sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“Em Teu Nome”: Memórias da juventude

Cloves Geraldo *

Filme do diretor gaúcho Paulo Nascimento resgata a luta dos jovens brasileiros contra a ditadura militar

             Eram garotos que amavam os Beatles e os Rolling Stones, diz a música. Em “Em Teu Nome”, do gaúcho Paulo Nascimento, eles amavam a revolução e não eram tão garotos assim. Aderiram à luta armada, sangraram nas masmorras da ditadura, foram exilados, retornaram ao Brasil com a anistia, em 1979. E nem por isto, deixaram de viver grandes paixões. Eis e contexto deste filme que amplia a visão da luta da esquerda no país contra a ditadura militar (1964/1985). Tira o filme dos aparelhos, das sombras e lança-o nas ruas, no campus universitário e nas reuniões familiares. É mais sobre uma geração do que sobre concepções de luta armada, embora esta esteja presente o tempo inteiro.
            O que buscavam os jovens dos anos 60, época em que a Guerra Fria, opunha a ex-União Soviética aos EUA? Apenas derrubar a ditadura militar? Não. Mudar o mundo. Substituir o Capitalismo pelo Socialismo. “Em Teu Nome” os mostram em discussões político-ideológicas, ações revolucionárias, tentativas de escapar ao cerco imposto pelos generais. Além disso, o filme transmite uma afetividade que escapa às produções que tratam da luta da esquerda no país. E tem sua raiz em “Reds”, de Warren Beatty, cinebiografia do jornalista revolucionário John Reed, autor de “10 Dias Que Abalaram o Mundo”. Beatty trata das ações de Reed e seu envolvimento amoroso com a feminista Louise Bryant.
               Não é diferente neste “Em Teu Nome”. Nascimento baseia sua narrativa na militância do estudante de engenharia João Carlos Bona Garcia (Leonardo Machado) na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), formada, em 1966, por dissidentes da Polop (Política Popular) e do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), e em sua paixão pela universitária Cecília (Fernanda Moro). Esta dualidade narrativa dota o filme de um viés mais próximo da realidade do militante, afastado da figura do herói férreo, sem paixões ou emoções. O militante, mesmo no calor da refrega revolucionária, mantém sua capacidade de amar e clareza para levar adiante seu objetivo.
                 Bona, no entanto, não é único a ter sua história enfocada. Outros personagens são tratados com igual força. A jovem calada, introspectiva, Lenora (Silvia Buarque), que sintetiza em si outros militantes de esquerda, que tiveram sua vida destroçada pelas torturas sofridas nas masmorras dos generais, caso de Frei Tito; o hesitante, radical, Onório (Marcos Verza), que cobra compromisso dos demais, mas fraqueza nas situações limite; o frade, Professor (Nelson Diniz), cerebral, capaz de conduzir a luta e também amar; o sindicalista Higino (Sirmar Antunes), afrodescendente, que dá o perfil operário à organização.

Convicção ideológica fortalece militantes


            É a luta contra a ditadura militar e a convicção ideológica que dão sentido à vida desses jovens, em meio à multiplicidade de lutas na época: de Cuba, de Guevara na Bolívia à Guerra do Vietnã. Mesmo que os generais os torturassem, a maioria preservava suas convicções. Numa simbólica sequência sobre o quanto eles, os generais, lhe infligiam dor, Bona, depois de suplicar por comida, devora um malcheiroso pedaço de carne, enquanto sua família degusta frango assado. Esta dialética, herdada do Eisenstein de “O Encouraçado Potemkin” atesta o sacrifício dele e o sadismo dos generais. É forte o suficiente para carecer de qualquer análise político-ideológica.
           Nascimento, ao basear sua narrativa na história de Bona, teve a oportunidade de ampliá-la, usando a troca de 70 militantes de esquerda pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em dezembro de 1970. Com a chegada dos militantes de Porto Alegre a Santiago, no governo Salvador Allende, ela, a narrativa, passa a enfocar o dilema dos exilados, fato inédito nos filmes sobre a luta armada no Brasil. São emocionantes as tentativas de Bona e Cecília de se tornarem atores e inquietante e triste sofrimento de Lenora. Ambos iriam peregrinar de país em país, após a queda de Allende; ele e Cecília na Argélia, ela em Paris, onde depois se encontram.
               Com este leque digno de uma epopéia, Nascimento passeia ainda pelas etapas históricas vividas por eles. De Bona e Cecília lutando para escapar à deportação à luta pela anistia, passando pela tragédia de Lenora, sem dúvida um dos melhores personagens do filme. Mas, em meio à luta pela sobrevivência desses jovens que lutaram contra a ditadura militar, surgem figuras ainda hoje atuantes na política brasileira, a mídia nacional e o papel que jogaram e não jogam mais. Serve para mostrar quem avançou e quem retrocedeu. Basta refletir sobre isto a partir das falas de Bona em Paris. Elas recuperam o que os “outrora engajados” querem a todo custo esquecer.
                “Em Teu Nome” embora não seja uma obra prima, inclusive carecendo de maior rigor estético, pode ser colocado ao lado de filmes que contribuem para o entendimento da história recente do país: “O Desafio”, de Paulo César Serracini; “Vida Provisória”, de Maurício Gomes Leite; “Pra Frente Brasil”, de Roberto Farias; “O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias”, de Cao Hamburguer.  Mas dá conta do recado. Emociona.
Em Teu Nome”. Drama. Brasil. 2009. 100 minutos. Roteiro: Paulo Nascimento, baseado na militância de João Carlos Bona Garcia. Elenco: Leonardo Machado, Fernanda Faro, Nelson Diniz, Marcos Verza, Sirmar Antunes, Silvia Buarque.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna