx. Obras Escolhidas volume 1. Vitória.

- A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Vitória Limitada. Rio de Janeiro.
Gramsci, Antonio.

- Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2002.
Kosik, Karel.

- Dialética do Concreto. Paz e Terra. São Paulo. 1995.
Levi R., Madeleine e Tigar e. Michael.

- O Direito e a ascensão do capitalismo. Zahar. Rio de Janeiro. 1978.
Lyra Filho, Roberto.

- O que é Direito. Brasiliense. São Paulo. 1995.
Lumia , Giuseppe.

- Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Martins Fontes. São Paulo. 2003.
Martins Antunes, Marcus Vinicius.

- Engels e o Direito. Fios de Ariadne ensaios de interpretação marxista. UPF.
Mello, Marcus Bernardes de.

- Teoria do Fato Jurídico. Saraiva. São Paulo. 2007.
Pachukanis, Bronislavoviv Evgenij.

- A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Acadêmica. São Paulo. 1988.
Stucka Iva, Petr Ivanovich.

- Direito e Luta de Classes. Acadêmica. São Paulo. 1988.

* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@hotmail.com
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Pensando com a própria cabeça

Ronaldo Carmona *

A viagem do presidente Lula ao Irã neste fim de semana é expressão simbólica do crescente protagonismo brasileiro no cenário internacional, no qual os brasileiros passam a ver crescentemente refletida sua geografia e sua demografia. 

 

O papel de mediação exercido pelo Brasil quanto a questão iraniana, tem a ver, antes de tudo, com seu próprio interesse: garantir que existam condições internacionais favoráveis ao uso de energia nuclear com fins pacíficos nos países em desenvolvimento, num contexto de mudança de matriz energética que o mundo verá no próximo período.

Lula desembarca em Teerã no sábado a noite, após intensa pressão dos países centrais, em especial dos Estados Unidos, para que o país não se envolvesse no assunto, ou pelo menos, caso se envolvesse, que o fosse seguindo a posição destes países. Muito papel e tinta foi gasto “recomendando” que o Brasil não se envolvesse em assunto tão árido, “tão longe do território nacional”.

Num ponto alto da pressão – e da deselegância diplomática –, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton chegou a dizer em Brasília que o Brasil estava sendo ingênuo ao defender solução pacifica para a questão iraniana. Ao que, foi respondida por funcionários brasileiros, que mais ingênuo ainda seria acreditar em relatórios de inteligência, como aqueles que “provavam” a existência de armas de destruição em massa no Iraque – aliás, jamais descobertas simplesmente porque jamais existiram.

O fato é que está em curso movimento para restringir o uso de tecnologia nuclear para fins de produção de energia por países em desenvolvimento, com objetivos, dentre outros fatores, de restringir o mercado de fornecimento de urânio enriquecido. Aqui, sobrariam umas poucas empresas fornecedoras, não por acaso de nacionalidade norte-americana e européia, num sistema de oligopólio internacional, sob argumento da “segurança” e da “não-proliferação”.

O Brasil, recordemos, travou intensa luta para dominar a tecnologia nuclear. O governo Gaisel chegou a denunciar um acordo militar com os EUA para garantir “margem de manobra” para prosseguirmos o desenvolvimento de tecnologia autóctone. A pressão que hoje sofre o Irã para impedi-lo de desenvolver tecnologia nuclear com fins pacíficos, aliás, é bastante similar à pressão sofrida pelo Brasil nos anos ’70.

O Brasil também mostrou pensar com cabeça própria quando, no âmbito da Unasul fez chegar contundente recado à União Européia, e mais especificamente à Espanha, de que era inaceitável a presença do presidente hondurenho Pepe Lobo na Cúpula Europa – América Latina que se realiza na próxima semana na capital espanhola.

Afinal, Honduras, segue vivendo algo muito parecido a um Estado de exceção. Lembre-se que o presidente deposto, Manuel Zelaya, segue exilado em Santo Domingos, proibido de voltar ao país, sob ameaça de prisão. Não se permite a organização de uma força política liderada pelo ex-presidente, que, gostem ou não os reacionários, expressa parcela expressiva da população hondurenha.

A reunião da Unasul, semana passada em Buenos Aires, aliás, marcou passos na consolidação do pólo sul-americano, da busca regional em pensar com a própria cabeça.

Representativo disto é o fato de que, mesmo em áreas sensíveis, como segurança e defesa, sai o panamericanismo viúvo da guerra fria, entrando em seu lugar estruturas regionais próprias. Entram em decadência organismos hemisféricos, como a JID (Junta Interamericana de Defesa) e as “cooperações” com a DEA norte-americana, aparecendo no lugar instrumentos autônomos como o Conselho de Defesa Sul-americano e o recém instalado Conselho Sul-americano sobre o problema mundial das drogas.

