sexta-feira, 4 de setembro de 2009

31 de Agosto de 2009 - 19h08

Fraternidade ecológica

Moises Diniz *

Quanto texto, conferência, dissertação, opinião, tinta, tipografia, hemorragia de letras e quanto verbo acerca da necessidade de manter preservada a floresta. Só a quantidade de celulose utilizada em bilhões de páginas de papel, escritas sobre o assunto, reporia 2% da floresta devastada do planeta.

E ninguém sugere que olhemos para as nossas origens na floresta, após a nossa longa, fria e tenebrosa passagem pelas águas.

Temos um medo abissal de olhar para as extremidades de nossos dedos e descobrir que, durante quase um século de milhões de anos, resistimos nas árvores. Nossas garras, que depois se transformaram em mãos, guardaram as marcas digitalizadas das cascas das árvores. Quando vamos retirar a nossa carteira de identidade, o nosso polegar denuncia a nossa origem animal e as marcas indeléveis que ficaram do tempo inestimável de nossa vida braquiadora na floresta.

Viemos de uma resistência biológica e ecológica de milhões de anos. Nossos antepassados, esgotado o período de especiação, estão na floresta a nos lembrar que a única coisa que nos separa dos mamíferos inferiores é a palavra e o raciocínio lógico. Isso já basta para entendermos que entre nós e os mamíferos inferiores deve existir uma cumplicidade que não deixa de ser gratidão.

Além de termos vindo de lá, a partir da evolução das espécies, nos alimentamos de sua carne e de seus frutos. Mesmo os animais domesticados um dia viveram na floresta. A partir das florestas ocupamos as planícies, as cavernas. De lá retiramos as nossas primeiras ferramentas, nossos nomes e vestimentas.

À exceção do sal, o que consumimos que não tenha vindo da floresta? Até os combustíveis fósseis são resultados de trilhões de árvores envelhecidas, apodrecidas e soterradas no quase intocável subsolo do planeta.

Tudo o que temos de mais forte e mais precioso em nossa carga biológica, genética e humana foi adquirido e aperfeiçoado na floresta. Nossas mãos retráteis nasceram do contato rústico e dolorido com as cascas das árvores. Nosso esqueleto de alta resistência e formidável elasticidade óssea foi construído entre os galhos, em nosso deslocamento arbóreo. Nossa visão estereoscópica é fruto da vivência entre as folhagens da copa das árvores.

Adquiridas essas ferramentas biológicas e esgotado o alimento em nosso nicho ecológico arbóreo, como uma espécie fugindo da extinção, descemos ao solo das imensas florestas, antes de nos aventurarmos nas planícies. Nas florestas demarcamos os nossos territórios, organizamos as nossas hordas e famílias e iniciamos o manuseio primitivo das primeiras ferramentas.

Antes de nossa espécie ter realizado a curva pré-histórica de supremacia ‘espiritual’ entre si e os animais inferiores, a alma não era exclusividade do homo sapiens. Os animais da floresta, especialmente os mais fortes e os mais inteligentes, eram dotados de espírito, que orientavam ou puniam o homo erectus. O espírito do búfalo, do urso, do leopardo, da águia, da serpente.

No longo período de transição entre o primata e o homem, nós vivíamos numa relação desigual com o meio ambiente e seus recursos naturais poderosos. Sofremos intempéries mortais do tempo glacial, da chuva ácida, do sol escaldante, dos vulcões, das torrentes e das tempestades. As feras da floresta nos dizimavam como formigas e nosso tempo era curto em cada território e caverna. Então, decidimos nos vingar, nos transformamos numa força geológica. O antropoceno está matando aqueles que o criaram, como um monstro que nasce do parto de uma borboleta.

A nossa vingança se voltou contra nós mesmos e estamos a destruir as últimas reservas de água, floresta e toda a acumulação primitiva de recursos naturais. Estamos matando a nossa galinha dos ovos de ouro e sequer a maioria da população tem acesso aos ovos.

Uma minoria consome os recursos naturais, que se tornam bens sofisticados, enquanto a maioria da população do planeta não sabe o que é beber água potável ou alimentar-se três vezes ao dia. Apesar disso, o planeta está se exaurindo e deixando órfãs de seus recursos naturais as gerações do futuro.

No decorrer dos séculos, com o avanço da tecnologia, perdemos a cumplicidade entre o ser humano e o espaço verde que nos criou e nos alimenta. Os homens que dirigem o planeta são os antigos mamíferos que se tornaram lobos do semelhante. Eles cuidam de sua alcatéia, de sua minoria, a controlar e consumir os recursos naturais com cérebro de lobo e estômago de lagarta.

Talvez uma maldição biológica explique a nossa vingança. Nossos genes são quase iguais aos genes dos ratos. Quanto aos macacos somos mais semelhantes, além dos genes, da herança do esqueleto, da fisiologia, da fisionomia e das digitais. Somos descendentes próximos dos macacos e parentes distantes dos anjos. E ainda temos a ousadia de afirmar que somos filhos de Deus.

Durante setenta milhões de anos vivemos nas florestas. Quanto à vida humana nas cidades, ainda não completou meio milhão de anos. E por que tanto desamor aos recursos naturais? Por que tanta indiferença às formas de vida indefesa das florestas e das águas?

Dentre os animais nós somos os únicos capazes de envenenar a própria água que bebemos, de matar um ser vivo sem ter a necessidade de comê-lo para saciar a fome, de escravizar o semelhante, de torturá-lo. Contraditoriamente, somos os únicos que têm alma e, se não bastasse, somos os únicos seres vivos que riem.

A verdade é que toda a nossa ferocidade ancestral e os nossos instintos mais primitivos foram organizados em leis, em códigos canônicos e em sociais convenções. O presídio de hoje é a árvore oposta que abrigava a família de símios que queria roubar os meus frutos. A civilização é uma pele humana que cobre a nossa animalidade ancestral.

Talvez, por isso, não consigamos olhar com fraternidade para as formas de vida que não riem, não torturam, não matam a si mesmas, não rezam, não escravizam. Felizmente, nossos somos a única espécie que perdoa.

Por isso a nossa aposta na espécie humana, na sua capacidade de transformar lixo em arte, de recuperar os rios, de reciclar sua urina, de fazer de um grito uma música, de transformar o desejo mais simples em utopia e de, finalmente, perceber a dimensão da dor nas formas de vida que não fazem parte da civilização.

Somente uma nova ordem humana e ecológica e uma nova filosofia de produção e de consumo serão capazes de deter a barbárie da civilização. Que os antigos espíritos dos animais da terra e das águas nos orientem no rumo ontológico de nossas origens e de nossas utopias coletivas, embebidas no orvalho amazônico da fraternidade e na cura das enfermidades da alma humana, reconstruindo o pacto sócio-ecológico entre o homem e a floresta.


* Neto de índios Ashaninkas, ex Irmão Marista, formado em pedagogia e
deputado estadual pelo PCdoB no Acre.

FIDEL CASTRO - OS FINS NÃO JUSTIFICAM OS MEIO

3 de Setembro de 2009 - 17h01


O líder da Revolução cubana, Fidel Castro, afirmou que as notícias diretas procedentes dos Estados Unidos produzem em certas ocasiões indignação e às vezes repugnância.
Em um artigo intitulado "O fim não justifica os meios", divulgado na quarta-feira (2) pela publicação digital CubaDebate, Fidel Castro assinala que "qualquer página do grande volume de notícias procedentes de um continente, região ou país do mundo, de um modo geral estão relacionadas com a política dos Estados Unidos da América. Não existe lugar do planeta onde não é experimentada a avassaladora presença do império".

O líder cubano considera que, como é lógico, durante quase dez anos as notícias sobre as guerras brutais dos Estados Unidos ocuparam espaços importantes na imprensa e ainda mais quando havia uma eleição presidencial.
Leia abaixo a íntegra do artigo de Fidel Castro:
Fidel Castro: O fim não justifica os meios

As notícias diretas provenientes dos Estados Unidos da América em ocasiões produzem indignação e outras vezes repugnância.

Como é sabido, nos últimos tempos grande número delas se referiam aos problemas associados à grave crise econômica internacional e as suas consequências no seio do império. Não são, portanto, as únicas referentes a esse poderoso país. Qualquer página do grande volume de notícias procedentes de um continente, região ou país do mundo, de um modo geral estão relacionadas com a política dos Estados Unidos da América. Não existe lugar do planeta onde não é experimentada a avassaladora presença do império.

Como é lógico, durante quase dez anos as notícias sobre as suas brutais guerras ocuparam importantes espaços da imprensa e ainda mais quando havia uma eleição presidencial.

Contudo, ninguém tinha imaginado que no meio do drama das guerras de conquista apareciam as notícias sobre os cárceres secretos e os centros de tortura, um vexante e bem guardado secreto do Governo dos Estados Unidos.

O autor da grotesca política que conduziu a esse ponto tinha usurpado a presidência dos Estados Unidos da América nas eleições de novembro do ano 2000, mediante fraude eleitoral no sul do estado da Flórida onde se decidiu a guerra.

Depois de usurpar o poder , W. Bush não apenas arrastou o país a uma política de guerra, mas também deixou de subscrever o Protocolo de Quioto, negando ao mundo durante 10 anos, na luta pelo meio ambiente, o apoio da nação que consome 25 por cento do combustível fóssil, o que pode ocasionar à espécie humana um prejuízo irreparável. Já a mudança climática está presente no incremento mundial do calor, que os pilotos de aviões executivos podem observar através dos tornados de crescente força que são formados desde as primeiras horas da tarde nas suas rotas tropicais e podem ser motivo de perigo para os seus modernos jatos. Ainda não se conhecem as causas do acidente do avião de Air France que se desintegrou em pleno voo.

Nada seria comparável com as consequências do descongelamento da enorme massa de água acumulada sobre o continente antártico, somada à que se derrete sobre a Groenlândia. O meu ponto de vista sobre a responsabilidade que cai sobre Bush, sustentei-o em recente encontro com o cineasta norte-americano Oliver Stone ao comentar-lhe o seu filme: "W" , referente ao penúltimo Presidente dos Estados Unidos da América.

Limito-me a assinalar que após os erros e horrores políticos de George W. Bush, o ex-presidente Cheney, que foi o seu conselheiro, defende a ideia de que as torturas ordenadas à CIA para obter informação estavam justificadas, razão pela qual salvaram vidas norte-americanas graças à informação obtida por essa via.

É claro que não salvou as vidas dos milhares de norte-americanos que morreram no Iraque, nem as de quase um milhão de iraquianos, nem os que em número crescente morrem no Afeganistão. Também não se sabe quais serão as consequências do ódio acumulado pelos genocídios que estão sendo cometidos ou podem ser cometidos por essas vias.

Trata-se, compreenda-se bem, de um problema essencial de ética política: "o fim não justifica os meios". A tortura não justifica a tortura; o crime não justifica o crime.

Tal princípio foi debatido e se manteve durante séculos. Em virtude dele a humanidade tem condenado todas as guerras de conquista e todos os crimes cometidos. É bem grave que o mais poderoso império e a mais colossal superpotência que haja existido nunca proclame tal política. Mais preocupante ainda não é só que o ex-presidente e o principal inspirador de tão pérfida política a proclame abertamente, mas que um elevado número de cidadãos desse país, talvez mais da metade, a apoie. Nesse caso, seria uma prova do abismo moral ao qual pode conduzir o capitalismo desenvolvido, o consumismo e o imperialismo. De ser assim, deve proclamar-se abertamente e pedir opinião ao resto do mundo.

Considero, contudo, que os cidadãos mais conscientes dos Estados Unidos da América serão capazes de realizar e ganhar essa batalha moral a medida que compreendam a dolorosa realidade. Nenhuma pessoa honesta no mundo deseja para eles, ou para qualquer outro país, a morte de pessoas inocentes, vítimas de qualquer forma de terror, venha de onde vier.

Fidel Castro Ruz, Havana, 2 de setembro de 2009, 19h34 .

Fonte: Agência Cubana de Notícias

GOLPE EM HONDURAS

 3 de Setembro de 2009 - 23h01

Após visita de Zelaya, EUA endurecem com golpistas de Honduras


O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, comemorou a decisão anunciada nesta quinta-feira (3) pelo governo norte-americano de suspender todos os programas de auxílio que mantém com seu país, exceto a ajuda humanitária. Em uma breve entrevista que concedeu após sua reunião com a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ocorrida em Washington, Zelaya explicou que as novas sanções demonstram que o regime de facto de Roberto Micheletti "está cada vez mais isolado".

Em uma breve entrevista que concedeu após sua reunião com a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ocorrida em Washington, Zelaya explicou que as novas sanções demonstram que o regime de facto de Roberto Micheletti "está cada vez mais isolado". O mandatário também reiterou que sua volta ao poder é uma questão "inegociável"

Nesta quinta-feira (3), o Departamento de Estado norte-americano decidiu suspender "grande parte" das assistências mantidas junto a Honduras. A medida tem como objetivo pressionar o governo de facto a aceitar um acordo que permita a restituição de Zelaya, deposto em um golpe de Estado no fim de junho. O anúncio, feito mediante um comunicado em nome de Ian Kelly, porta-voz da diplomacia dos Estados Unidos, ocorreu durante a audiência entre Hillary e Zelaya.

No texto, Washington diz ainda que não reconhecerá as eleições presidenciais hondurenhas marcadas para 29 de novembro se o chefe de Estado não for reconduzido ao poder.

"Neste momento, não seremos capazes de apoiar o resultado das eleições", afirma a nota. O Departamento de Estado cobrou uma "conclusão positiva" para a mediação do presidente costa-riquenho, Oscar Arias, o que poderia "prover uma base sólida para a legitimação das eleições".

O comunicado indica que "a restauração das assistências canceladas" será avaliada quando houver em Honduras "a volta de um governo democrático e constitucional". Mas, apesar do endurecimento de posição, Washington evitou qualificar a destituição de Zelaya como um "golpe militar".

Funcionários do governo norte-americano acreditam que o valor dos auxílios interrompidos pode chegar a US$ 200 milhões. Antes, os Estados Unidos já haviam suspendido a cooperação militar e paralisaram o serviço de emissão de vistos para cidadãos hondurenhos.

Também nesta quinta-feira, o governo brasileiro anunciou que voltará a cobrar vistos para hondurenhos que venham ao país. A exigência estava suspensa graças a acordos assinados em 2004.


Fonte: ANSA

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O golpe em Honduras e as bases na Colômbia

À medida que se passam os dias vai ficando mais claro que o golpe em Honduras não foi um fato isolado nem provocado pela consulta cidadã convocada pelo presidente Manuel Zelaya.

Por Frida Modak, para a Prensa Latina

Da mesma maneira, já é evidente que as sete bases militares em que os Estados Unidos se instalarão na Colômbia não têm por objeto combater o narcotráfico ou a insurgência.

Essas não são afirmações com antolhos.

Os Estados Unidos têm uma base militar em Honduras que hoje se chama Soto-Cano, mas que foi conhecida como Palmerola, quando foi criada para combater o governo sandinista.

Dessa base saiam os mercenários "contras" recrutados, adestrados e aparelhados pelos Estados Unidos.

O então presidente estadunidense, Ronald Reagan, batizou aqueles elementos terroristas como "combatentes da liberdade" e os financiou de maneiras muito diversas. Quando o Congresso estadunidense se negou a conceder mais fundos para os mercenários, o financiamento saiu do narcotráfico.

Isso foi admitido e justificado pelo então subsecretário para assuntos latino-americanos Elliot Abrams, que sustentou que dada a atitude do Congresso de seu país, os contras tinham que buscar meios de subsistência.

Vale a pena recordá-lo quando o presidente colombiano, Álvaro Uribe, diz que, com as bases estadunidenses em seu país, busca combater o narcotráfico e erradicar a guerrilha.

Voltemos agora a Honduras.

Empresários e um embaixador no golpe

Na noite do sábado 27 de junho, véspera da consulta cidadã, um assessor do presidente Zelaya sinalizou para mim numa conversa telefônica que se sabia dos chamados do departamento de Estado à Embaixada estadunidense em Honduras e aos até então conspiradores, advertindo-os para "nada de golpes". Isso sugeria que se iniciaria uma ação contra o Governo de Zelaya na segunda-feira 29, quando se houvera produzido o que eles consideravam um delito.

Mas o setor empresarial, que era parte do complô, estimou que não havia que esperar porque a votação a favor da quarta urna seria copiosa e não a poderiam ignorar.

Em Honduras, os empresários chegaram a um acordo com o alto comando das forças armadas, a quem entregaram 30 milhões de lempiras, equivalentes a US$ 1,5 milhão, segundo uma carta em circulação elaborada por oficiais de media graduação.

Em esferas do governo do presidente Zelaya se estimava que votariam a favor da consulta entre 1.200.000 e 1.500.000 pessoas.

O país tem um padrão eleitoral de 4.700.000 inscritos, dos quais 1.300.000 radicados nos Estados Unidos.

Calcula-se que a média de eleitores efetivos pode ser de 2.100.000, portanto, os votos a favor da consulta poderiam alcançar a maioria absoluta.

Tal evidência não podia ser desconhecida e daí surge a decisão dos empresários, entre os quais se contam ex-Presidentes da República, de acelerar suas ações.

Enquanto ao embaixador estadunidense Hugo Llorens, sua participação foi ativa antes e depois do golpe de Estado.

Assim o declarou publicamente faz uns oito dias o candidato presidencial do Partido Democrata Cristão, Felicito Ávila, coletividade que soe atuar de acordo com os setores que tomaram o governo.

Ávila afirmou que o embaixador ia às reuniões conspirativas e a respectiva crônica foi publicada na imprensa hondurenha, que majoritariamente pertence ao setor golpista, como uma advertência a Washington sobre tudo o que poderiam contar.

Se unimos o assinalado a respeito da base estadunidense de Soto-Cano (ex-Palmerola), com os antecedentes do golpe de Estado e a atuação do embaixador Llorens, e o vinculamos com as bases militares que Washington projeta instalar na Colômbia, teremos os alinhamentos de um projeto que com justificada razão alarma os países sul-americanos.

As sete bases

O governo colombiano quer convencer a opinião pública internacional, não só a latino-americana, de que seu convênio com os Estados Unidos não significa instalar bases militares estadunidenses em seu território.

Segundo Uribe, só lhes permitirá ocupar um pedacinho de sete bases colombianas para que aí desenvolvam suas atividades.

Insiste em que os vão receber como achegados para que contribuam no combate aonarcotráfico, mas não se refere aos sete bilhões de dólares recebidos de Washington pelo Governo através do Plano Colômbia.

A essa altura já é um fato indiscutível que esse plano não diminuiu em nada o narcotráfico e a corrupção.

Numerosas figuras políticas do partido do presidente Uribe estão detidas e processadas por seus vínculos com o negócio das drogas.

Também está claro que os paramilitares só aparentemente se desmobilizaram, mas se sabe que voltarão a se reagrupar com outro nome.

O objetivo das bases é outro muito diferente do declarado pelas autoridades colombianas e norte-americanas.

Quando estavam instalados no Panamá, os militares estadunidenses tinham na base Howard um centro de controle não só da América Latina, mas também para monitorar outros continentes, pois ali dispunham de diversos equipamentos de espionagem de alcance internacional.

Os tratados Torrijos-Carter sobre o canal os obrigaram a sair do território panamenho e encontraram acolhida na localidade equatoriana de Manta, onde o depois derrocado presidente Yamil Mahuad permitiu-lhes estabelecer-se em seu território.

O atual presidente equatoriano, Rafael Correa, postulou em sua campanha que não renovaria essa autorização e obrigou-os a desmantelar a base de Manta.

Agora se vão a sete pontos da Colômbia com o pretexto de combater o narcotráfico, no que obviamente ninguém acredita, como tampouco é digerível que só utilizarão escritoriozinhos nas bases colombianas para apoiar o Plano Colômbia.

As autoridades das localidades em que vão se instalar tampouco estão muito à vontade, porque consideram que a presença dos soldados estadunidenses atrai prostituição e corrupção, como já aconteceu nos lugares onde estão há tempos.

Aos países sul-americanos tampouco lhes agrada o assunto porque representa uma ameaça e não o ocultaram.

A União das Nações Sul-americanas, UNASUR, acordou em sua recente reunião no Equador tratar o assunto diretamente com os Estados Unidos no mês de setembro, quando se inicia o período de sessões da Assembleia Geral da ONU e, previamente, se reunirão na Argentina para analisar o tema.

Ao mesmo tempo, UNASUR reiterou seu apoio a Zelaya e reclamou sua restituição na presidência de Honduras, no que também discrepam de Washington.

O presidente estadunidense, Barack Obama, reagiu com desagrado ante as críticas por não tomar medidas enérgicas contra os golpistas hondurenhos.

Segundo Obama, "há uma certa hipocrisia" por parte dos que exigem atuar com clareza em Honduras e os acusou de ser os mesmos que chamam Washington de intervencionista.

Os que criticam essa postura de Obama respondem que a hipocrisia não está aí, mas no papel do embaixador Llorens no golpe, no adestramento dado pelo Pentágono às forças armadas hondurenhas e no "lobby" que defende os golpistas no Congresso estadunidense.

Também há abundante informação sobre o envio de dinheiro proveniente do narcotráfico e de instituições estadunidenses que é entregue na Colômbia a opositores de governos democraticamente eleitos na região.

Em ouras palavras, a hipocrisia consiste em continuar ajudando o golpismo com uma pretensa não intervenção.

*Frida Modak é uma reconhecida jornalista chilena radicada no México e colaboradora de Prensa Latina.
Fonte: Agência de Notícias Nova Colômbia
ENTREVISTA COM O TEOLOGO

Na entrevista que concedeu com exclusividade para a IHU On-Line, o teólogo Leonardo Boff Sobrino pensa a tarefa da teologia a partir das vítimas e do povo crucificado, "o que exige da Igreja uma clara opção pela vida destes todos. Essa conversão custa muito àqueles estratos da instituição que, de certa forma, se fossilizaram em seu status quo".

Renomado teólogo brasileiro, Leonardo Boff foi um dos criadores da Teologia da Libertação e, em 1984, em razão de suas teses a ela ligadas e apresentadas no livro Igreja: carisma e poder - ensaios de eclesiologia militante (3. ed. Petrópolis: Vozes, 1982) foi condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Deixou, então, a Ordem dos Freis Franciscanos e desde 1993, é professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. É autor de mais de 60 livros nas áreas de teologia, espiritualidade, filosofia, antropologia e mística, entre os quais citamos Ética da Vida (Rio de Janeiro: Sextante, 2006) e Virtudes para outro mundo possível II: convivência, respeito e tolerância (Petrópolis: Vozes, 2006). Boff escreveu um depoimento sobre as razões que ainda lhe motivam a ser cristão, publicado na edição especial de natal da IHU On-Line, número 209, de 18 de dezembro de 2006.

Eis a entrevista de Leonardo Boff a IHU On-Line, por e-mail.

IHU On-Line - A recente notificação da Congregação para a Doutrina da Fé sobre duas obras de Jon Sobrino coloca novamente em pauta a Teologia da Libertação. Por que motivo esta teologia, que alguns chegam a considerar defunta, continua provocando tanta inquietação?

Leonardo Boff - Esta teologia está viva em todas as Igrejas que tomaram a sério a opção pelos pobres, contra a pobreza, e em favor da vida e da liberdade. O Fórum Social da Teologia da Libertação, celebrado uma semana antes do último Fórum Social Mundial, em Porto Alegre[1], trouxe 300 representantes de todos os continentes e mostrou a vitalidade desta teologia. A notificação contra Jon Sobrino[2], um dos mais significativos teólogos da libertação, mostra que Roma está reagindo porque, no meu modo de ver, está perdendo a batalha contra a Teologia da Libertação. Os dois documentos, um de 1984 e o outro de 1986, não conseguiram abafar esta teologia. Como ela nasceu ouvindo o grito dos oprimidos e hoje este grito aumentou e virou clamor, ela tem todas as razões para continuar viva. Hoje não apenas os pobres gritam, como também gritam as águas, as florestas, os animais e a própria Terra sob a agressão sistemática do modo de produção e consumo globalizado. Assim, surgiu uma vigorosa ecoteologia da libertação, nascida na América Latina e assumida em muitas igrejas e universidades do primeiro mundo. Jon é incômodo à ideologia vigente no Vaticano, cujo objetivo é articular a Igreja Católica com os poderes emergentes. Ele, Sobrino, pensa a tarefa da teologia a partir das vítimas e do povo crucificado, o que exige da Igreja uma clara opção pela vida destes todos. Essa conversão custa muito àqueles estratos da instituição que, de certa forma, se fossilizaram em seu status quo.

