sexta-feira, 16 de outubro de 2009

UJS: acelerar a chegada do futuro

Adalberto Monteiro *

A União da Juventude Socialista (UJS) comemora, com exuberante vigor, seus 25 anos. Tem uma presença marcante na vida da juventude e nas lutas políticas do país.

Sua vitalidade se evidencia nos inúmeros combates travados, quer seja nas mobilizações de rua ou na arena da luta de idéias e, também, pelas responsabilidades que exerce como força política hegemônica nas duas principais entidades dos estudantes brasileiros - a UNE, União Nacional dos Estudantes, e a Ubes, União Brasileira de Estudantes Secundaristas.

É atuante em todas as unidades da Federação. Tem 100 mil filiados e se espalhou no território nacional, em mais de 700 municípios. Seu ponto forte é a luta dos estudantes, mas já diversificou suas frentes de ação e combate. Hip-Hop, outros movimentos de cultura, jovens trabalhadores, jovens cientistas, jovens mulheres, ecologia... São 15 frentes de trabalho! A emocracia rege a sua dinâmica interna. Prova disso, são seus congressos que movimentam dezenas de milhares de jovens.

Embora com justa razão se regozige com o patamar atingido, a UJS sabe que há ainda muito por realizar e para se expandir.

Nasceu no epílogo do regime militar, em 1984, já participando da jornada democrática das diretas-já. Surgiu com um programa democrático, patriótico, juvenil e socialista. Da sua fundação, em congresso realizado no plenário da Assembléia Legislativa de São Paulo, participaram lideranças egressas do movimento estudantil, como Aldo Rebelo, que foi o seu primeiro presidente, e também lideranças vinculadas à outros setores do povo e dos trabalhadores, como jovens sindicalistas e lideranças comunitárias. Estavam entre os fundadores, jovens artistas do mundo da cultura erudita e popular. E é claro, como não poderia deixar de ser no país do futebol, lideranças juvenis amantes e praticantes de várias modalidades do esporte.

De lá para cá muitas passeatas passaram na avenida. E a UJS esteve em todas elas, na maioria, à frente.

Na Constituinte de 1988, depois de muita peleja, por sua iniciativa e luta, os jovens brasileiros conquistaram o direito de voto aos 16 anos. Em 92, comandou uma das mais belas jornadas de luta da juventude brasileira: as mobilizações dos carapintadas que foram decisivas à vitória da campanha Fora Collor.

Quando veio a década neoliberal e era preciso resistir, e para tanto se exigia consciência e capacidade de mobilização, a juventude estudantil, apesar das adversidades, "não se afastou das ruas", e lá no meio dela, estava a UJS. Nesse período ela defendeu a universidades e as escolas públicas, que no roldão do desmonte do Estado nacional, estavam sendo sucateadas, com a educação entregue ao mercado.

Em 2004, quando a UNESCO, braço das Nações Unidas para a educação e cultura, divulgava um mapa da violência que apontava o Brasil em quinto lugar no macabro campeonato mundial de mortalidade juvenil por homicídio, a UJS há muito já denunciava que no Brasil os jovens são os que mais sofrem com a realidade de violência que impera, principalmente, na periferia das metrópoles. Nesse sentido incentivou, a Ubes e a UNE a realizar a campanha "Sou da paz", com intuito de combater essa dramática estatística de assassinatos de jovens.

Quando no triênio 89-91 eclodiu um verdadeiro abalo sísmico no mundo da idéias com a dissolução da União Soviética, a UJS soube se manter de pé, não foi arrastada pelo vendaval anticomunista que o imperialismo desencadeou. Entrou na arena e participou da luta teórica que reafirmou o socialismo em bases novas. Nessa batalha, ou melhor, nessa guerra travada, esteve lado a lado com o Partido Comunista do Brasil, PCdoB, partido que liderou de forma vitoriosa o enfrentamento dessa crise do socialismo. PCdoB, aliás, que foi o grande incentivador da fundação da UJS e com a qual mantém contínua comunicação e ação conjunta.