A viagem do presidente Lula nestes dias, marca a busca de autonomia por parte do Brasil. Através de relações policentricas e prioritária com países em desenvolvimento, busca-se alianças com aqueles que vivem os mesmos dramas, num mundo marcado por enorme concentração de poder.

Nestes dias será destaque a importante parceira com a Rússia, com a qual será assinado nesta sexta-feira um amplo Plano de ação estratégica – parecido, na amplitude e dimensão ao PAC (Plano de ação conjunta) recém assinado com a China, por ocasião da visita de Hu Jintao, na reunião dos BRICs.

Com a Rússia, destacam-se as amplas possibilidades de cooperação em C&T – em áreas como o programa espacial e o GPS russo – e na área de defesa, onde se comenta a oferta russa de desenvolvimento conjunto de um caça de 5ª geração, que em alguns anos substituiria os aviões a ser adquiridos no atual Programa FX-2. Recentemente, aliás, quebrando resistência de viúvas da guerra fria, o Brasil comprou doze modernos helicópteros russos Mi-35, já incorporado à FAB.

São muitos os exemplos de busca de “margem de manobra” pelo Brasil que lhe permita pensar com cabeça própria. As múltiplas e modernas coalizões sul-sul que apareceram no período recente, tais como o BRIC, o IBAS, o G20 comercial, as Cúpulas ASA e ASPA, dentre outras, são demonstração disto.

O quadro de forças no mundo aponta para uma transição da unipolaridade – característica básica do sistema internacional no pós-Guerra Fria –, para a intensificação de tendências à multipolaridade e portanto, à instabilidade no sistema internacional.

Mais do que nunca, diante de cenário incerto, o Brasil precisa formar pensamento estratégico próprio, ter sua própria leitura dos fatos e do contexto em que se desenvolve o jogo de forças no mundo.

* Membro da Comissão de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Arquivo UCE
  Estudantes ocupam as ruas de Florianópolis contra aumento da tarifa do ônibus

   SC: milhares continuam nas ruas        contra aumento de passagem         

Milhares de estudantes protestaram mais uma vez em Florianópolis contra os abusivos aumentos de passagem de ônibus - que passou de R$ 2,80 para R$ 3,12. A cidade tem histórico de grandes mobilizações juvenis quanto a sensível questão do transporte público, as chamadas "Revoltas da Catraca". Diante do aumento de 12%, estudantes organizaram uma série de protestos, que devem continuar nesta sexta-feira (14/5).


Depois de quase 11 horas de protesto, os estudantes encerraram as manifestações, no Centro de Florianópolis na quinta-feira (13/5). Eles pedem a redução da tarifa do transporte coletivo.

Por volta das 21h, as cerca de 250 pessoas que permaneciam no Terminal Integrado do Centro (Ticen) dispersaram depois de anunciar que nesta sexta-feira os protestos continuam.

O protesto, que começou no fim da manhã desta quinta-feira em frente ao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf) contou com estudantes acorrentados, manifestações artísticas como futebol e cabo de guerra.

O vice-prefeito da Capital, João Batista Nunes (PR), foi ao encontro dos manifestantes que estavam no Setuf à tarde. Por volta das 17h, foi entregue ao comando dos estudantes a planilha de custos do transporte coletivo da Secretaria de Transportes e do Ministério Público.

Após o recebimento do documento, os manifestantes começaram o protesto na avenida Paulo Fontes e seguiram em passeata pelas ruas da Capital por volta das 18h.

O último ato foi em frente à prefeitura de Florianópolis, onde foi encenado o enterro do transporte coletivo "privado". Manifestantes usaram apitos e reivindicaram pela redução do preço na passagem de ônibus.

Revolta da Catraca


A primeira "Revolta da Catraca" ocorreu em 2004 também pedindo redução da passagem. Na ocasião, milhares de pessoas, de diversos segmentos sociais, foram às ruas, fecharam as pontes que ligam a ilha ao continente, realizaram assembleias, enfrentaram a polícia, até que conseguirem que a tarifa retornasse ao preço anterior.

Em 2005, o aumento se repetiu e as mobilizações também, com mais intensidade e mais impacto sobre a cidade. A tarifa de novo foi reduzida.

Fonte: UJS


“Mother”: Papel de mãe

Cloves Geraldo *

Filme do diretor sul-coreano Bong Joon-ho trata da relação conflituosa entre mãe e filho e o esforço dela para protegê-lo das armadilhas para as quais ambos não estão preparados

A sensação que se tem depois de assistir “Mother – A Busca pela Verdade”, do sul-coreano Bong Joon-Ho, é que seu domínio da linguagem cinematográfica o permite iniciar a encerrar seu filme com alegorias. É como se ele dissesse: a vida continua; embora fatos terríveis dominassem a história. Na cabe aqui fazer qualquer julgamento moral dos personagens e tampouco de suas ações. Eles apenas agiram de acordo com o que as circunstâncias lhes impuseram. Sua condição não é de vítimas ou de algozes; eles não são bons ou ruins, só querem manter seu fluxo vital.