IHU On-Line - Uma das grandes dificuldades da ortodoxia católica com respeito à Teologia da Libertação é a afirmação de uma nova hermenêutica que envolve uma ortopraxis. Jon Sobrino fala em hermenêutica da práxis. Para ele, não há como compreender Jesus fora da prática de seu seguimento. Qual o alcance dessa reflexão teológica e em que medida ela provoca uma mudança na reflexão cristológica em curso?

Leonardo Boff - A teologia mesmo tradicional sempre afirmou que a missão da teologia não se esgota na simples compreensão da fé, mas deve sempre pensar a fé informada pela caridade que leva à prática. De mais a mais não é dizendo "Senhor, Senhor"[3] e fazendo cristologia que estamos sendo fiéis à mensagem de Cristo, mas "fazendo a vontade do Pai" que significa uma prática. Em outras palavras, o que salva de fato não é a ortodoxia, mas a ortopraxia, não as prédicas, mas as práticas. Na América Latina esta exigência de prática se chama "seguimento de Jesus", que implica valorizar sua prática libertadora, escutar sua mensagem especialmente aquela que dá centralidade aos pobres (serão nossos juízes definitivos, segundo Mateus, 25[4]) e compartilhar de seu destino que pode ir da maledicência, passando pela tortura, até a morte. Não é sem razão que a única Igreja hoje que possui mártires desde leigos, religiosos(as), padres e até bispos como Dom Romero[5] de El Salvador e Dom Angelelli[6] da Argentina, é a Igreja da libertação. Jon Sobrino mesmo é um sobrevivente do fuzilamento de toda a sua comunidade jesuítica de El Salvador, 6 confrades, além da cozinheira e sua filha de 15 anos. Salvou-se porque nessa noite estava fora de casa[7]. Toda esta temática que envolve tensões e conflitos não agrada Roma, que sempre busca composições para manter uma paz que é aparente e uma harmonia que é duvidosa.

IHU On-Line - Na recente notificação sobre as obras de Jon Sobrino há um questionamento aos pressupostos metodológicos utilizados pelo teólogo de El Salvador, em particular a idéia da Igreja dos pobres como lugar teológico fundamental. Como situar a centralidade da questão dos pobres na Teologia da Libertação?

Leonardo Boff - Há uma diferença fundamental entre o método convencional de se fazer teologia nos centros metropolitanos de teologia e no Vaticano e o nosso da América Latina. Essa diferença ficou clara na recente Exortação Apostólica Sacramento da Caridade, do atual Papa Bento XVI. Esse documento com mais de cem páginas se estrutura em três partes: a primeira, a Eucaristia objeto de fé; a segunda, a Eucaristia, objeto de celebração; e a terceira, a Eucaristia objeto de vivência. Curiosamente, nesta última parte o documento entra na realidade conflitiva do mundo atual, da fome, das guerras e das ameaças ecológicas. Mas isso nada tem a ver com as duas primeiras partes. Portanto, parte-se de cima para baixo, da fé, da tradição e da celebração litúrgica. Só depois se derivam conseqüências. É uma teologia das conseqüências. Nós, da América Latina, inclusive os documentos oficiais da Igreja latino-americana, como Medellín[8] (1968), Puebla[9] (1979) e Santo Domingo[10] (1992), partimos da última parte, quer dizer, da realidade. Esta não vem apenas referida, mas analisada com os instrumentos das ciências sociais, históricas, antropológicas, ecológicas e pedagógicas. Isso para evitar a mera relação de fatos sem discernir as inter-relações entre eles e suas causalidades. Procuram-se as estruturas que funcionam na base destes fatos e que produzem as contradições. Só depois invocamos a Escritura, a Tradição e o Magistério para iluminar, criticar e ressaltar pontos centrais da realidade que deve ser assumida pela Igreja, no caso, pelas Igrejas. Essa virada metodológica é de difícil aceitação por parte do Vaticano e também das teologias progressistas européias e norte-americanas. Antes de tudo, porque a maioria não sabe fazer uma análise consistente da realidade e depois incorporaria outros olhos, com os quais se lê a realidade e os textos fundadores da fé. O método é mais que método. É uma verdadeira conversão pessoal e institucional. Quando partimos da realidade, encontramos, escandalosamente à vista, os pobres e os oprimidos. Escutamos seus gritos, vemos suas chagas. E aí a atitude básica é aquela de Jesus: miserior super turbas[11]. E sentimos a urgência de nos solidarizar, aliviar suas cruzes e colaborar para que saiam desta anti-realidade. Operar isso é obra das Igrejas da libertação e da reflexão que as acompanha, que é a teologia e a pedagogia de libertação.

IHU On-Line - Ainda na notificação sobre as obras de Jon Sobrino há uma inquietação sobre a ênfase dada pelo autor no Jesus histórico, bem como na sua relacionalidade. Na visão de Sobrino, torna-se problemática a absolutização absoluta de Cristo, ou seja, o esquecimento da dupla relacionalidade de Jesus: com o reino de Deus e o Deus do reino. Está havendo um certo risco de cristomonismo, na tendência em curso de questionamento do "reinocentrismo da Teologia da Libertação e o que isso significa para a Igreja na América Latina?

Leonardo Boff - O risco teológico mais antigo da Igreja Romana é o cristomonismo, quer dizer, a ditadura de Cristo na Igreja e no mistério da salvação. Em primeiro lugar há que se afirmar que Jesus é Filho de Deus e não simplesmente Deus, o que remete para o Pai, que na relação com o Filho faz proceder o Sopro, que é o Espírito. Portanto, a inteira Trindade está presente na história e no processo de salvação e libertação. O conceito mais englobante e ligado à prédica de Jesus é a categoria Reino que envolve toda a criação, as sociedades humanas e as pessoas para culminar no Reino da Trindade. Dar centralidade ao Reino é sermos fiéis ao Jesus histórico, que não se preocupou com a Igreja, mas com o Reino e, ao mesmo tempo, considerarmos que nada está fora do Reino, categoria globalizadora de todas as instâncias do real. Jon Sobrino tem enfatizado que a construção do Reino se faz sempre contra o Anti-Reino, que é uma energia de oposição e anti-crística que encontra base na realidade e foi ela quem assassinou Jesus Cristo e os mártires de toda a história. A categoria Reino, bem como a categoria de Povo de Deus, não são bem vistas pela teologia institucional de Roma porque relativizam a Igreja e fazem dela apenas Sacramento do Reino, mediação do Reino, pálida presença do Reino no mundo, mas nunca o próprio Reino identificado com a Igreja. Essa humildade de ser apenas a vela e não a chama é difícil para uma Igreja que se auto-finalizou e se considera como uma espécie de galáxia englobando todos os sistemas e subsistemas.

IHU On-Line - Quais são os desafios do pluralismo religioso hoje, para o fazer teológico na América Latina?

Leonardo Boff - O desafio primeiro é reconhecer o fato do pluralismo religioso. Isso não constitui uma patologia ou decadência, mas um dado positivo de realidade. É mais ou menos como a biodiversidade. Terrível seria se, na natureza, houvesse apenas pinus eliotis ou baratas. A riqueza está na biodiversidade ecológica analogamente ao valor da diversidade religiosa. Cada expressão religiosa revela algo do Mistério de Deus e nenhuma pode pretender possuir qualquer monopólio, nem da revelação nem dos meios de salvação. A graça e o propósito salvador de Deus perpassam toda a realidade e são oferecidos a todos. O segundo desafio se prende ao valor que damos a esta diversidade. Já o disse: são formas diferentes de expressar o Mistério, e por isso devemos aprender uns dos outros, nos enriquecermos com as trocas, os diálogos e as buscas de convergências, em vista do serviço espiritual dos povos, alimentando neles a chama sagrada da presença de Deus que está na história e no coração de todos. Temos ainda muito que andar para realizarmos esta tarefa. Mas, pelo menos, não temos ainda guerras de religião e entre fundamentalismos que já estão surgindo entre nós.

