domingo, 1 de agosto de 2010


Fórmula 1: A nossa moral e a deles

Bruno Padron "Porpeta" *

A história se repete como farsa. Mais uma vez, um piloto brasileiro tira o pé do acelerador para entregar a vitória a um companheiro de equipe. Primeiro, Rubinho Barrichello cede a posição a Michael Schumacher em 2002. Agora, é Felipe Massa que entregou a liderança do GP da Alemanha para Fernando Alonso. Volta à tona o tema da ética da competitividade. E também tem a ética do dinheiro, que parece prevalecer na cabeça de uns e outros.


Que a Fórmula 1 é um esporte muito caro, disso não há dúvida. Desde o investimento na formação de novos pilotos até o desenvolvimento de carros para disputar a temporada, se gasta muito dinheiro.

Existem até alguns que defendem a tese de que o automobilismo nem é esporte. Mas que é um grande negócio, ninguém pode negar.

No campo esportivo, existem regras, limites colocados em nome da maior competitividade possível. A diferença entre as equipes e pilotos se dá, entre outras coisas, pelo melhor desenvolvimento das máquinas. O melhor motor, o melhor chassi, a melhor aerodinâmica, tudo isso pode definir uma equipe de ponta ou apenas mais um figurante. Mas as estratégias de corrida e, fundamentalmente, o braço do piloto, definem campeões.

E isso faz do automobilismo um esporte emocionante, e da Fórmula 1 uma categoria de tamanho prestígio em todo o mundo. No Brasil, também somos apaixonados por Fórmula 1, mas ultimamente saudosistas do período que possuíamos pilotos fantásticos que nos deram 8 títulos mundiais. Com Emerson Fittipaldi (1972 e 1974), Nelson Piquet (1981, 1983 e 1987) e Ayrton Senna (1988, 1990 e 1991) a paixão brasileira pela categoria se materializou em conquistas.

Nossa escola formava pilotos arrojados, rápidos, inteligentes e com sede de vitória. Hoje, carecemos, ao que parece, deste último componente.

Daí em diante, fica a discussão no campo empresarial. 

Os pilotos, antes de tudo, são profissionais. Recebem altos salários e altas cotas de patrocínio para correr. E, ao planejar sua carreira, procuram assinar bons contratos, em equipes que possam lhes dar vitórias, ou pelo menos um bom desempenho para conseguir transferir-se para as grandes.

E assim pensaram Barrichello e Massa ao assinar com a Ferrari, a equipe que reúne o maior número de títulos na categoria e com fãs apaixonados no mundo inteiro. Mas em ambas as situações, eram o segundo piloto da equipe. Havia a lenda Michael Schumacher, sete vezes campeão mundial, embora alguns destes títulos construídos com polêmicas.

Em 2002, Barrichello quis tornar evidente o que acontece nos bastidores da Ferrari e permitiu, sob ordens expressas da equipe, a ultrapassagem de Schumacher quase na linha de chegada. Não escondia de ninguém sua decepção, tanto por sua expressão no pódio quanto nas entrevistas.

Agora, Massa foi mais polido. Deixou-se ultrapassar durante a corrida, mais precisamente na volta de número 49. Nas entrevistas, afirmou ser dele a decisão de permitir a ultrapassagem de Alonso, dizendo-se profissional antes de tudo. Embora não conseguisse esconder sua frustração.

Ficam algumas perguntas no ar. A Fórmula 1 é um esporte, e em sendo esporte prima pelo espírito competitivo, onde seus participantes lutam pela vitória de forma limpa e leal. Mas esse tipo de prática, que não é exclusivo da Ferrari, mas pelo menos no time vermelho de Maranello é mais evidente, não contraria todo esse espírito? E nesse sentido, não exclui a Fórmula 1 e o automobilismo do que se entende por esporte?

É exatamente esse o grande desserviço que algumas equipes, em especial a Ferrari, tem prestado à Fórmula 1. Cada vez mais a tornando somente um negócio demasiadamente lucrativo, reduzindo sua condição essencial de esporte.

Por essas e outras, revelam-se cada vez menos talentos capazes de promover disputas entre as equipes e entre pilotos da mesma equipe. Raríssimos são os pegas como os de Senna e Prost, Piquet e Mansell.

A FIA (Federação Internacional de Automobilismo) já dá mostras de que não é só conivente com a prática ferrarista, como também deve legitimá-la. 

Para eles, existe uma moral: a do dinheiro. Mas sempre há quem goste. Até por esporte...

* É bancário e, diante da inabilidade para praticar esportes, passa sua vida falando deles.


Fonte: http://www.vermelho.org.br