A UJS tendo participado das campanhas que levaram Lula à Presidência, se movimenta nos dias atuais, tanto respaldando o governo que ajudou a eleger quanto o impulsionando a cumprir o programa de mudanças com o qual selou compromisso com o povo brasileiro. Em especial, se dedica para que se honrem os compromissos firmados com a juventude brasileira, principalmente, no que se refere a seus direitos ao trabalho, à educação pública de qualidade, ao esporte e à cultura. Tem contribuído com a elaboração do programa de políticas públicas para a juventude a ser implementado pelas diferentes áreas do governo.

Em 2005, quando a direita golpista e seu monopólio midiático conspiravam para cassar o mandato do presidente Lula, a UJS estava na linha de frente do movimento social que se levantou em defesa da democracia.

Num mundo marcado pela escalada de guerra do imperialismo norte-americano, a UJS tem como uma de suas prioridades a luta pela paz e a defesa da soberania dos povos. Internacionalista, mantém relações com entidades juvenis, democráticas e revolucionárias, de vários países.

Os jovens socialistas promovem e defendem a cultura brasileira, tratam-na como um dos principais patrimônios de nosso povo, uma das marcas da própria identidade nacional. Não é pois sem motivo que escolheram, desde o início, o poeta Castro Alves, como patrono. Lutam, também, pelo fortalecimento da produção científica no país, juntam sua voz as dos pesquisadores e cientistas brasileiros que alertam as autoridades para o fato de ciência e tecnologia serem requisitos à soberania de qualquer país.

Os jovens da UJS se consideram herdeiros da rica tradição de luta da juventude de seu país. Jornadas que remontam à época do Brasil Colônia quando se irromperam as primeiras lutas pela independência, passando pela campanha dos estudantes pela Abolição da escravatura e pela República, pela paz e contra o nazi-fascimo. De modo especial os jovens da UJS se apresentam como continuadores dos jovens combatentes da Guerrilha do Araguaia. Ao reivindicarem a si essa herança expressam uma opção contundente pela militância, pela consciência de que é possível construir uma sociedade nova num mundo bem diferente deste.
Mesmo quando as iniqüidades da realidade presente pressionam a juventude a descrer de sua força e a duvidar do triunfo do novo.

À época de sua fundação, em 1984, entre as reflexões políticas e teóricas que motivaram o seu lançamento circulava a idéia de que era preciso "proteger a juventude dos efeitos destrutivos do atual sistema". O caminho que a juventude encontrou para se proteger das ações destrutivas do capitalismo foi o da união, da luta, do exercício pleno e consciente de seu vigor e de sua rebeldia em prol de um Brasil livre, soberano, democrático e socialista.
* Jornalista e poeta, é secretário nacional de Formação e Propaganda do PCdoB e presidente da Fundação Maurício Grabois.
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.

 

Tucanagem na USP (ou a privataria vai à universidade)

 

Odair Rodrigues *

O caráter público da Universidade de São Paulo sofre um lento estrangulamento desde a primeira administração tucana de Mário Covas.

A privatização do tripé ensino, pesquisa e extensão vem sendo realizada pelas fundações instaladas na universidade há pouco mais que uma década. Por outro lado, com as verbas vinculadas à arrecadação do ICMS, a comunidade universitária vê seus recursos minguarem porque os sucessivos governos do PSDB reduziram ou isentaram grandes empresas de vários impostos.

O silenciamento daqueles que se recusam a aceitar os ditames neoliberais na academia são constantemente pressionados e até mesmo confrontados diretamente como o professor Kabengele Munanga, respeitado por suas pesquisas e incansável luta contra o racismo.
As organizações sindicais e estudantis sofrem pesada perseguição através de demissões, proibição de reuniões, desocupação judicial das sedes, processos contra as entidades e seus membros.

O extremo aconteceu este ano com a ocupação do campus Butantã pela tropa de choque da PM, que prendeu e feriu professores, funcionários e estudantes em batalhas semelhantes às ocorridas durante a ditadura militar. Prédios foram atacados com gás, helicópteros deram rasantes e balas de borracha foram usadas fartamente onde o deveria prevalecer o debate de idéias.

A professora Suely Vilela, a partir dessa atitude truculenta, passou a ser considerada, pela comunidade universitária, “reitora de fato” assim como Roberto Michelleti é “presidente de fato” em Honduras. Ou seja, tem apenas o apoio dos demo-tucanos e do PIG (Partido da Imprensa Golpista).