IHU On-Line - Em recente artigo, o teólogo Clodovis Boff[12] assinalou que a Conferência de Aparecida não poderá ser a repetição, ainda que atualizada, das Conferências de Medellín, Puebla e Santo Domingo, mas deverá, sim, inovar em sua forma e acento, face aos novos sinais dos tempos. Será o caso? Por quê?

Leonardo Boff - Eu creio que Aparecida deve consagrar a caminhada do magistério das Igrejas latino-americanas, pois não ganhou ainda sustentabilidade e reconhecimento oficial, especialmente por parte do Vaticano. Ai há pontos inegociáveis, como a libertação (Medellín), a opção pelos pobres (Puebla) e a inculturação (Santo Domingo). Mas não basta patinar sobre o mesmo chão. Importa ver quais são os sinais dos tempos hoje e com referência a eles pronunciar uma palavra adequada que tenha o significado de uma boa nova. Os cristãos têm direito de pedir isso a seus pastores. Creio que continua de pé ainda o clamor dos pobres, as desigualdades e injustiças, mas valorizando o que eles estão fazendo em seus movimentos, partidos e articulações de trabalhadores, índios, negros, mulheres. Esses sujeitos históricos se cansaram das elites e resolveram votar em si mesmos e em representantes que vêm de seu meio, assim no Brasil, na Bolívia, no Equador e em outros lugares. Depois, há a urgência que nos vêm do fato de que a Terra vai encontrar um novo equilíbrio aumentando seu aquecimento em até 3-4 graus Celsius, o que pode implicar a criação de milhões e milhões de vítimas e uma fantástica dizimação de seres vivos, emigrações numerosíssimas, destruição de cidades marítimas e outras conseqüências ligadas às mudanças climáticas, gerando fome e sede para milhões por causa da destruição das safras. Todas estas questões estão na ordem do dia das políticas mundiais e deveriam estar na agenda pastoral de nossas Igrejas. Dai a importância de Aparecida estar atenta aos novos sinais dos tempos. Se não estiver atenta aos tempos, como vai ler os sinais dos tempos?

IHU On-Line - Quais são as perspectivas para a 5ª Assembléia da Conferência Episcopal Latino-Americana em Aparecida, depois da notificatio sobre a obra de Jon Sobrino?

Leonardo Boff - Creio que não vai ter muita influência negativa. A condenação de escritos de Jon Sobrino, no meu modo de ver, e isso é acenado por ele mesmo, em sua carta ao Geral de sua Ordem, se deve ao furor condemnandi da Teologia da Libertação, furor presente no grupo latino-americano de Cardeais e altos funcionários da Cúria Romana. Não é mistério a oposição sistemática que fazem o Card. Alfonso López Trujillo[13], Dario Castrillon Hoyos[14] e Lozano Barragan[15] e, não em último lugar, Dom Karl Joseph Romer[16], ex-bispo auxiliar do Rio de Janeiro e agora em Roma, sempre zeloso em identificar erros e heresias possíveis em bispos e em teólogos. Eles estão para se aposentar. Quiseram fazer um agrado ao Papa, limpando o terreno para sua vinda ao Brasil, condenando a Jon Sobrino. Batem nele, mas pensam na Igreja latino-americana que querem reenquadrar no processo persistente de romanização que foi iniciada por João Paulo II e está sendo levada avante pelo atual papa.

IHU On-Line - Quais são as possibilidades e os limites da criação de novos espaços para o exercício da reflexão teológica latino-americana, para uma teologia cada vez mais pública?

Leonardo Boff - Estimo que os leigos devem mais e mais assumir a tarefa da teologia e mais ainda, de salvaguardar a herança de Jesus, contra a mediocrização a que está sendo submetida por uma política vaticana mais carnal que espiritual, mais centrada no poder que no carisma, mais eclesiocêntrica do que reinocêntrica. Eles, como leigos, não estão ao alcance das instituições de vigilância dos órgãos doutrinais do Vaticano. E a maioria está dentro das universidades do Estado e por isso gozam da proteção da liberdade acadêmica e das leis, pois o Vaticano passa por cima até dos direitos mais comezinhos quando quer salvaguardar seus interesses. Houve épocas no começo da Igreja nas quais quase todos os bispos viraram hereges nestorianos. Foram os leigos que salvaram a ortodoxia cristológica e mariológica. Talvez hoje estejamos enfrentando situação semelhante.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O cartão vermelho

Eduardo Bomfim *

O senador Eduardo Suplicy proferiu, nessa terça-feira passada, um discurso tão desnorteado que provavelmente deve estar amargando um grande arrependimento ou o nível de sensatez política caiu abaixo de zero.

Uma semana após o julgamento e arquivamento das representações contra José Sarney, também com o voto do Partido dos Trabalhadores, o ilustre senador foi à tribuna e pediu a renúncia do presidente do Senado Federal.

Do ponto de vista político é uma atitude lamentável sob vários aspectos. Foi uma clara tentativa de estratégia publicitária destituída de qualquer pudor porque ele próprio não se rebelou, no devido momento, contra o desenlace da votação.

Não sendo um episódio rotineiro, mas um grave confronto entre as bancadas do governo e da oposição, Suplicy tinha que adotar uma postura de divergência aberta contra o presidente da República e mesmo contra o seu partido, ou aguentar as consequências, ficar calado e seguir a orientação do PT.

Não fez uma coisa, nem a outra. Tentou ficar bem com o governo, com o presidente Lula, com a grande mídia adversária e com a oposição ao mesmo tempo. Poderia ao menos alegar uma autocrítica das suas posições anteriores, o que não aconteceu.

Daí todos concluem, parlamentares dos vários matizes ideológicos, mídia em geral e a opinião pública, que ele cometeu o desatinado discurso de maneira fria e premeditada, utilizando-se do velho chavão popular: uma no cravo e outra na ferradura.

E a arma foi o bizarro e imenso cartão vermelho sacado contra o presidente Sarney e o senador oposicionista Heráclito Fortes, que por sua vez fez um aparte demolidor contra o senador por São Paulo.

Demolidor porque com tal manobra política todos os flancos de qualquer cidadão ficam literalmente desguarnecidos.

Quando se é governo, consciente dos seus propósitos, aufere-se o bônus da situação e prepara-se o lombo para as chicotadas da oposição. E é necessário estar bastante convencido, armado mesmo de argumentos para o combate feroz, igual ao que vem sendo travado nos dias atuais.

O que não exclui os princípios, o pensamento crítico e a independência que devem nortear o ativista político.

Mas o grande problema é que o senador Suplicy meteu-se em um conhecido dilema shakespeariano mal formulado: ser e não ser, como fazer? E para semelhante teorema político não há uma resposta convincente.

Marx, Darwin e a ampliação do saber

Carlos Pompe *

Gigantes do pensamento do século 19, Karl Marx e Charles Darwin ainda hoje influenciam o modo como analisamos o mundo. Ambos tinham compromissos de classe diferenciados. Marx abraçou a causa socialista e a luta do proletariado. Darwin, integrante da class