Para que o espectador absorva suas ideias tem de percorrer o encadear dos fatos, através de uma narrativa linear, que avança e recua, abre e fecha janelas e portas. Numa determinada cena, central para o entendimento da relação de dois adolescentes com a vítima; um deles fala sobre ela e, ao mesmo tempo, mantém com ela um diálogo. Uma economia de meios narrativos, que os modernizam e põe o espectador em contato com o que de fato ocorreu. Bong Joon-Ho não usa aqui o tradicional flashback, de voltar ao fato ocorrido e depois a seu desfecho.


Recursos que irão se repetir em outras sequências, às vezes usando a memória e objetos, como na sequência em que Do Joon entrega a caixa de agulhas de acupuntura à mãe Hye-Ja. Este simples uso do MacGuffin de Hitchcock já elucida a trama. Não é preciso mais nada para o espectador entender o que se passou lá e as implicações que isto pode ter para ela. Inexiste, para alicerçar a narrativa, grandes perseguições, lances espetaculares, só os contornos deles, salvo por uma bem elaborada sequência de suspense, que fazer o espectador torcer por Hye-Ja.


Diretor não julga os personagens


Os demais entrechos do filme seguem o encadeado, de forma que a história avança sem atropelos. Centrada nas circunstâncias que levam os personagens a agir desta ou daquela forma, ela tipifica-os, coloca-os em seu meio social e mostra a relação entre eles. Nada complicado. A ação em “Mother” é motivada pelo comportamento de Hye-ja com o filho Do Joon, que sofre de aflição mental. Jovem, com dificuldade para se expressar, recebe dela atenção redobrada. E temerosa de que ele se meta em confusão, tenta protegê-lo, mas ele lhe escapa.

Ainda que condene sua amizade com Jin-tae, jovem de comportamento suspeito, o próprio Do Joon termina por cometer um ato que irá enredá-los num pesadelo. Um pesadelo que o diretor Bong Joon-Ho desenvolve no limite. Foge às investigações policiais, o desvendar de algo já visto, nada é presenciado, nada é evidenciado. Pode ter sido um lapso de memória de Do Joon ou uma falsa acusação, como Hye-ja acredita como mãe.

Conta mais aqui a forma como o diretor encadeia as buscas que são feitas pelos personagens, - menos pela polícia, entregue à conclusões apressadas, mais por Hye-Ja em sua ânsia de livrar o filho da cadeia. Os recursos à memória de Do Joon e Hye-ja não são ganchos para fazer a história andar, são suportes para que se entenda a psicologia deles como personagens. Um dos choques entre mãe e filho se dá justamente pelas lembranças de Do Joon. Todo o passado da mãe emerge.



Filme trata do sacrifício da mãe pelo filho


Fosse outro diretor, lançaria mão de palavrório. Bong Joon-Ho e seu co-roteirista Park Eun-Kyo se restringem a poucas falas e tudo se encaixa. E Hye-Ja então se explica, quer o perdão do filho. Assim a forma serve ao conteúdo e vice-versa. E retira o filme do lugar comum do “filme de crime”, cheio de perseguições e troca de tiros. O andamento de “Mother” às vezes se acelera, mas logo a ação é atenuada. Salvo na impactante sequência do incêndio, quando com brutalidade extrema Hye-ja perde o equilíbrio e se permite um instante de justiça solitária.

Até o desfecho, se tem desta forma um filme que se condiciona pelas relações mãe/filho, a vida miserável que levam; o cuidado que ela tem com ele e, depois, ao que ela se submete para livrá-lo do que se meteu. Trata-se, na verdade, da história dela, do sacrifício que faz pelo filho. E o mundo cheio de armadilhas em que vivem. Não só pelo que ele supostamente fez, mas pelo que ela também faz, como praticante da acupuntura ilegal.


São dois seres à margem da sociedade. Bong Joon-Ho não os julga. Eles estão condicionados a ter as reações mostradas por ele. Tanto que a mostra em plano aberto à frente do vasto campo, e depois embalada por uma fusão de ritmos musicais numa viagem pelo país. O espectador, acostumado a julgamentos e desfechos moralistas, pode achar que o diretor deveria puni-la e ao filho, mas o caso aqui é que eles já estão condenados por sua posição social.

Esta a validade deste “Mother”, “Mãe”. Uma obra que confirma a criatividade do cinema sul-coreano, principalmente de Bong Joon-Ho com sua inventividade e reversão das narrativas moralistas.