O resultado desse desastre político-administrativo reflete diretamente nas atividades acadêmicas. A USP tem paulatinamente perdido qualidade nas avaliações do ensino superior, tanto no Brasil, como no exterior. A universidade, seguindo uma lógica neoliberal, também se afasta cada vez mais da tendência nacional de abrir seu processo seletivo para diversos setores da população: não tem política de cotas, não participa do ENEM e se recusa a ser avaliada por critérios do MEC.

Cada governo tucano de São Paulo imprimiu sua marca nas universidades paulistas, especialmente na USP; Mario Covas implementou a gestão neoliberal, Alckmin ampliou o poder das fundações e reduziu verbas, Serra instaurou a truculência física, política e judiciária nos campi.

É a velha fórmula da privataria, reprimir, fragmentar e depreciar para vender mais barato o patrimônio estatal.

Defender a Universidade de São Paulo como instituição pública é manter a possibilidade de transformá-la em democrática, acadêmica e politicamente, para o povo.
Os brasileiros defendendo seu patrimônio, isso é o que menos deseja a aliança demo-tucana, portanto, combatamos as viúvas do Consenso de Washington no seu ninho paulista.

Em defesa da Universidade Pública, Gratuita, Democrática em São Paulo!

* É professor de língua e literatura no Estado do Paraná, web cronista, poeta, e militante da Unegro e do PCdoB.  Autor do blog Ruminemos: http://ruminemos.blogspot.com

* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.

Com o PCdoB, sim, nós podemos

Luciano Rezende *

Nas vésperas de seu 12° Congresso, um novo acontecimento enche de orgulho todos os militantes do Partido Comunista do Brasil: a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Tal conquista, somada à realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007 e a eleição da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, é o corolário de um exitoso trabalho e simboliza a diferenciada intervenção comunista no governo Lula através do Ministério do Esporte. De fato, o PCdoB trabalha para o êxito deste governo progressista.

Pela primeira vez, em toda a sua rica história de mais de oito décadas de existência, o Partido do Socialismo ocupa um ministério e mostra a diferença entre as concepções marxista vigente e a liberal passada. Tais feitos seriam imagináveis nos governos entreguistas passados?

Prova cabal desse retumbante sucesso é o rancor e a inveja destilados pela oposição através dos seus jornais. São incapazes de esconder que torceram contra o Brasil. Mais que isso, chegam a ponto de insinuar que somos incapazes de realizar tais eventos e questionam o despertar da consciência e dos valores esportivos entre os brasileiros como algo secundário. Certamente se fosse José Serra nosso presidente (pé-de-pato mangalô três vezes) teria preferido investir na construção de mais cadeias para a juventude (vide o exemplo de São Paulo).

O PCdoB contribui imensamente pela superação daquilo que Nélson Rodrigues chamou de “complexo de vira-latas” (muito bem lembrado por Lula). O abatimento na auto-estima do povo brasileiro, martelado pelas elites que secularmente impuseram uma visão rebaixada da nossa formação, vem recebendo duros golpes. A contra gosto destes, reafirmamos: sou brasileiro e comunista, e não desisto nunca!

Mas a contribuição comunista na construção deste novo Brasil que está florescendo vai além do chamado trabalho “institucional” e é importante destacar a forte presença que tem nos movimentos sociais. O PCdoB deverá ser lembrado como o Partido que liderou o movimento “Fica Lula” em meio ao vendaval golpista desencadeado pelo episódio alcunhado pela grande mídia como “mensalão”. Sobretudo a juventude, liderada pela UJS - que teve destacado papel dentro da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) -, não caiu na cilada dos golpistas que clamavam ironicamente a volta dos cara-pintadas. A juventude comunista pintou a cara no dia 16 de agosto de 2005 e tomou as ruas de Brasília para dizer que estava “com Lula, pelas mudanças, contra a corrupção”.

De igual maneira, a luta de idéias travada pelo Partido vem sendo outra trincheira em defesa da plataforma mudancista. Diante de uma enxurrada de ataques canalizados pela direita conservadora, a palavra lúcida e consequente do PCdoB serve como mais um arrimo na sustentação do atual governo e uma alavanca para impulsionar as mudanças, disputando com as teses reacionárias os rumos políticos do país.