Marx leu A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1860, um ano após a publicação. Em dezembro, escreveu a seu amigo Friedrich Engels que o livro continha ''a base de história natural para nossa visão'' – a teoria do materialismo dialético –, que tinha desfeito a teologia, mas que fora escrito à ''maneira inglesa crua de apresentação''. No ano seguinte, comentou com Ferdinand Lassalle, outro socialista alemão, que ''o livro de Darwin é muito importante e me serve de base, na ciência natural, para a luta de classes na história''. Meses depois, em nova carta a Engels, registra uma crítica dessa obra de Darwin, tendo como pressuposto a sociedade vitoriana: ''É notável como Darwin reconhece entre animais e plantas sua sociedade inglesa com sua divisão de trabalho, competição, abertura de novos mercados, 'invenções' e a 'luta pela existência' malthusiana. É o 'bellum omnium contra ommnes' (guerra de todos contra todos) de Hobbes, e lembra a Fenomenologia de Hegel onde a sociedade civil é descrita como um 'reino animal e espiritual', enquanto em Darwin o reino animal figura como sociedade civil''.
Em carta a Ludwig Kugelman, de 1866, Marx comenta que ''em Darwin o progresso é meramente acidental e A Origem das Espécies não rendeu muito ''em relação à história e à política'', embora pudesse ter ''uma tendência socialista inconsciente''. Considera, porém, que tem ''fraqueza de pensamento'' quem queira fazer a história humana depender da expressão darwiniana de ''luta pela sobrevivência''.
O pensamento econômico que Darwin esposava era o de Malthus (para quem o excesso populacional era a causa de todos os males da sociedade). No Anti-Dühring, Engels aborda a influência do malthusianismo no naturalista: ''Darwin não sonhou sequer em dizer que a origem da ideia da luta pela existência era a teoria de Malthus. O que ele diz é que a sua teoria da luta pela existência é a teoria de Malthus aplicada a todo mundo vegetal e animal. Por maior que fosse o deslize cometido por Darwin de aceitar, na sua ingenuidade, a teoria malthusiana, vê-se logo, a um primeiro exame, que, para se perceber a luta pela existência na natureza – que aparece na contradição entre a multidão inumerável de germes engendrados pela natureza, em sua prodigalidade, e o pequeno número desses germes que podem chegar à maturidade, contradição que, de fato, se resolve em grande parte numa luta, às vezes extremamente cruel, pela existência – não há necessidade das lunetas de Malthus. E, assim como a lei que rege o salário conservou o seu valor muito tempo depois de estarem caducos os argumentos malthusianos sobre os quais Ricardo'' (David Ricardo, 1772-1823, inglês, um dos fundadores da ciência econômica – CP) ''a baseava, a luta pela existência pode igualmente ter lugar na natureza sem nenhuma interpretação malthusiana. De resto, os organismos da natureza têm, também eles, as suas leis de população, que estão pouco estudadas, mas cuja descoberta será de importância capital para a teoria do desenvolvimento das espécies. E quem, senão Darwin, deu o impulso decisivo nessa direção?''
Em 1873, Marx enviou a Darwin, ''da parte de seu sincero admirador'', um exemplar de O Capital, com uma referência ao efeito ''memorável'' da Origem. Darwin leu apenas algumas páginas do livro, mas respondeu: ''Agradeço-lhe por ter-me honrado com a remessa de sua grande obra sobre o capital, e, de todo o coração, gostaria de ser mais digno de recebê-la, tendo uma compreensão melhor do tema profundo e importante da economia política. Conquanto nossos estudos tenham sido muito diferentes, creio que ambos desejamos sinceramente a ampliação do saber e, a longo prazo, é certo que isso contribuirá para a felicidade da humanidade''.
Ao contrário do que escreveram alguns biógrafos, inclusive Isaac Berlin, Marx nunca esteve para dedicar O Capital a Darwin. A confusão aconteceu porque Darwin enviou carta a Edward B. Aveling (que depois seria genro de Marx) recusando a dedicatória que este, Aveling, faria para ele no folheto Darwin para estudantes, de 1881.
A teoria da evolução apresentada por Darwin, como toda teoria científica viva, é complementada a aperfeiçoada a cada nova descoberta possibilitada pelos avanços técnicos e científicos. Segundo Martin Gardner, ''a moderna teoria da evolução abrange a genética e todas as outras descobertas importantes da ciência do século 20. Darwin foi um lamarckista que aceitou a hoje abandonada ideia da herança dos traços adquiridos.''
Avanços e recuos da compreensão do mundo e da luta de classes levaram a que, no século passado, o marxismo deixasse de ser referência para muitos cientistas. Isso se refletiu nos que continuaram na trilha aberta por Darwin de compreensão da natureza, sem a correspondência com a compreensão das vicissitudes da história social. Mesmo pensadores progressistas e envolvidos nos debates dos grandes temas do momento, como o darwinista Richard Dawkins, tratam a conduta moral do homem (sua religiosidade, inclusive) como um aspecto da conduta natural, biológica. Desconsideram as classes sociais e a luta e relações que elas travam entre si. As qualidades e defeitos morais seriam instintivos, encontrados tanto nos humanos como nos animais. Aliás, Darwin chegou a escrever que os animais experimentam quase todos os sentimentos dos homens, como amor, lealdade etc. Quando muito, esses cientistas, tratam do enfrentamento entre o racionalismo (ciência) e anti-racionalismo (religião, crenças, preconceitos etc.) na sociedade.
Esta concepção tem a ''fraqueza de pensamento'' apontada pelo pensador alemão. Para os materialistas dialéticos e históricos, o homem é criador e transformador da natureza, conhece e conquista a sua própria natureza e transforma a realidade que o cerca. Por isso, a indicação de Marx de apropriar-se das descobertas de Darwin ''para a nossa visão''. Daí a compreensão de conjunto apontada por Engels, no discurso diante do túmulo de Marx, em 1883: ''Assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza humana, Marx descobriu a lei da evolução na história humana''.

Um mau conselho de Bento XVI

Carlos Pompe *

O Papa é infalível e representa Deus neste mundo. Muita gente acredita nisso. Assim como muitos acreditam que a Igreja Católica Apostólica Romana é a verdadeira correia de transmissão deste mundo com o mundo divino. Não poucos morrem e matam por essa e ou

Por isso, os posicionamentos do Papa e da Igreja não podem ser tratados como assuntos que dizem respeito apenas aos seus seguidores. E por isso são irresponsáveis as afirmações do Papa contra o uso da camisinha e a condenação pública, por um elemento do alto clero católico no Brasil (com o apoio da instituição), de profissionais de saúde que preferiram salvar uma criança estuprada pelo padastro e que tinha uma gravidez de alto risco.
Há cerca de 350 anos a ciência existe “como fator dominante na determinação das crenças dos homens instruídos”, afirmou Bertrand Russel. No entanto crendices milenares persistem nos dias de hoje, influenciando o comportamento humano. Muitas doenças deixam de ser tratadas a tempo porque seus portadores preferem, antes de ir ao médico, tratá-las com rezas ou outras feitiçarias. Desastres naturais ou causados pela imprudência de pessoas ou governos são atribuídos a castigos divinos ou a ações demoníacas. Fanáticos que se consideram instrumentos de seus deuses cometem atrocidades.
Quando a medicina científica surgiu, teve que combater inúmeras crenças enraizadas na população e também as religiões organizadas, em especial a Igreja Católica. O “pai da anatomia moderna” Andreas Vesalius (1514 —64) autor de De Humani Corporis Fabrica, um atlas de anatomia publicado em 1543, só não foi queimado vivo, condenado pela Inquisição católica por fazer dissecação de corpos que roubava do cemitério, porque o imperador Carlos V (que era seu paciente) impediu. Mesmo assim, depois que o imperador morreu, Vesalius foi obrigado a fazer uma peregrinação à Terra Santa, como penitência, e morreu a caminho, vítima de um naufrágio. Até recentemente, a Santa Madre Igreja também considerava que os doentes mentais eram possuídos por espíritos malignos, e por isso os tratavam com crueldade para, assim, “maltratar o Demônio”. Aliás, mesmo hoje existem padres que realizam exorcismo em pessoas que “atentam contra a moral e os bons costumes”.
Os séculos passaram a os chefes da Igreja continuaram apegados às suas concepções obscurantistas e continuam a perseguir a ciência e os que não rezam por sua cartilha – ou os que rezam por outra cartilha religiosa, como os judeus e os islâmicos. Uma linha de continuidade reacionária que possibilitou que um jovem nazista da primeira metade do século passado se tornasse, neste século, a principal autoridade dos católicos.
E foi essa pessoa, Joseph Ratzinger (agora chamado Bento XVI) que, na sua primeira visita ao continente africano, reafirmou que a distribuição de camisinhas e apoio financeiro dos países desenvolvidos não são a solução para a epidemia de Aids e só agravam a situação. Ninguém há de dizer que o papa é ignorante – afinal, estudo não lhe falta. Difícil dizer também que é mal informado ou que desconheça que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu relatório de 2007, contabilizava 33 milhões de infectados no mundo, sendo que na porção subsaariana da África estão 20 milhões de pessoas com o vírus. A cada ano 2,7 milhões de pessoas se contaminam com o HIV, sendo cerca de 400 mil crianças com menos de 15 anos.
Não. Não é falta de inteligência ou de estudo. Talvez seja obtusidade, mesmo. A mesma que leva o Vaticano e seus seguidores a vetarem a pesquisa com células tronco – assim como no passado impediam a dissecação para o estudo da anatomia. O saber científico é incompatível com as crendices.