“Mother” (“Madao”). Drama. Coréia do Sul.2009. 128 minutos. Fotografia: Hong Kyung-Pyo. Música: Lee Byeong-Woo.Roteirista: Park Eun-Kyo/Bong Joon-ho, Diretor: Bong Joon-ho. Elenco: Kim Hye-Ja, Won Bin.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte:http://vermelho.org.br/vermelho.htm

terça-feira, 11 de maio de 2010

Psicanálise é comparada à homeopatia

Carlos Pompe *

O filósofo francês Michel Onfray acaba de lançar Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne (“O crepúsculo de um ídolo, a fábula freudiana), onde questiona a capacidade de cura da psicanálise, ”que diz respeito a Freud e ninguém mais”.

 



Ele compara a psicanálise a uma religião e diz que a capacidade dessa disciplina curar as pessoas é semelhante à da homeopatia.

O filósofo, que escreveu Tratado de ateologia (publicado no Brasil, assim como A escultura de si e A política do rebelde), diz que Freud transformou seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal. A psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais".

Ele afirma que Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que havia sido bem sucedido. Sergei Konstantinovitch, por exemplo, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de Freud dá-lo por curado. Bertha Pappenheim, referida como "Anna O.", continuou tendo recaídas de histeria e alucinações mesmo depois de tratada pelo pai da psicanálise.

"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé ou o exorcismo feito por um sacerdote, quanto nenhuma oração diante da Gruta de Lourdes (onde há relatos de que Nossa Senhora teria aparecido)", disse o francês. E questionou: "Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento. Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Onfrey pensa que Freud tinha preconceito contra homossexuais e um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto. Em termos ideológicos, segundo o autor de “O Crepúsculo de um Ídolo”, Freud flertou com o fascismo e escreveu, em 1933, esta dedicatória para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura." O criador da psicanálise teria tentado alinhar-se com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e às exigências do regime nazista.

A resposta da historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco às afirmações de Onfrey, num debate com ele, foram pueris: "Quando sabemos que 8 milhões de pessoas na França se tratam com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos". Ora, por esse argumento jamais se contestará nenhum absurdo, pois a imensidão de pessoas que acreditam em absurdos é irrefutável!

Onfray contrapôs que várias reações contra seu livro evitam responder seus argumentos centrais e, em um artigo publicado no jornal francês Le Monde, perguntou se era impossível fazer uma leitura crítica de Freud.

Quando, em 2009, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, excomunhou os médicos que realizaram o aborto no episódio da menina estuprada pelo pai, Michel Onfray denunciou: ”A ideologia da Igreja é reacionária, conservadora e insuportável. A Igreja apresenta indignações seletivas. Durante e após a II Guerra Mundial, ela excomungou todos os comunistas e nunca excomungou um único nazista”.

À psicanálise e às religiões, Onfray opõe o racionalismo, como escreveu no Tratado de ateologia: “Nem a Bíblia nem o Corão. Entre os rabinos, sacerdotes, imãs, aiatolás e outros mulás, insisto contrapor o filósofo. Entre todas essas teologias abracadabrantescas, prefiro recorrer aos pensamentos alternativos à historiografia filosófica dominante: as pessoas com humor, os materialistas, radicais, cínicos, hedonistas, ateus, sensualistas e voluptuosos. Pois eles sabem que só existe um mundo e que toda promoção dos mundos subjacentes leva à perda do uso e benefício do único que há. Pecado realmente mortal...”

* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Todo o sentimento do mundo

Eduardo Bomfim *

A campanha eleitoral que se aproxima se revestirá de uma importância diferenciada das outras recentes que aconteceram. Os próximos meses mostrarão que acontecerá um embate decisivo ao futuro do Brasil.

Nos estados regionais é bem possível que as paixões e as rivalidades arraigadas entre grupos ou personalidades superem por algum tempo o sentido mais geral de um grande confronto de proporções históricas que estará presente cada dia dos debates, nas ruas, na mídia ou nos comícios.

E alguns poderão tentar rebaixar o nível e o espírito verdadeiro dessa disputa. Porque a esses, na contramão dos anseios, esperanças do povo brasileiro, resta somente fulanizar o discurso, desviar o assunto do que está em jogo, na impossibilidade de apresentar com transparência à sociedade o seu alinhamento político.

Dificilmente conseguirão, no entanto, manter uma linha diversionista por muito tempo porque a gravidade do momento e a profundidade do que estará por se decidir não permitirá que se esconda o confronto das propostas e os programas antagônicos em duelo titânico na sociedade brasileira.

Na verdade a nação estará mais uma vez perante uma incrível encruzilhada histórica, assim como esteve em vários outros momentos do seu jovem itinerário. Pode-se afirmar que essa encruzilhada não será de menor estatura do que a luta dos brasileiros contra o regime de arbítrio que perdurou vinte e um anos, na qual a nação saiu vencedora.