Por tudo isso, o 12° Congresso de PCdoB ocorrerá em um momento singular de nossa história e numa circunstância que nos permite reafirmar que o Partido vem adotando uma linha política correta, merecedora de elogios de diversas partes do mundo, justamente por trilhar um caminho próprio, assentado no marxismo, com as peculiaridades da conjuntura atual e de nossa realidade.

Desse processo congressual, já iniciado há alguns meses, deverá surgir um programa avançado, pautado na superação de novos desafios que se apresentam, e um Partido robustecido para a grande batalha eleitoral do próximo ano em que teremos o desafio de impedir o retorno à presidência da república aqueles mesmos que aviltaram e rebaixaram nossa nação.

Com o PCdoB ainda mais experimentado, calejado nas lutas “institucionais”, sociais e intelectuais, seguiremos em frente. Sim, nós podemos!


* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.

ONU  escolhe Brasil por unanimidade para o Conselho de Segurança

O Brasil foi eleito nesta quinta-feira (15) pela Assembleia Geral das Nações Unidas membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. Foram 182 votos e nenhum contrário, de um total de 183 países votantes. É a décima vez que o Brasil ocupa um assento eletivo no Conselho - frequência só igualada pelo Japão. O país permanece em campanha por uma cadeira de membro permanente, dentro de uma reforma que democratize o Conselho de Segurança.

Foram também eleitos para o mesmo mandato 2010-2011 a Bósnia e Herzegovina, o Gabão, o Líbano e a Nigéria. O mandato dos novos membros é de dois anos - de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011.

O Conselho de Segurança estará composto em 2010 pelos seguintes países: Áustria, Japão, México, Turquia e Uganda (que cumprem mandato 2009-2010); Brasil, Bósnia e Herzegovina, Gabão, Líbano e Nigéria (eleitos para o mandato 2010-11), e os cinco membros permanentes, com direito de veto  (China, França, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia).

As prioridades do Brasil como membro eleito do conselho incluem a estabilidade no Haiti, a situação na Guiné-Bissau, a paz no Oriente Médio, os esforços em favor do desarmamento, a promoção do respeito ao Direito Internacional Humanitário, a evolução das operações de manutenção da paz e a promoção de um enfoque que articule a defesa da segurança com a promoção do desenvolvimento socioeconômico.

Mais cedo, antes do resultado, o ministro das Relações Exteriores, Celson Amorim, havia dito que o Brasil se compromete a manter os esforços em favor “da paz internacional”.

Membro fundador da ONU, o Brasil tem tradição de contribuir para as operações de manutenção da paz da Organização. Em 1956, tropas brasileiras foram enviadas à primeira Força de Emergência das Nações Unidas em Suez. Desde então, o Brasil participou de mais de 30 operações de paz das Nações Unidas, engajando nelas cerca de 20 mil homens.

Atualmente, o Brasil contribui com mais de 1.300 soldados, observadores militares e policiais em três continentes. O maior contingente está no Haiti, onde um general brasileiro exerce o comando militar da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), integrada por 17 países. O Brasil foi membro do Conselho de Segurança em nove biênios (1946-47, 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68, 1988-89, 1993-94, 1998-99 e 2004-05).

Com informações da Agência Brasil
16 de Outubro de 2009 - 0h43

“Anticristo”: Da mulher como ser histórico

Cloves Geraldo *

Em filme que trafega pelos gêneros suspense e terror psicológico, diretor dinamarquês, Lars von Trier, põe em discussão a permanência dos arquétipos que bloqueiam o entendimento do papel da mulher na sociedade moderna