Mulher livre numa sociedade livre

Carlos Pompe *

A sociedade considera a mulher inferior ao homem ? a sociedade, pois inclusive muitas mulheres assim pensam e poucos, talvez pouquíssimos, homens pensam o contrário. É verdade que a maioria dos homens é mais forte e tem estatura maior do que as mulheres.

Naturalmente, durante a gestação e a amamentação a fêmea de qualquer mamífero vive situações de desvantagens em relação ao macho, tanto no que diz respeito à busca de alimentação quanto na autodefesa num ambiente hostil. Num escrito de 1969, Isaac Asimov, abordando o que seria a sociedade em 10 mil antes de Cristo, aventa que o sexo e algum tipo de status provavelmente levavam a que o caçador primitivo cuidasse da mulher, em especial nos períodos de gravidez e, depois, da mãe e do recém-nascido. E aponta que, já nesse período, a mulher ficava em desvantagem, pois trocar sexo por alimento era “um acordo terrivelmente injusto, pois uma das partes pode rompê-lo impunemente e a outra, não”. Daí ele argumenta que, por razões fisiológicas, “a união original entre homens e mulheres era estritamente desigual, com o homem no papel do amo e a mulher no papel da escrava.”
Quando a humanidade chega à história escrita, essa divisão estava consolidada. Mire o exemplo das mulheres de Atenas: eram inferiorizadas e sem direitos, como mostra a canção do Chico Buarque e Augusto Boal. Na Bíblia, não faltam exemplos de destrato da mulher pelo homem, inclusive no Novo Testamento. Note-se os modos de Jesus com a mãe, aos 12 anos, em Lucas 2: 41-52, quando, após três dias desaparecido, os pais o encontram conversando com doutores no Templo. A mãe pergunta-lhe por que fez sumiu sem avisar, e o pivete rebate: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?” Os pais ficaram sem entender o que o garoto acabava de lhes dizer, registra o evangelista. Ou veja-se o desdém com que a trata, já na cruz: “Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho”. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. (João 19: 25-27). Falasse eu assim com minha mãe (inclusive o descaso de chamá-la “mulher” e não “mãe”), e levaria um safanão – “Foi pra isso que te criei, filho ingrato?”, diria dona Anita.
A submissão da mulher ao homem também está na carta de Paulo aos Efésios, considerada pela Igreja Católica como “a carta do mistério da Igreja”. Assim está escrito: “Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja.  E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos” (5: 22-24).
Coisas do passado? Nem tanto. É claro que as mulheres obtiveram avanços em coisas que, embora recentes, hoje, parecem triviais, como o direito de votar e se candidatar. E a violência contra elas, mesmo longe de ter acabado, tem sido inibida em vários países. No Brasil, temos a Lei Maria da Penha, que penaliza autores de brutalidades contra as mulheres, mas mesmo esta legislação ainda é contestada, inclusive por juízes. No início do passado mês de fevereiro, por apenas um voto de diferença, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que lesões corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de ação penal pública incondicionada. Dois juízes não aceitaram essa interpretação, mas felizmente três votaram pela decisão.
As mulheres caminham para a igualdade? Os fatores físicos que, lá na pré-história, na visão de Asimov, teriam levado à supremacia masculina, continuam presentes. A maioria dos homens continua sendo mais forte e tendo estatura maior que as mulheres e estas mantêm a exclusividade da gestação. Porém, os avanços científicos permitiram que mesmo os trabalhos mais pesados já não exijam músculos, mas maquinarias, o que põe abaixo a primeira “vantagem” masculina. E apesar da reação conservadora e religiosa, já se desenha a possibilidade da gestação ocorrer fora do corpo da mulher. O sexo, em especial depois dos métodos anticonceptivos, foi desvinculado da procriação.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento social já colocou para a humanidade um problema que ela pode resolver: relações sociais e econômicas que sejam de cooperação, e não de exploração. Porque a sociedade dividida em classes – exploradoras e exploradas – existe há milênios, mas não é eterna e estão dadas as condições objetivas, de produtividade, para ser substituída por um mundo novo, sem burgueses e proletários e sem, também, as proletárias dos proletários. Como antecipam Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista, em substituição à sociedade dividida “com as suas classes e os seus antagonismos de classe, surgirá uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos”. A luta emancipacionista de mulher integra e dá força à luta da humanidade por sua própria emancipação.

Batinas alvoroçadas com o bispo reprodutor

Carlos Pompe *

“Às vezes, quero crer, mas não consigo. É tudo uma total insensatez”, cantavam Vinícius de Moraes e Toquinho numa de suas obras de sucesso. A constatação vem à mente neste momento em que saem à luz mulheres que afirmam ter filhos com o presidente paraguai

Uma de suas ex-concubinas afirma que ele é pai de pelo menos seis bastardos. A direita latino-americana – brasileira inclusive – assanha-se, porque Lugo é identificado com a democracia e a esquerda, palavras que causam ojeriza às elites regionais. E, pelo lado dos cristãos, o assunto reacende o debate sobre o celibato a que os seguidores do Vaticano se comprometem ao serem ordenados.


Em Mateus, 8:14, Jesus cura a sogra de Pedro (considerado pelos católicos seu primeiro papa) de uma febre – Pedro era, portanto, casado. Estudiosos afirmam que no início do cristianismo, o celibato era uma opção pessoal, geralmente adotada por eremitas e monges.


Quando, em 313 d.C, o Imperador Constantino tornou o cristianismo fé oficial, os dirigentes cristãos passaram a ser pagos pelos seus serviços eclesiásticos e a gozar privilégios especiais na sociedade romana. Os bispos passaram a  ser autoridade civil e jurídica. Os chefes da Igreja se tornaram hierarquia governante. Escreve o ex-padre John Shuster: “A igreja adotou a prática romana de permitir que somente os homens mantivessem a autoridade institucional. ... O celibato foi criado”.
Segundo este autor, os romanos se abstinham “das relações conjugais, para conservar a energia, antes de uma batalha ou de um evento esportivo”, o que levou a que fosse ordenado aos padres “absterem-se de intimidade com suas esposas, na véspera da celebração das missas. ... o celibato foi estabelecido como o mais elevado estado de santidade e consequente supressão do sacerdócio casado”.
Em 366, o papa Damásio proibiu os padres de ter relações sexuais com suas (deles) esposas. Em 385, são Sirício abandonou esposa e os filhos para ser papa e proibiu os padres de continuarem casados. Ele enviou carta a Himério de Tarragona (10 de fevereiro de 385) considerando ser um “crime” gerar filho muito tempo depois da ordenação, mesmo “da própria esposa”; “estejam todos os padres e levitas obrigados, por uma lei indissolúvel, a consagrar-se à castidade de coração e de corpo desde o dia da ordenação”, insistiu, pois considerava os atos sexuais “apetites obscenos”. Dois anos após sua morte (que ocorreu em 399), outro santo católico, Agostinho, escreveu: “Nada é tão poderoso para neutralizar o espírito de um homem como a carícia de uma mulher”.
Como em outros mistérios, foram interesses bastante terrenos que levaram a Igreja a investir contra o casamento dos integrantes da sua hierarquia, do padre ao papa e às mulheres que aderiam ou lhe eram entregues na condição de madres e freiras. No concílio de Trento, ocorrido entre 1545-63, o celibato foi adotado como regra. Segundo alguns estudiosos, para evitar que a Igreja perdesse posses em eventuais disputas de herança. A favor dessa tese, está o fato de que o papa Urbano II (ele legislou de 1088 a 1099) ordenou a prisão dos padres casados que ignorassem a lei do celibato e determinou a venda de suas esposas e filhos como escravos, com o dinheiro destinado à Igreja, para suas divinas obras. Daí a prática de padres que colocam suas posses em nome de familiares próximos (pais, irmãos, tios, primos), como forma de evitar que a Igreja açambarque tudo.


A fertilidade do ex-bispo e atual presidente paraguaio levou a que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Assembleia Geral em Indaiatuba, interior paulista, desde o dia 20, resolveu voltar a discutir (e, tudo indica, reafirmar) o celibato. O presidente da entidade, dom Geraldo Lyrio Rocha, inimigo da educação sexual nas escolas e do uso de camisinha (esta sua orientação parece ser seguida, ao menos às vezes, pelo paraguaio...) lamentou os episódios envolvendo seu ex-parceiro de batina.