Será uma tremendo duelo entre as grandes maiorias e um determinado segmento das elites nativas associado a um projeto que comumente se chama de neoliberal e todas as suas consequências, testado e posto em prova nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Que conta com o enfurecido e descontrolado engajamento de uma parcela da grande mídia hegemônica nacional, toda poderosa, sem nenhum pudor para com as regras do conceito básico da informação que venha a ser minimamente imparcial.

Essa mesma mídia que apesar do brutal esforço não conseguiu sustar a aprovação do governo Lula por mais de 80% dos brasileiros.

Será uma árdua disputa, que se revestirá de profundo caráter plebiscitário, entre o atual projeto nacional soberano, de desenvolvimento com inclusão social, versus o ultrapassado e nefasto dogma neoliberal.

Ao povo brasileiro valerá a consciência social, associada ao espírito do poeta ao declarar que só tinha duas mãos e todo o sentimento do mundo.

* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Os delírios de Dom Dadeus

Regina Abrahão *

Para o arcebispo gaúcho a responsabilidade pelos abusos sexuais cometidos por integrantes da igreja católica é a sociedade atual, onde a liberdade sexual permite que inclusive homossexuais tenha direito de manifestação pública.

Abertura de assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Brasília. O arcebispo Dom Dadeus Grings, falando em pedofilia conseguiu comprometer ainda mais a Igreja católica, quando põe a culpa dos abusos sexuais cometidos por padres católicos na sociedade, que ele classificou de pedófila. Mais: para ele, somente a castidade seria necessária para resolver o problema da pedofilia.

Segundo o arcebispo, a pedofilia cometida por sacerdotes católicos é ínfima em relação ao que acontece fora da igreja. Segundo ele, os abusadores católicos são poucos, e o destaque dado aos casos é feito por pessoas incomodadas com a promoção da castidade. Vai mais longe, afirmando que a falta de castidade que ele classifica como excesso de liberdade sexual é responsável não só pela pedofilia, mas também por problemas como a homossexualidade.

Na verdade o arcebispo homofóbico falou não em homossexualidade, mas em homossexualismo. E vai mais longe: Lembra, com saudades, do tempo em que não se tocava no assunto, os homossexuais eram discriminados e não tinham direito de se manifestar em público. E conclui associando homossexualidade com pedofilia, uma vez que agora que os homossexuais tem direito de se manifestara publicamente, o que, segundo ele, abre precedente para que os pedófilos se organizem e reivindiquem seus direitos.

Na verdade não houve aumento dos casos de pedofilia. Está havendo sim uma maior publicização dos casos, antes guardados a sete chaves pela cúpula católica. E não por vontade ou mea-culpa da igreja. É que são tantos os casos que não havia mais como evitar o escândalo. E se castidade resolvesse ou coibisse o problema, ele não ocorreria em tamanha proporção dentro da igreja católica.

Ou seja, Dom Dadeus delirou. Tivéssemos nós aprovada a lei que criminaliza a homofobia, eis nosso arcebispo na cadeia! A sordidez das afirmações, o cinismo do discurso, o moralismo católico que tantas vítimas fez ao longo da nossa história vitimou seus desafetos. E, ao colocar a igreja como “vítima das páginas de jorrnais, revistas e outros meios de comunicação, fustigada, exposta ao público ludíbrio, por causa de fraquezas de alguns de seus membros”, minimiza e dilui a responsabilidade dos trágicos casos de pedofilia protagonizados por seus membros.

Enfim, o mais estarrecedor nem são as desculpas sem fundamento do arcebispo. O que assusta mesmo é a associação de um crime, que é a pedofilia, responsável por incontáveis mazelas posteriores. Injustificável por que geralmente cometido contra vítimas por aqueles que lhe teriam obrigação de proteger com a homoafetividade. Que é questão combatida pela igreja com tamanha voracidade que só pode assustar e atemorizar a todos e todas que porventura pensem na igreja católica como um espaço de dignidade do ser humano.
* Funcionária pública, direigente municipal do PCdoB de Porto Alegre, estudante de ciências sociais da UFRGS. Dirigente da Semapi - RS
 Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

“Utopia e Barbárie”: Lições da história

Cloves Geraldo *

Diretor brasileiro, Silvio Tendler, passeia pelas lutas político-ideológicas dos últimos 100 anos e mostra quais são as suas consequências


Vasto painel sobre as lutas político-ideológicas do século XX e suas consequências no início do Terceiro Milênio, “Utopia e Barbárie” pretende ser, também, uma reflexão de seu diretor, Silvio Tendler (“Jango”) sobre os movimentos de resistência e libertação nacional neste período.Através de imagens de filmes e de acontecimentos reais, ele percorre a Revolução Russa, o Holocausto, as Revoluções Chinesa, Vietnamita e Cubana, o Maio de 68, os conflitos raciais nos EUA, a Perestroika, o Golpe de 64, a Guerrilha do Araguaia e as Diretas Já. E seu passeio por estes processos históricos contribui para a leitura que ele faz e as lições que deles retira.