“A natureza é a igreja do diabo”, diz Ela (Charlotte Gainsbourg) a Ele (Willen Dafoe) numa das cenas significativas de “Anticristo”, do dinamarquês Lars von Trier. Diz mais sobre todo o filme, que outras frases, não menos emblemáticas da trama. Em princípio pode-se pensar na floresta, com seus intricados códigos e ritos. Depois, com os obstáculos que surgem diante de do psicoterapêuta Ele, a frase expande o significado e o espectador percebe que se trata da natureza humana. Esta sim traz em si o arcaico que domina o ser humano. E emerge, muitas vezes, com uma multiplicidade de conteúdos. Dentre eles, o difícil equilíbrio entre a aceitação do outro e a superação dos instintos primitivos, que a religião ainda enseja. Eles surgem quando Ele mergulha não no inconsciente de Ela, mas no que esta constrói a partir das referências do sagrado e dos arquétipos da sociedade medieval, que ainda sobrevivem.
Pode parecer intricado, hermético, pelo contrário, Lars von Trier (“Dogville”, “Manderlay”) dota seu filme de uma trama cheia de suspense e de reviravoltas que mantém o espectador aceso. Parte de uma sequência quase banal, do casal Ele/Ela (o diretor não dá nome aos personagens) em pleno êxtase, enquanto o filho despenca da janela do apartamento. Uma mescla de inocência e prazer, que redunda em depressão e descontrole. A perda, em princípio, é o centro da trama. Ela é internada. Ele, mesmo com a resistência do médico da mulher, decide cuidar dela. Usa, para isto, o arcabouço da psicoterapia comportamental cognitiva, que aos poucos se mostra insuficiente. Existe sob aquele ser aparentemente depressivo outras camadas a serem desvendadas. E ele só o descobrirá ao levá-la para a cabana que eles possuem em plena floresta. Ali, entre árvores, plantas, rio e animais, cada gesto, atitude e reação irão mostrar-lhe a pessoa antes submersa.

Técnicas de psicoterapia revelam-se insuficientes

Existe uma mulher, Ela, com seus conflitos interiores, gerados pela perda do filho, e outra, mulher, Ela, cujo mundo exterior é revelado pelo entorno: floresta, animais, gravuras, escritos e reações. Enquanto ela luta contra sua depressão, projetando no marido seus impulsos destrutivos, ele ainda entende e tenta ajudá-la a superá-los. Mas quando ele descobre seu outro universo, Ele, ainda que psicoterapêuta; se perde. Seus parâmetros são insuficientes. Ele o percebe ao estar diante da corça em pleno parto, de pé, a fitá-lo; ou ao ver o pássaro, recém-nascido, ser devorado pelas formigas. E a raposa ensanguentada dizer-lhe: ”Reina o caos”. Existem leis próprias da natureza que não se harmonizam ou ao fazê-lo projetam um equilíbrio de difícil compreensão para Ele. Tudo se complica, quando Ele descobre que ela, que pesquisava para escrever uma tese sobre a execução de mulheres nas fogueiras da Idade Média, deixou o trabalho inconcluso.

Ele se vê diante de outra pessoa – Ela acumulou evidências sobre a permanência do arcaico na natureza humana. Tem a ilustrá-lo gravuras, pinturas e escritos. Isto ilustra quem ela própria é: dotada de instintos primitivos, dos quais ainda não se livrou. Vê-se, assim, incapaz de prosseguir o trabalho, pois se defronta com o próprio papel da mulher na sociedade medieval, que, malgradas as conquistas, ainda permanece - de reprodutora, de fonte de prazer, na qual se projetam o fetichismo, o desejo e a castração – esta configurada na ausência de pênis. Ele defronta-se, assim, com o desconhecido, algo para o qual não está preparado – a natureza em sua inteireza é maior e mais complexa do que suas técnicas terapêuticas. O gavião, ao comer o pássaro em formação, o mostra – ali não existe a complacência, a harmonia é ditada pela natureza do gavião – que se alimenta do que está à disposição, sem considerações éticas, morais ou conveniência.

Perda do filho se transforma em ódio

Daí fazer sentido a frase: “A natureza é a igreja do Satanás”. Todas as considerações sobre a construção da sociedade humanista, igualitária, pós-idade Média, caem no vazio. Os conflitos interiores, ditados pelo arcaico, permanecem. Se na sociedade medieval, controlada pela Igreja Católica, o papel da mulher era de ser apenas reprodutora, qualquer manifestação de desejo ou de autonomia, era punido com a fogueira. E a natureza aqui é identificada com o pecado; o que merece ser punido com o fogo, símbolo do inferno, reino de Satanás. Nestes termos o prazer é uma forma de pecado – enquanto o casal o desfrutava, o filho caia da janela. A autopunição de Ela se encaixa plenamente nestes parâmetros. Atestando a incompreensão que Ele, psicoterapêuta, tem da realidade construída (a sociedade de classe, com papéis definidos), mas que guarda seus arquétipos e ethos primitivos.