Os que têm fé que continuem insistindo na ignorância sexual e descartando o uso da camisinha. Mas, convenhamos, Vinícius e Toquinho têm razão: “É tudo uma total insensatez”..

 Woodstock e o triunfo do indivíduo

Carlos Pompe *

Foi há 40 anos. De 15 a 17 de agosto de 1969 ocorreu o Festival de Woodstock. Um encontro de rock and roll movido a muitas drogas, que se transformou num ato em defesa do amor livre, da paz e contra o alistamento militar obrigatório que obrigava jovens estadunidenses a lutarem no Vietnã.

Numa fazenda despreparada para a grandiosidade que o encontro alcançou, 31 atrações musicais foram apresentadas, incluindo o guitarrista Jimi Hendrix e as cantoras Janis Joplin e Joan Baez – esta, grávida de seis meses e com o pai da criança preso, por ter se recusado a ir matar vietnamitas na Ásia.

Woodstock foi um projeto comercial que fugiu totalmente do controle de seus idealizadores, Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. Planejavam um espetáculo ao ar livre, sem nenhum outro intuito que o retorno financeiro, e que atrairia umas 200 mil pessoas. 

Foram surpreendidos por mais de 500 mil jovens que derrubaram as cercas da fazenda,tornaram o show gratuito e forçaram a que o governo improvisasse uma enorme infraestrutura para garantir-lhes alimentação e atendimento médico e sanitário. Prudentemente, as autoridades liberaram as drogas. Surrealmente, a comunidade conservadora de proprietários agrícolas woodstockiana ficou feliz em constatar que a garotada era boa gente e – pasmada – que não foram registrados furtos ou violências durante os “três dias de paz e amor”, como ficaram conhecidos quando lançados os discos e o filme (hoje CDs e DVD) que documentam o episódio.

As únicas fatalidades foram uma morte devido a uma provável overdose de heroína e outra decorrente de um atropelamento por trator, além de quatro abortos. Por outro lado, dois nascimentos ocorreram, um dentro de um carro no congestionamento e outro em um helicóptero.

Canções e discursos falaram contra a guerra do Vietnã. Artistas ainda desconhecidos do grande público mundial conquistaram renome e até hoje estão presentes no cancioneiro popular, como Carlos Santana e Joe Cocker – que com sua interpretação deu novo sentido e roupagem completamente nova para With a Little Help from My Friends (Com uma pequena ajuda de meus amigos), de Lennon e McCartney. O beatle George Harrison estava lá, mas não se apresentou.

A interpretação de Jimi Hendrix da Star Spangled Banner, o hino nacional norte-americano, simulando tiros de metralhadora e bombas caindo, tornou-se marco do rock instrumental. Joplin apresentou sua versão imortal de Summertime. No ano seguinte, ambos com 27 anos, morreriam (ele, em setembro; ela, em outubro) em virtude do abuso de drogas. Ou, como conta o historiador Eric Hobsbawn, “caíram vítimas de um estilo de vida fadado à morte precoce”.

Os três dias de música, drogas e defesa da paz se tornaram símbolo da época. Organizadores e público não tinham objetivos políticos claros e definidos – alguns artistas, sim; a maioria dos que se apresentaram, não. Mas o sentimento pacifista se fez presente e se fez marca do evento. Não se tratava de uma contestação ao modo de vida americano, mas um desejo de que esse modo de vida fosse possível sem guerras de conquista, sem agressão aos outros povos, sem corrida armamentista. A liberdade e liberalidade sexual assumiam a forma de protesto contra o Estado, a família, o convencionalismo. “Quando penso em revolução, quero fazer amor” era uma das palavras de ordem daqueles jovens. Como observou Hobsbawn, o anarquismo de Bakunin ou Kropotkin correspondiam muito mais de perto às idéias da maioria daqueles rebeldes, com sua pregação espontânea, não organizada, antiautoritária e libertária. Não havia um projeto solidário ou social, mas o triunfo do indivíduo – de milhões de indivíduos – sobre a sociedade.

Muitos daqueles jovens embarcaram e fizeram o movimento hippie. Como afirmou outro beatle, Ringo Starr, já no final do século passado, “alguns hippies ainda estão por aí, mas aquilo acabou”.

CARISMA E PODER


Atentado religioso contra o Estado brasileiro

Carlos Pompe *

Um acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé, estabelecendo um Tratado Jurídico da Igreja Católica com o país, foi aprovado na noite de 26 de agosto pela Câmara dos Deputados e encaminhado para o Senado Federal. Entidades e pessoas de bom senso vêm se manifestando contra mais esse atentado contra a inteligência.

Lula e Papa Bento 16

Unidos em Cristo, contra a laicidade

Na Câmara alguns parlamentares conseguiram deixar o projeto menos indigesto, mas nem por isso a papa é tragável. O documento que o governo quer tornar lei foi assinado pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em novembro de 2008.

Mais uma vez a Igreja Católica se vale de seus adeptos no poder para obter privilégios e atropelar o conjunto da sociedade. No caso do presente acordo, como os evangélicos também querem usar dinheiro e espaços do poder público para seus fins, conseguiram que a Câmara chancelasse também um projeto de lei de julho de 2009 que praticamente copia o que diz o acordo com o Vaticano, só que estendendo os benefícios a todas as religiões.

Mesmo aprovado, o projeto ainda não está com sua redação final pronta, devido aos trâmites burocráticos. Nessa guerra religiosa ninguém é santo. O deputado federal Miguel Martini (PHS-MG), católico, quis tripudiar: “Hoje, qual o critério para se abrir uma igreja evangélica? Nenhum.” Assim como para abrir um templo católico, judeu, islâmico ou do candomblé, acrescento eu. Mas se os ateus formos abrir uma casa para a difusão da ciência, teremos que pagar impostos e não poderemos invadir as escolas públicas para nos contrapor à lavagem cerebral de nossas crianças...

Um dos pontos do texto diz que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". Quem frequenta escolas que ministram pregação religiosa (elas usam o eufemismo “aula de religião”) sabe o quanto é constrangedor um aluno sair da sala porque não quer assisti-la ou porque seus pais rezam por outra cartilha. Uma agressão ao estudante. A professora titular da Faculdade de Educação da USP, Roseli Fischmann, lembra um outro problema: " muitas pessoas dizem que quem luta pelo Estado laico é contra a religião, contra os católicos [e isso criaria uma antipatia entre os grupos]".

Em parecer de junho deste ano, a Coordenadoria de Ensino Fundamental do Ministério da Educação afirmou que o acordo fere a legislação brasileira e poderá gerar discriminação dentro da escola pública. No caso da particular, o documento ressalta que as instituições de ensino cristãs têm autonomia para deliberar sobre o conteúdo. O Itamaraty diz que o MEC havia dado parecer favorável ao artigo em dezembro de 2007, mas o ministério reafirma que já havia manifestado sua discordância anteriormente. A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) divulgou uma nota pública informando que a ratificação do texto "implicará em grave retrocesso ao exercício das liberdades e à efetividade da pluralidade enquanto princípio fundamental do Estado".

Além da pregação religiosa, o projeto ainda trata do casamento e da assistência espiritual que a Igreja Católica pode dar a presidiários (outro público preferencial dos evangélicos) e em hospitais.

Segundo o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior, o texto traz uma "linguagem confusa proposital", e cita o artigo sobre o casamento, que abriria espaço para que a Justiça brasileira passe a ser obrigada a aceitar sentenças de anulação matrimonial do Vaticano.

Mas além de se locupletar com a estrutura estatal, o papa e sua cúpula querem mais! Pelo acordo, querem impedir também legalmente que padres, freiras ou outras categorias de religiosos recorram à Justiça do Trabalho reivindicando direitos por serviços prestados à Igreja. Querem vetar, assim, o acesso de seus pastores e ovelhas aos direitos da legislação trabalhista brasileira. Há casos de padres que, ao deixar o sacerdócio, buscam indenização. O mesmo ocorre com fiéis voluntários.

Dificilmente essa gororoba indigesta deixará de ser aprovada no Congresso e de ser sancionada pelo presidente confessadamente católico.