Na primeira parte (e nas demais), ele expõe os fatos por meio de depoimentos, frases, poemas, sobreposição de imagens que, sem dúvida, impactam. Põe o espectador no centro dos acontecimentos, pois as figuras que ele traz para a exposição viveram aqueles fatos. Deixa, assim, que as palavras e as imagens falem por si. Na segunda parte, quando inclui depoimentos reflexivos, como o do poeta Ferreira Gullar, que avalia o comportamento das organizações de esquerda que optaram pela luta armada, o espectador fica desconectado. Inexiste contraposição ao que Gullar fala.

O espectador tem que pinçar aqui e ali, nos depoimentos do jornalista e ministro das Comunicações do Governo Lula, Franklin Martins, e do escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de “As Veias Abertas da América Latina”, a validade da opção das organizações de esquerda. Gullar avalia que elas erraram, porque a correlação de forças não lhes era favorável. E exemplifica com os casos dos militares brasileiros e das forças armadas chilenas. Eles estariam mais fortes e armados do que as organizações de esquerdas, o que invalidaria a resistência.

Vários detalhes escaparam ao poeta; o direito dos oprimidos resistirem, a necessidade de bloquear os desmandos, as perseguições e torturas perpetradas pelos generais brasileiros e a ausência absoluta de liberdade de manifestação e organização. Cada época e situação política impõem uma forma de luta aos oprimidos. E não foi diferente durante os 21 anos que durou a Ditadura dos Generais, apoiada pelos EUA. Em cada etapa de sua duração, a oposição democrática e popular forjou um tipo de luta, como a Anistia, as Diretas Já, a Constituição de 88 e as eleições diretas.           

Então, passado este interegno, Tendler entra na terceira parte, com suas conclusões. O espectador pode discordar quando ele diz que as formas de luta se fragmentaram. No entanto, ele, espectador, pode entender que o centro da luta utópica, entendida como algo que se pode alcançar (ou não) no futuro, continua sendo do trabalho contra o capital, do oprimido contra o opressor, do Socialismo contra o Capitalismo, dos países subjugados contra o Imperialismo. As formas de luta nas várias frentes são ditadas por estas variações.

Fora estas questões, “Utopia e Barbárie” trás para a reflexão mitos da esquerda como o general vietnamita Nguyen Van Giap, falando sobre a tarefa que recebeu de Ho Chi Minh para organizar a luta contra a França e os EUA, de Che Guevara desancando o imperialismo, de Fidel apoiando Salvador Aliende, no Chile. Mas é igualmente impactante seu mergulho na história nacional não só por seu resultado, como também pelas variações que ela vem apresentando. Do Lula metalúrgico ao Lula presidente, de Dilma Roussef falando sobre os sonhos da juventude dos anos 60, da perseguição perpetrada pelas ditaduras militares latinoamericanas às esquerdas na Operação Condor à construção da democracia na Argentina, Chile e Uruguai e Bolívia.

Neste giro de câmera, Tendler liga as ocorrências que vinculam as lutas no campo capitalista aos conflitos na União Soviética e na China. Estão ali imagens da Primavera de Praga, da Perestroika, da Revolução Cultural, da Perestroika, da Queda do Muro de Berlim, da Praça da Paz Celestial, tentativas de a direita assumir o poder nesses países durante a Guerra Fria. São enquadrados por ele na luta da utopia e da barbárie, mas têm caráter diferente. No campo socialista tem o matiz de regressão ao sistema capitalista, de mercado, de consumo. Não é para superar os bloqueios do sistema socialista para avançar para a integração de mais trabalhadores dos mais diversos setores de produção, serviços e intelectual, ou seja de mais socialismo.

Tendler em suas pinceladas, num filme que levou 19 anos para ser produzido em 15 países, se assombra com a dialética da história, quando aborda o Crash de Setembro de 2008, época da derrocada do sistema financeiro dos EUA e do bloco capitalista. “Ninguém poderia imaginar que o Governo dos EUA fosse assumir a maior seguradora do país”. A voracidade do capital forjou a sua própria crise e sua própria solução: a intervenção do Estado para salvá-lo. Desta forma, vale observar que os oprimidos, frente a casos iguais a estes, só têm que ir criando suas formas de luta, pois a história é lenta e caprichosa, como diz Eduardo Galeano.
Utopia e Barbárie”. Documentário, Brasil, 120 minutos. Direção/Roteiro: Silvio Tendler.
* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Nos cem anos de Raquel de Queiroz...