A incompreensão do papel histórico da mulher, revelado por suas manifestações exteriores (cartazes, desenhos, textos, a floresta e os animais), muda a maneira como Ele vê sua companheira. Aquela a quem queria tratar e curar; passa a ser empecilho para sua sobrevivência. Estabelece-se um conflito de vida e morte entre ambos. Lars von Trier encena-o em sequencias intensas, em que os papéis se invertem – ele que era passivo se torna ativo e vice versa. A paixão se transforma em ódio - um enxerga o outro como inimigo, a quem deve eliminar. Situações adversas à de “Império dos Sentidos”, quando Nagisa Oshima encena a castração, como resposta da amante ao desvario sexual do amado, e Ingmar Bergman a mutilação da genitália feminina, como símbolo da impotência da solitária moribunda, em “Gritos e Sussuros”. Ambos tratam do desejo, do prazer, enquanto Lars von Trier remete o espectador ao conflito entre o arcaico e o papel histórico da mulher.

Psicanalista analisa papéis dos parceiros

O psicanalista Sérgio Telles, em artigo para o Jornal “O Estado de São Paulo” (1) faz um leitura psicanalítica do conflito entre Ele e Ela. “Para a psicanálise, a destruição e a sexualidade são as duas forças em permanente conflito que movimentam o psiquismo. Elas são simbolizadas e estruturadas em dois momentos cruciais – nas vivências primárias com a mãe e, posteriormente, na configuração triangular edipiana. Para que a transição do primeiro para o segundo momento possa chegar a bom termo, é imprescindível que o sujeito passe pela castração simbólica, que o faz sair da relação indiscriminada e fusional com a mãe e aceitar o outro, com suas diferenças, entre elas e da maior relevância, a diferença sexual. Cada sexo passa de forma específica por este processo”.

“A partir deste contexto, no inconsciente, o homem tem dois motivos para temer a mulher. O mais recente em termos de desenvolvimento é o decorrente justamente da castração, cujo terror lhe é evocado pela visão do genital feminino. O outro motivo do temor que a mulher inspira no homem é mais arcaico e não é o medo da castração e sim o medo da aniquilação, da morte. Tal medo decorre de vivências muito precoces adquiridas pela criança no contato com uma mãe imaginada como não submetida à Lei, detentora de um poder absoluto, arbitrário e imprevisível, ao qual ela está completamente exposta em seu desamparo (...)”.

“Assim, quando a raposa diz para Ele que “O caos reina”, estaria se referindo ao caos do reino das mães, o caos da ausência da Lei paterna, o caos das organizações mais primitivas do inconsciente que subjaz sob a superfície consciente, racional, lógica. A enigmática cena final, na qual aparecem muitas mulheres na montanha onde ele está; talvez indique que, apesar de ter ele se livrado da mulher-mãe-bruxa, não pode mais escapar de seu poder, que retorna multiplicado. Não lhe restam mais saídas, está aprisionado no reino das mães, da natureza, da violência e da loucura”.

Filme envereda para o terror psicológico

Nestas sequências definidoras da trama em constante refundir, retirando delas significados que reforçam o entendimento do espectador, frente aos impasses de Ele, Lars von Trier envereda para o terror psicológico. Não se sabe de onde vêm as figuras que brotam da floresta – ele está cada vez mais fragilizado. As ferramentas que o tornavam tão seguro, agora o confundem. As reafirmações dela de que esteve sempre ausente, mesmo quando estava ao lado dela e do filho, se mostram verdadeiras. Ele nunca compreendeu o sentido histórico de seu papel enquanto mulher. Não é o físico, a fonte do desejo, ela é mais do que isto. Neste ponto, a narrativa se bifurca – Lars von Trier, roteirista, reforça o papel histórico dela, mulher, e as mudanças processadas e a processar. Fato para os quais Ele não atentou.

E o terror psicológico perde o sentido. Não é o terror em si, mas o simbolismo deste gênero, que leva ao transcendente, ao que foge ao entendimento de Ele. Lança, por isto, mão do sobrenatural. Justamente o que fazia a Igreja Católica durante a idade Média, ao identificar a mulher com o satanismo, notadamente quando entrava em seu ciclo menstrual. Daí a necessidade de eliminar o satanismo, a bruxaria, a fonte do sangue, e queimá-la na fogueira. Ele termina por chegar à mesma conclusão nestes tempos tecnológicos, confirmando a permanência do arcaico, do primitivo. Ainda que se veja a supremacia masculina no desfecho de “Anticristo”, ela tem um quê de enigma, de desarticulado. Sozinho, Ele é um ser perdido, incompleto. Ele só poderá ser o homem total, pleno, se conviver historicamente com Ela. Do contrário, viverá em permanente estado de perplexidade e ignorância.

Diretor faz novo uso do psicodrama

Nos rostos dos atores, cujos nomes dos personagens foram abstraídos, se estampa a tragédia. Com suas rugas e saliências, eles se entregam à encenação com intensidade. Não uma encenação qualquer; têm se ressaltar cada emoção contida ou desbragada, de horror total ou frustração, de ódio pelo outro ou instante de paixão. O psicodrama, tão usado nos anos 60, ressurge com outra leitura: a de que o naturalismo não se presta à discussão colocada na tela. Isso cria a tensão entre Ele e Ela. Eles se caçam, se agarram e se entregam um ao outro, no exato instante em que também se mutilam. A câmera de Trier os acompanha sem se intrometer, se mostrar, ela registra e registra e registra as reações deles em completa integração com o cenário rústico, descarnado; sendo os grandes espaços tão assustadores, quanto os da cabana onde Ele e Ela se digladiam.

Todas estas questões ilustram a perda, a dor, o vazio, e o desconhecimento que a sociedade tem da mulher, enquanto ser social, histórico. Não é uma tese que busca comprovar seu papel na sociedade moderna, tão só uma atitude do diretor perante a situação de gênero vivida pelas mulheres no Primeiro Mundo. Um tipo de mulher, classe média, cuja experiência é adversa à da africana, da asiática e da sul-americana de baixa renda. Os arquétipos, porém, são os mesmos. Talvez o filme choque alguns segmentos sociais, desacostumados ao cinema de Lars von Trier, dada à crueza de várias sequências. No entanto, é de choque em choque que se evolui – não se pode correr das ondas, quando estão à sua porta. Mergulhe. Vale a pena!


“Anticristo” (“Antichrist”). Terror psicológico. Dinamarca/Alemanha/ Polônia/ França/Itália. 2009. 109 minutos. Roteiro/Direção: Lars von Trier. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Willem Dafoe.
(1)Telles, Sérgio, O Caos no “terrível reino das mães”, Caderno 2, Cultura, O Estado de São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009, pág. D12.






* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.


Saramago chama Igreja de "reacionária" e acusa Bento XVI de "cinismo"

Roma, 14 out (EFE).- O escritor português e Nobel de Literatura (1998) José Saramago chamou o papa Bento XVI de "cínico" e disse que a "insolência reacionária" da Igreja precisa ser combatida com a "insolência da inteligência viva".


"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" desta pessoa, disse Saramago em um colóquio com o filósofo italiano Paolo Flores D'Arcais, que hoje lança "Il Fatto Quotidiano".
Saramago, por sua vez, encontra-se na capital italiana para divulgar o livro "O Caderno" e se reunir com amigos italianos, como a vencedora do Nobel de Medicina Rita Levi Montalcini (1986).
No colóquio com Flores D'Arcais, Saramago afirmou que sempre foi um ateu "tranquilo", mas que agora está mudando de ideia.
"As insolências reacionárias da Igreja Católica precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só tem interesse no poder", afirmou.
Segundo Saramago, a Igreja não se importa com o destino das almas e sempre buscou o controle de seus corpos.
Perguntado se o pouco compromisso dos escritores e intelectuais poderia ser uma das causas da crise da democracia, o escritor disse que sim. Porém, disse que este não seria o único motivo, já que toda a sociedade encontra-se nesta condição, o que provoca uma crise de autoridade, da família, dos costumes, uma crise moral em geral.
Saramago destacou que o fascismo está crescendo na Europa e mostrou-se convencido de que, nos próximos anos, ele "atacará com força". Por isso, ressaltou, "temos que nos preparar para enfrentar o ódio e a sede de vingança que os fascistas estão alimentando".
A visita de Saramago a Roma acontece a um dia do lançamento do seu mais novo livro "Caim", no qual volta a tratar da religião. EFE