Marco Albertim *

Vale um comentário sobre O Quinze, obra tão ou mais conhecida quanto a autora; inda que não controversa como o perfil cultural da cearense. Já na octogésima sexta edição, a simplicidade da linguagem – seu maior traço – ajuda a pôr em relevo a crueza da seca de 1915.

O cenário surge, não como indício pictórico, mas entranhado nos homens. Não poupa nem Vicente, o fazendeiro de posses que, “Sacudido pela estrada larga do quartau, seguiu rápido, o peito entreaberto na blusa, todo vermelho e tostado do sol, que lá no céu, sozinho, rutilante, espalhava sobre a terra cinzenta e seca uma luz que era quase como fogo.” Para Chico Bento, o vaqueiro pobre, “O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho.”
A opressão de classe aparece no diálogo entre Chico Bento e “o homem das passagens”. Indiferente à sorte dos retirantes, diz o homem: “Que morte! Agora é que retirante tem esses luxos... No 77 não teve trem para nenhum. É você dar um jeito, que passagens, não pode ser...” – Não é um diálogo, é a confirmação do agouro. Na mesma trilha, diz o delegado sobre o filho sumido de Chico Bento: “Não tem jeito que dar não, meu amigo... O menino, naturalmente, foi-se embora com alguém...” Ou no contraste entre a miséria dos retirantes na procissão e os trajes ricos do bispo “(...)os farrapos imundos, atrás do pálio rico do bispo(...)”.
Como boa regionalista, Raquel de Queiroz soube ainda ler o tempo telúrico porque “O sol, no céu, marcava onze horas.” A fome permeia todo o romance, punge quando o menino Josias devora a mandioca brava: “(...)e enterrou os dentes na polpa amarela, fibrosa, que já ia virando pau num dos extremos.” Na mesma altura “(...)roeu todo o pedaço amargo e seco, até que os dentes rangeram na fibra dura.”
Conceição é uma professora que se divide entre os modos urbanos e a bruteza do sertão; é a única que destila preconceito:
-(...)Então Mãe Nácia acha uma tolice um moço branco andar se sujando com negras?
O Quinze tem narrador onisciente, o que permite à autora imiscuir-se no pensamento de cada personagem, sem que assuma os rumos da abstração de cada um. Assim, na imaginação de Conceição, mostra-a, sem perder a segurança de narradora: “Metido com cabras... não se dava respeito... E ainda por cima, não se importava nem em negar...”
Raquel viu a seca de 1915, no Quixadá; dá indícios de autobiografia ao mencionar Machado de Assis: “E a moça comparou dona Inácia àquelas senhoras de alma azul, de que fala o Machado de Assis...” Aqui a autora se mostra supérflua.
Com Graciliano Ramos...

Vidas secas, oito anos depois d’O Quinze, mostra a “catinga rala”, enquanto Raquel desnuda uma “caatinga cinzenta”. Ambos tão francos quanto a crueza do cenário. Sinhá Vitória, como a Cordulina, de Chico Bento, tem o filho “escanchado no quarto”. Graciliano, feliz à exaustão, tão onisciente quanto a cearense, menciona “sentimentos revolucionários” na cachorra Baleia depois de um pontapé. A reprodução dos costumes entre as classes dá-se quando Sinhá Vitória “Teimava em calçar-se como as moças da rua(...)”. A submissão aos costumes se manifesta em Fabiano porque, usando “chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.” Atento à opressão de classe, diz que Fabiano - “Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura.” Já a submissão de classe surge quando o personagem “(...)notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave, uma autoridade.” Ou quando, olhando para o odiado soldado, assunta:
 – Governo é governo.

No capítulo, a subjetividade de Fabiano é explorada até a medula. Também se imiscui com a personagem sem confundir-se com ela; assim, o sonho de Sinhá Vitória é vestir-se de “saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.” Com folgada autoridade, o autor desprende-se das páginas para dizer ao leitor que, Fabiano, imitando “seu Tomás da bolandeira, (...) dizia palavras difíceis(...)Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.” Em Vidas secas e n’O Quinze os capítulos podem ser lidos como peças autônomas. No primeiro, o destaque está no capítulo Baleia. O leitor deseja uma morte rápida para a cachorra, porque o autor mistura as lembranças do animal com a agonia do fim próximo. No segundo, impressiona a sofreguidão com que Chico Bento sacrifica uma cabra para mitigar a fome da família; sente-se um alívio, logo interrompido com a chegada do rico proprietário.
Mas em Galiléia...

O também cearense Ronaldo Correia de Brito põe três personagens de perfil urbano na rudeza do sertão. Com habilidade de escritor maduro, entrega a narrativa a um dos três primos, Adonias, personagem de primeiro plano. O narrador se divide entre as memórias da infância, as preocupações com os primos na viagem de volta à fazenda do avô. Regionalista, o autor tem estilo apurado, escorreito. Quase escorrega num clichê quando “Um relâmpago dos mais fortes clareou o mundo, no momento em que David atravessou a porta de entrada.” Aliás, um clichê cinematográfico. Demonstra concentração poética no foco telúrico: “Dormi como dormem as pedras, sem sonhos.” Os diálogos são ricos de subjetividade, como na conversa entre dois primos, ante a morte iminente do avô:
- Ele está sofrendo?
- Está. A lucidez é um sofrimento.
No capítulo Lourenço, o autor usa três recursos. O relato de Lourenço sobre um episódio de vingança na família, numa prosa própria, sem volteios de romance; o ressurgimento de Adonias, com a narrativa retomando o curso original; logo interrompida por um diálogo rápido, com perguntas e respostas ligeiras. O autor dá uma trégua ao leitor.
Galiléia foi o livro do ano em 2009.

* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Formação, necessidade crescente do movimento sindical!

Augusto César Petta *

O processo de formação política e sindical acontece para os trabalhadores e trabalhadoras de duas formas: a primeira refere-se à prática, como por exemplo, numa greve em que a contradição capital - trabalho fica muito explícita, ou nas lutas em que os trabalhadores e as trabalhadoras buscam pressionar e interferir na definição das políticas públicas e na gestão do Estado; a segunda, através do estudo, da pesquisa, da elaboração de textos, dos cursos, palestras, debates sobre várias temas sempre situados na conjuntura política e econômica.
Esse processo é mais avançado quando se consegue articular dialeticamente teoria e prática. Lenin, o grande líder da Revolução Russa, ao mesmo tempo que participava intensamente do movimento político, estudava e escrevia, refletindo sobre acontecimentos da conjuntura , indicando qual a tática mais correta a ser aplicada. É dele a famosa frase: sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”.

Desde as origens do movimento sindical no Brasil, os historiadores constatam que foram desenvolvidas inúmeras atividades teóricas de formação . A ascensão do sindicalismo classista- constatada sobretudo a partir da segunda década do século XX –permitiu que as atividades de formação classista proliferassem nas conjunturas democráticas e tivessem sérios retrocessos nas conjunturas ditatoriais. Os governos autoritários tudo fazem para que o proletariado não se conscientize a respeito da exploração a que está submetido.

A partir do final de 2008 – quando a CTB estava completando seu primeiro aniversário – o processo de formação classista intensificou-se. Fruto de um convênio firmado entre a CTB, presidida por Wagner Gomes e que tem como Secretária de Formação e Cultura Celina Areas, e o Centro de Estudos Sindicais – CES presidido por Gilda Ameida, considerando-se o período de novembro de 2008 a fevereiro de 2010, foram realizados 18 cursos básicos atingindo 24 Estados, dois cursos nacionais de formação de formadores, 2 cursos de formação de facilitadores de planejamento estratégico situacional, seminário nacional, diversos cursos, seminários, palestras em entidades filiadas a CTB, chegando-se a atingir 1958 participantes. Nas atividades de formação promovidas pelo CES em entidades não filiadas a CTB, chegou-se ao total de 1041 participantes.

Este número significativo de participantes é uma resposta à necessidade concreta de se ter que enfrentar desafios, que levam ao debate questões como estas: Como aumentar o número de participantes nas atividades que a entidade sindical promove, tais como assembléias e congressos ?Como aumentar o número de sindicalizados? Como se situar diante da aplicação de novas técnicas gerenciais que colocam os trabalhadores e trabalhadoras como se fossem colaboradores? Como se situar diante de um governo cujo Presidente é metalúrgico e oriundo do movimento sindical? Como compreender melhor a evolução histórica do movimento sindical? Como analisar a conjuntura em que vivemos? Como planejar estrategicamente as atividades sindicais?

Por fim, gostaria de apresentar duas sugestões básicas aos sindicalistas: a primeira refere-se à necessidade de que as entidades tenham uma secretaria de formação, que deverá promover atividades que propiciem aos diretores e diretoras, aos funcionários e funcionárias e à categoria, a possibilidade de terem uma formação contínua; a segunda refere-se à necessidade de planejar as atividades sindicais, inclusive as de formação.Em geral, as entidades sindicais procuram dar respostas às demandas imediatas das categorias, sem ter um plano estratégico com objetivos e metas claras a serem atingidas. É fundamental que todas entidades realizem seus respectivos planejamentos estratégicos.

Texto publicado inicialmente na revista Visão Classista da CTB

* Professor, sociólogo, Coordenador Técnico do Centro de Estudos Sindicais (CES), membro da Comissão Sindical Nacional do PCdoB, ex- Presidente do SINPRO-Campinas e região, ex-Presidente da CONTEE.

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm